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Fabrícia  Hamu
Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com

Inspiração

Orai e vigiai

| 13.09.13 - 14:40

Goiânia - Seu Juraci parece um personagem saído dos livros de Guimarães Rosa. A maneira seca e direta de falar e o jeito aparentemente rude, mas que no fundo escondem uma ternura genuína, lembram os sertanejos de “Grande Sertão Veredas”. Toda semana, encontro com ele e a mulher na mercearia perto da minha casa.

Ontem, como sempre, ele não a deixou carregar as compras:

- Dê cá essa sacola, fia. Tá pesada demais procê.

- Brigada, nego.

Franzino, do alto dos seus 80 anos de idade, parecia ser um jovem de 20, tamanha a certeza de conseguir levar a sacola pesada e poupar a esposa do esforço grande. Ela, com 78, parecia uma menina, encantada com a gentileza do marido. Pegamos os três o mesmo caminho, na volta para casa. Batendo papo, descobri que eles têm 60 anos de casados.

Fiquei pensando na raridade que isso representa hoje em dia. Seis décadas de casamento... Dona Irene, mulher do seu Juraci, me contou que vai à mercearia todo domingo comprar ingredientes para o bolo de milho que ele adora. Já ele cuida das plantas do quintal todos os dias, porque sabe que ela ama suas roseiras.

“Um vai tomando conta do outro e prestando atenção no que ele gosta, no que precisa. Às vezes, a pessoa tá triste e nem sabe que tá. A gente é que repara, chega com jeitinho e descobre”, ensina  dona Irene. “Não pode deixar a pessoa solta no mundo, sozinha, sem amparo. Só é bom se um zelar do outro, né fia?”, reforça seu Juraci, sorrindo para mim.

Poucas palavras e muitas lições. Corremos todo o tempo para cumprir metas no trabalho, compromissos na agenda, datas de vencimento de contas. E nessa correria louca, pensamos que quem está ao nosso lado segue o mesmo ritmo e se vira por conta própria. O outro torna-se uma extensão de nós, alguém que nos ama pelo simples fato de estarmos com ele.

Absorvidos por nossos próprios interesses, deixamos de prestar atenção em quem nos ama e nos assustamos quando somos abandonados. Parece automático que, por compartilharmos o mesmo teto, a mesma cama e a mesma rotina com alguém, estamos juntos. Ledo engano. Cumplicidade exige bem mais que o mesmo espaço físico e rituais burocráticos.  

Para ser cúmplice de verdade, para estar com alguém realmente, precisamos adentrar o seu universo. Tirar os olhos de nosso umbigo e estender a vista até onde o coração do outro alcança. Perceber se está mesmo feliz, se precisa de algo. Muitas vezes esses pedidos de atenção são verbalizados, mas em nosso autocentramento os ignoramos completamente.

Cansado de dar sinais de carência sem ser ouvido, o outro se cansa, se cala e vai embora. Em sua coluna, na revista do jornal O Globo, o psicanalista Alberto Goldin disse: ”Nada grita mais do que o silêncio, nem é mais presente do que a ausência daquele que abandona”. Nesse momento, nosso foco sempre voltado para tantas coisas que não o outro, volta-se para o vazio infinito. E como dói.

Sempre achei de uma breguice sem tamanho o refrão de “Sozinho”, do Caetano Veloso, com aquela história de “quando a gente gosta é claro que a gente cuida”. Também nunca suportei a comparação prosaica de que “o amor é uma plantinha que precisa ser regada”. Mas confesso que seu Juraci, com sua sabedoria, me fez rever meus conceitos.

-- Qual o segredo de um casamento feliz, seu Juraci?

-- Orai e vigiai, fia.

-- Como assim?

-- Reza pra não cair em tentação.

-- Tentação de trair com outra pessoa?

-- Não, fia, tentação de pensar só nocê. Vigia seus pensamentos e seus atos, procê ter clareza de entender que as pessoas são como um pé de manacá. Quando a gente zela, dá flor e perfuma que é uma beleza. Quando a gente agoa de má vontade e pouco, seca e morre. E reza, pra agradecer o amor recebido e pedir a Deus o dom de ter o coração largo.

Amém, seu Juraci.

Comentários

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  • 26.09.2013 10:24 Rogério Martins

    Brilhante!

  • 25.09.2013 14:34 Luciana

    Você e suas idéias fazem uma falta enorme ! Como sempre, um texto lindo, de uma sensibilidade ímpar. Parabéns. Mais uma vez.

  • 24.09.2013 09:48 Camila

    Parabéns Fabrícia! Lindo texto com uma bela lição de vida. Oremos e vigiemos!

  • 17.09.2013 08:22 André Lima

    Digno de um milhão de compartilhamentos

  • 13.09.2013 19:49 MARIA DE FÁTIMA RODRIGUES MAIA

    Que belo exenmplo!

  • 13.09.2013 16:41 Mônica Barros

    Parabéns por compartilhar este texto tão tocante!

  • 13.09.2013 16:26 Milla Stone

    Belíssimo, como tudo o que você escreve! Parabéns

  • 13.09.2013 16:09 Dinamara Cavalcante

    Lindo Fabrícia. Quanta lição de vida. Impossível não se emocionar e rever o que a gente tem feito com a nossa vida e do outro. Fiquei com os olhos marejados e vc como sempre, conseguiu colocar de forma clara e precisa, do que nós estamos precisando cada vez mais.

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Fabrícia  Hamu
Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com

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