Nádia Junqueira
Aldeia Tuatuari, Parque Indígena do Xingu - Todos juntos, cada qual com seu lar, com sua vida e suas obrigações. Caminhando do porto do Tuatuari rumo à aldeia, as ocas em círculo dão a total impressão de comunidade na aldeia. No fim de tarde, no centro de todas as casas, na praça central há a casa frequentada somente por homens (uikúka), onde se reúnem para conversar no fim de tarde. Ali, os mais velhos assistem ao futebol diariamente. Raramente as mulheres vão ao centro da praça.
Do quintal da casa de Pirakumã se vê a Uikúka, onde os homens se reúnem no fim da tarde para conversar (Foto: Nádia Junqueira)
Cada canto e cada família, porém, reserva sua intimidade. A começar pelos quintais. A ausência de limites entre os fundos das ocas dá impressão que tudo pertence a todos. No entanto, ao fundo de cada casa, um quintal que pertence à família dona da oca. As roças, onde há as plantações, também são delimitadas por família.
Quando há o casamento, o casal passa a morar na casa dos pais da mulher. Esse casal passa a morar, portanto, com pais (sogros), irmãos (cunhados), além de seus próprios filhos. A escolha do marido para filha, ainda, é da competência dos pais. No entanto, a realidade começa a mudar um pouco com o passar dos anos, havendo certa autonomia às meninas.
Quando menstrua, ela fica um ano ou dois (de acordo com a decisão da mãe) reclusa em casa. Nesse período, passa por um processo de passagem aprendendo com a mãe tudo para se tornar mulher, desde a confecção de artesanatos, cozinha até cantos e danças. Os meninos também passam por essa reclusão e ela acontece até mesmo para as mães com recém-nascidos e pessoas de luto.
Depois da reclusão, as meninas estão prontas para serem esposas. Por isso, há muitas que se casam ainda muito novas, até mesmo aos 12 anos de idade. Uma criança nos contou que seu pai ou sua mãe escolheria seu marido, mas ela preferia que fosse de outra etnia. “E se você se apaixonar?”, uma não-índia questionou. “Não, aqui a gente não pode se apaixonar”, respondeu a menina.
Separação
Os casamentos, no entanto, nem sempre são para sempre. As separações acontecem e quando isso ocorre, as mães são responsáveis pelos filhos e os pais não assumem a paternidade a partir de então. Quem nos contou foi uma moça Yawalapiti, mãe de duas meninas pequenas.
Havia se separado na última quinta de seu marido Kuikuro. Demos carona para ela da aldeia dessa etnia até o porto onde o irmão esperava para levá-la de volta à aldeia de sua família. Ainda cheia de tristeza misturada com rancor, contou que era ela quem cuidaria das filhas dali para frente. Caso se casasse de novo, o segundo marido assumiria a criação das meninas. Seu ex-marido havia se casado de novo. Aos homens é permitido ter mais de uma esposa.
Divisão do trabalho
As divisões seguem no trabalho. É da responsabilidade do homem plantar, derrubar as mandiocas, queimar e limpar a roça. No processo da colheita entra a mulher, que recolhe a raiz, e dali para frente, da mandioca ao biju, é tudo sob sua responsabilidade. Aos homens cabe, além de plantar, garantir os peixes em casa. Na aldeia Tuatuari, os homens reclamam que já não há mais peixes grandes como antes. “Construíram uma PCH (hidrelétrica de pequeno porte) logo acima”, contam a causa. Ao redor do parque, muitos latifúndios de grãos e desmatamentos que cercam, cada vez mais, a natureza preservada do Xingu.
Nessa época de seca, a alimentação é basicamente constituída de biju e peixe. Quando há chuva, é possível plantar frutas, como melancia e outros cereais, como milho. É também durante a chuva que o trabalho se concentra mais dentro que fora das casas: tempo de produzir artesanato.
A poucas semanas da chuva, a família de Ana se apressava em terminar a colheita da mandioca, trabalho que demanda esforço de todos os membros. Eles pretendiam concluir todo trabalho até esse sábado, quando haverá o Kuarup dos Kuikuros, aldeia próxima dali. Yamoni, mãe de Ana, estava acordada na última quinta às 4 horas envolvidas em um dos muitos processos para fazer biju. No dia anterior realizaram a colheita de mandioca, as mulheres da família as descascaram, ralaram e agora Yamoni dava continuidade ao trabalho.
A divisão do trabalho, no entanto, não passa por idade. A avó de Ana, de mais de cem anos (não sabem ao certo sua idade) ajudava no trabalho de descascar a mandioca. Sua sobrinha, de três anos, também tinha em mãos as mandiocas e descascador. Tina, de nove anos, filha de Ana, acorda cedo junto com a mãe, faz o café e logo já segue para o trabalho. Ela tem muito claro para si suas obrigações familiares.
O trabalho da cidade, da civilização branca, por outro lado, é um desafio para os índios. Ana conta que não gosta do fato de haver horários determinados para se trabalhar. “Índio trabalha quando precisa e quando quer”, conta. Além disso, o fato de trabalhar para alguém e não para si incomoda.