Jales Naves
Especial para o jornal A Redação
Goiânia - Trabalhador, determinado e sério em suas propostas, sempre preocupado com o bem comum, o português João de Almeida Naves, o primeiro membro da família Naves que se instalou no Brasil, na época colônia de Portugal, foi um cidadão ativo em sua comunidade: integrou a elite da política local, exerceu sua liderança com firmeza, participou do processo de colonização e se constituiu em referência. É o que consta dos registros daquele período, quando foi eleito Procurador da Câmara de Santana de Parnaíba, SP, em 1680, e teve uma atuação marcante, pelas iniciativas que anunciou, pelo rigor quanto a algumas medidas e seu cuidado com a coisa pública.
Ao assumir essa função apresentou projeto moderno para a época: embelezamento da vila, construção de estradas para São Paulo e conserto da Casa do Conselho, de acordo com o livro “A história da família Naves no Brasil”, lançado recentemente pela Editora Naves. “Esta casa não tem enfeites para as procissões, é preciso arranjá-los”, disse. Propôs um imposto na venda de cada medida de aguardente: de quatro vinténs (moeda da época) passou para cinco vinténs – um vintém ficava para as despesas da Câmara e a aferição dos pesos e medidas seria oficial, seguindo os padrões da vila de São Vicente, conforme prescreveram os Ouvidores Gerais.
Ele determinou que todos os vendedores seguissem rigorosamente a decisão, pois a desobediência resultaria em multa de seis mil réis, paga na cadeia, como observou a professora Maria Helena Fernandes Cardoso, da Universidade Federal de Uberlândia, uma das autoras do livro sobre a história dos Naves no Brasil.
Prestígio
Procurador do Conselho era um funcionário público e essa categoria surgiu no início da colonização com o objetivo de exercer a função de cuidar dos bens públicos, cobrar impostos e proibir o contrabando. Lívia Nascimento Monteiro, em dissertação de mestrado em História Social na Universidade Federal do Rio de Janeiro – “Distinção Social nos trópicos: as eleições na Câmara de São João del Rey em meados do século XVIII” – relata que nas vilas instalavam-se as Câmaras, que representavam o poder local. Os senhores da terra, que eram denominados pelo juiz de “homens bons” – aqueles cuja renda lhes permitia serem eleitores e eleitos para essas instituições – participavam do Conselho.
Os camaristas, como eram tratados os integrantes das Câmaras, tinham diversas atribuições: escolher os procuradores ou representantes do governo da metrópole, nomeação de servidores, manutenção da política local, fiscalização dos preços e pesos dos produtos. Dessa forma, os membros da Câmara pertenciam à elite e a escolha tinha um caráter hereditário. Uma vez eleito adquiria um grande prestígio social.
Nas atas da Câmara de Santana de Parnaíba, em 1680, há diversos registros sobre a sua atuação. “João de Almeida Naves era zangado e enérgico”, foi anotado no livro. A 20 de janeiro requereu seja o povo avisado para limpar a vila; “estava aquilo tão cheio de mato”. Em 27 de fevereiro exigiu mais que isso: que se faça a estrada para São Paulo e se mandasse consertar a casa do Conselho, que “estava danificada”. Energicamente protestou contra indivíduos que andavam armados, que não era permitido e se castigasse os culpados. Defendia que era necessário levantar na vila uma forca. “Onde já se viu uma vila sem forca!”, afirmou. Impressionou tanto aos camaristas a oratória do Procurador da Câmara que todos requereram em voz alta ao Juiz, que presidia a sessão, Sebastião Gonçalves de Aguiar, desse execução imediata a tudo que fora requerido.
“Enthusiasmado com a estreia, João de Almeida Naves continua suas propostas reformistas”, registaram nos anais do Conselho, defendendo que era preciso abrir uma janela naquela casa, que “não era decente fazer Câmara na varanda”. Nessas anotações, que o Juiz questionou o fato do escrivão não ser escolhido por ele e pela Câmara. “Esse negócio de ter escrivão proprietário habitual não estava certo. Há perigo de ‘haver algumas maldades que suas mercês lhe dessem um escrivão a parte’, iria proceder a muitas devassas...”. Outro apontamento feito sobre o Procurador: “Na vereação de 12 de julho propõe João de Almeida Naves, sempre fértil em ideias novas, fossem escolhidos a voto o almotacel e o Procurador do Conselho”. A proposta foi acatada e João da Rocha Gralho eleito Procurador.
Minerador
João de Almeida Naves chegou ao Brasil no início da segunda metade do século XVII, instalou-se primeiro na vila de São Paulo; casou-se com Maria da Silva Leite, da descendência de Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil (ele é da quinta geração e ela da 10ª geração, tendo como ascendentes Gil Cabral e Catarina Anes de Lourenço) – como anotou, no livro “Árvore genealógica da família Naves brasileira”, o pesquisador Nilson N. Naves – e ali teve seus três primeiros filhos.
Sua mudança para a vizinha Santana de Parnaíba – fundada às margens do rio Tietê em 1580 e elevada à categoria de vila em 1625, devido a sua posição estratégica naquele vale, tornou-se ponto de partida das bandeiras paulistas – deu-se provavelmente no final da década de 1650, pois tinha ligação com os Pires, que estavam em violenta disputa com os Camargo. Ali nasceram seus outros sete filhos, ele herdou na região a sesmaria de Pirapora e foi minerador, principal atividade dos bandeirantes, sediados no povoado.
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