Para começo de conversa, é importante destacar que as deportações de forma cruel e degradante de brasileiros que vivem nos EUA, sem documentos, continuam. Não é porque a mídia tirou seus holofotes do problema, momentaneamente, que ele está solucionado.
Enquanto você lê este texto, eles são caçados pelos agentes do departamento de imigração em suas casas e locais de trabalho; são presos no momento da entrada, na fronteira com o México; muitos dos que estão com família, têm os filhos levados para abrigos nos EUA, enquanto são mandados de volta algemados e acorrentados em vôos fretados para o Brasil, sem previsão de quando poderão se reencontrar. Há ainda os que são levados para outros países, como El Salvador, onde ficam presos como criminosos.
Minha inquietação só aumenta, quando penso em uma parcela de brasileiros que ridiculariza seus próprios compatriotas, em redes sociais, e justifica dizendo que se cometeram ilegalidades, devem pagar por isso. Há ainda imigrantes brasileiros, que entraram da mesma maneira que os deportados, mas que por terem conseguido os documentos para ficar em território americano, festejam a retirada dos demais, sob a alegação de que assim não lhes faltará trabalho em solo americano. Por que tanta indiferença com a dor do outro?
É preciso se perguntar, porque brasileiros migram para os Estados Unidos? Mais do que a busca por trabalho e renda, há a falta de perspectiva de uma vida com qualidade no Brasil. Há os que buscam uma ascensão social, mas também aqueles que estudaram, mas não encontram uma atividade que atenda às suas expectativas. Conhece a história do engenheiro que virou motorista de uber? Outros, com melhores condições, buscam viver em situação de segurança. Os perfis são muito diferentes, desde que começou a cultura de migração, há mais de 50 anos.
Estes brasileiros e imigrantes de outras origens dão uma contribuição importante, com sua força de trabalho, para o crescimento da economia americana. Existe, por exemplo, uma crise por falta de moradia nos Estados Unidos, que encarece sobremaneira o valor de venda das casas, por falta de mão de obra. O problema só não é maior, porque os imigrantes fazem este trabalho braçal. Vale lembrar que os brasileiros são muito procurados por suas habilidades na construção civil. Em algumas cidades, restaurantes fecham cedo por falta de mão de obra suficiente para manterem as portas abertas.
A população americana está envelhecendo e muito da pujança da economia daquele país se deve a força de trabalho dos imigrantes. É o chamado bônus demográfico.
Mas o governo Trump elegeu os imigrantes como a causa dos problemas americanos. É um discurso descolado da realidade, pelo que já mencionei acima, além de ser uma grande contradição, já que o próprio Trump é filho de imigrantes, sua mãe tem uma origem pobre e até a esposa do presidente americano é imigrante. Não é isso que importa. Se é uma demonstração de força, de cumprimento de uma promessa de campanha e se o discurso mantém seus eleitores inflamados, está valendo.
Deportações sempre existiram em governos republicanos e democratas, mas agora, nem o acordo bilateral entre Brasil e EUA, assinado em 2018, que proíbe a deportação de imigrantes brasileiros em voos fretados; nem a legislação internacional que estabelece princípios de respeito à dignidade das pessoas imigrantes indocumentadas são respeitados. Chama a atenção a espetacularização e a humilhação sem precedentes a que os imigrantes em situação irregular são submetidos.
Quando um imigrante é identificado, seja brasileiro ou de outra nacionalidade, é comum ser xingado e humilhado por outros residentes, nas ruas e supermercados. A fala do presidente alimenta o discurso do ódio e autoriza a xenofobia.
Existem hoje 230 mil brasileiros sem documentos nos EUA, e 39 mil em situação de expulsão iminente. Destes, quase 7 mil são menores de idade, segundo o instituto de pesquisa americano Pew Research Center. Um drama social que causa instabilidade política na América Latina e que deve se agravar ainda mais.