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José Abrão
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José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG / atendimento@aredacao.com.br

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'Oh, Canadá' transforma memórias em faíscas

| 03.06.25 - 09:06 'Oh, Canadá' transforma memórias em faíscas Jacob Elordi como o jovem Leonard Fife (Foto: divulgação)

Estreia nesta quinta-feira (5/6) em circuito comercial o novo longa de Paul Schrader, Oh, Canadá, estrelado por Jacob Elordi e Richard Gere. Dirigido e escrito por Schrader, um dos nomes fortes da Nova Hollywood dos anos 1970, o filme é baseado no livro Foregone, de Russell Banks, seu último, publicado em 2022 antes de sua morte em 2023. E é a morte, a memória e o arrependimento que guiam essa história de maneira propositadamente fragmentada, irregular e fora de eixo, de modo que o espectador não possa confiar no que vê na tela e talvez até mesmo nem simpatizar com seu narrador principal.
 
A trama acompanha Leonard Fife, vivido por Gere e por Elordi, um professor e documentarista renomado que está nos estertores após uma batalha contra o câncer. Apesar do bom senso, ele topa participar de um documentário sobre sua vida feito por uma dupla de ex-alunos, o incompetente e puxa-saco Malcolm (pelo excelente Michael Imperioli) e a talentosa, mas resignada, Diana (Victoria Hill). A entrevista, para Fife, é uma confissão feita à sua atual esposa e musa, Emma (Uma Thurman), sobre seus erros, suas mentiras e sua covardia.
 
Visto como um grande professor e cineasta, no final, Fife confessa que não é bem assim. Percebido publicamente como um grande homem, descoberto no cinema após fugir do alistamento obrigatório da Guerra do Vietnã e por revelar os terrores do agente laranja em um filme único, Fife relembra esses "feitos" como obras do acaso e fruto de uma autoficção trabalhosa para justificar os próprios erros e egoísmo. "Se o seu passado é uma mentira, não há escolha senão viver como personagem", rumina Richard Gere em dado momento.
 
Essas confissões do cineasta são mostradas à audiência fora de ordem, em preto e branco e em cores, com personagens vividos pelos mesmos atores ou trocados em cenas que são quase esquetes, e por uma narração que ocasionalmente muda de perspectiva, trazendo a voz do filho de Fife, Cornell, que ele abandonou enquanto bebê. Se parece uma viagem, isso é intencional: Schrader troca uma narrativa ordenada e coerente por faíscas afetivas resgatadas pelo protagonista e confusas por sua própria visão.
 
Morrendo, dopado, amargurado, sua confissão não é confiável. Sua esposa, Emma, chega a declarar: "o que ele está dizendo é mentira ou invenção". Se esse é realmente o caso, nunca vamos saber, bem como as lacunas na história nunca serão preenchidas. De maneira melancólica, Schrader brinca com as inseguranças e arrependimentos da própria velhice e das de Banks, explorando, para além do tema óbvio da memória, a forma como nunca podemos conhecer realmente a vida de alguém: Fife, o grande artista, se revela mesquinho, interesseiro, ególatra.
 
Para além da narrativa fragmentada, Schrader parece construir intencionalmente uma sabotagem emocional da audiência para com Fife: ao mergulhar em seus erros, suas falhas de caráter, o próprio personagem vai se desfazendo em um oceano do próprio arrependimento.
 
Mesmo se esta história estranha não for para você, ela vale a pena por seu elenco: Elordi e Gere estão espetaculares no papel deste homem falho, e o elenco forte de apoio, mesmo com exposição limitada, também brilha, entregando atuações fortes e íntimas que remetem ao teatro.



*O colunista viu o filme por meio de cabine de imprensa oferecida pela California Filmes
 

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