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José Abrão
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José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG / atendimento@aredacao.com.br

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Virilidade, faroeste e ‘Oeste Outra Vez’

| 26.03.25 - 09:20 Virilidade, faroeste e ‘Oeste Outra Vez’ Ródger Rogério e Ângelo Antônio em 'Oeste Outra Vez' (foto: divulgação)O sertão de Goiás é vasto. Suas planícies infindáveis, suas chapadas monumentais, seus cafundós apartados do mundo. O isolamento é esmagador e reflete a solidão, a vileza e a crueldade auto imposta dos personagens de Oeste Outra Vez, novo filme do goiano Erico Rassi e vencedor de três kikitos no Festival de Cinema de Gramado: Melhor Ator Coadjuvante para Rodger Rogério, Melhor Fotografia e Melhor Filme. Todos os três merecidos.
 
A trama acompanha uma ‘treta’ entre Totó (Ângelo Antônio) e Durval (Babu Santana) em uma cidadezinha sem nome nos fundões de Goiás, um cenário, mundo e personagens que poderiam saltar das páginas regionalistas e góticas de Hugo de Carvalho Ramos e Bernardo Élis. O motivo da briga: uma mulher, Luísa, que só aparece de costas uma vez na primeira cena. Logo um coloca um pistoleiro atrás do outro e as coisas rapidamente saem do controle.
 
Comecei falando da fotografia porque é algo que chama a atenção de cara: monumental e opressiva, distante e solitária, ela dialoga não apenas com os personagens em tela, mas com o gênero western clássico, que nos remete aos filmes de John Ford, em particular Rastros de Ódio (1956). O segundo pensamento é como o faroeste (ou neo-faroeste para quem quer ser mais pedante) serve como uma luva para o cinema goiano e para a trama dessa história.
 
André Bazin escreveu que o faroeste é um gênero americano por excelência e há muito de pertinente em sua análise, Mas chama atenção, também, como o fascínio pela fronteira transcende o imaginário ianque e como ele dialoga profundamente com nossas realidades, anseios e medos. A fronteira se torna metafórica, metafísica, quase um círculo mágico de um imaginário de violência e virilidade deslocado de um tempo-espaço ancestral: está no aqui e agora, no coração dos homens.


 
Muito tem se falado sobre como o filme é uma fotografia nua e crua da crise profunda de masculinidade contemporânea, tema em alta ainda mais depois do sucesso estrondoso da chocante minissérie Adolescência. Se a série da Netflix joga luz sobre os jovens isolados em seus quartos, Oeste Outra Vez ilumina os adultos, isolados em seus corações, sisudos, grossos, violentos e, mais do que tudo, sozinhos e incapazes de enxergar a própria violência como causa da própria solidão avassaladora. Broncos, eles dominam a tela e os diálogos do filme ao mesmo tempo em que são capengas, comicamente falhos e incompetentes e não conseguem sequer manter uma mísera conversa entre eles, mesmo quando há quatro sujeitos em cena ao mesmo tempo.
 
Dentro do cinema de gênero, o filme assimila o western recaracterizando elementos do imaginário do estilo: os saloons viram bares de beira e estrada; os cavalos viram carros batidos pelas estradas de chão; os caubóis de chapéu viram pistoleiros de boné; o uísque vira a pinga bebida pura. Bazin aponta outras características narrativas elementares do gênero como a violência, ideias próprias de moral e lei, e o embate primordial em que somente os fortes, os rudes e os corajosos têm vez, todas presentes e reapropriadas no filme de Rassi.
 
Caso não tenha ficado claro, Oeste Outra Vez é um filmão: é bom, bonito e te bota pra pensar. Além disso, é prata da casa, deve ser valorizado e não deve passar batido.

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