Confesso que dos muitos medos que tenho, um deles é de pegar dengue, principalmente depois de presenciar casos na família e acompanhar as notícias do aumento da incidência e mortes, no país. Já há alguns meses, busco a vacina nas clinicas de vacinação e farmácias, na esperança de encontrar alguma sobra de estoque, depois que o governo federal comprou toda a oferta do medicamento para garantir a imunização de crianças e adolescentes até 14 anos de idade, as mais vulneráveis, segundo as pesquisas. Busca em vão. Nada disponível.
Ao saber da notícia de que algumas prefeituras ampliaram a faixa etária de vacinação para além dos 14 anos de idade, devido à baixa procura e risco de perda de validade, decidi ir a um posto de saúde pessoalmente, já que ninguém atende às ligações para dar informação.
Cheguei e entrei na fila da recepção, que nem era das maiores. Mas após 20 minutos de espera, a funcionária me explicou que eu deveria perguntar diretamente à equipe de vacinação, na porta ao lado. Ali, algumas mães com bebês no colo aguardavam a vez. Logo que abriu a porta, me antecipei e perguntei à uma técnica de enfermagem se já estavam vacinando pessoas com mais de 14 anos. Ela respondeu que eu deveria pegar a senha e esperar para ter a resposta. Insisti e pedi para que ela respondesse apenas sim ou não para eu saber se deveria ou não enfrentar a fila. Ela ignorou minha pergunta e reiterou que eu deveria pegar a senha, esperar e que quando chegasse a minha vez, me explicaria a quantas anda a vacinação contra a dengue.
Como a funcionária me disse para esperar, me enchi de esperanças e segui a orientação pacientemente. Aproveitei para conversar com algumas mulheres que também aguardavam por atendimento. As que pude presenciar, chegavam a pé, debaixo de um sol escaldante, algumas com um filho no colo, outras com um no colo, outro preso à outra mão, quase sempre com bolsas e sacolas penduradas nos ombros e expressões de cansaço e sofrimento.
Depois de quase duas horas de espera, chegou a minha vez. “Então, a senhora poderia me dizer se a faixa etária para a vacinação contra a dengue foi ampliada?”, perguntei. Eis que, a mesma mulher que me orientou a pegar a senha para que pudesse me explicar como está o acesso à vacina, simplesmente me respondeu: “não”. E eu retruquei: “Não o que? Não foi ampliada? É só o que tem a me dizer? Antes de eu entrar na fila, a senhora não me disse que eu deveria pegar a senha e esperar para receber suas informações? Quais são?”. Ela disse sem mais nem menos: “não tem vacina para pessoas com mais de 14 anos”. “E porque a senhora não me disse apenas não, quando lhe fiz a pergunta há cerca de duas horas? Porque me fazer esperar tanto tempo, quando a senhora já sabia que minha espera seria em vão?”. Ela apenas me olhou, chamou a próxima senha e ainda pediu desculpas à pessoa que seria atendida, por estar demorando em função da minha insistência.
Admito que neste momento, perdi a compostura e falei cobras e lagartos para a atendente, que me direcionou um olhar com desdém e fechou a porta. Indignada, fui até a recepção novamente e perguntei como poderia fazer uma reclamação através dos canais oficiais e fui orientada a registrar o ocorrido no canal de ouvidoria disponível, no site da prefeitura. No entanto, na hora do nervosismo, me esqueci de conferir o nome da atendente no crachá e ao perguntar na recepção, as funcionárias se fizeram de desentendidas e responderam que não sabiam qual era o nome da funcionária que trabalha na sala imediatamente ao lado delas, todos os dias da semana. Fiquei possessa e fui embora.
Vocês devem estar conjecturando. Tá, mas você não depende do serviço público, pode buscar a rede particular, vai ali uma vez na vida, outra na morte e quando dá o ar da graça é para causar confusão? No final, vai embora de carro e retoma sua vida confortável de classe média? Sim, vocês têm toda a razão, mas não posso deixar de me indignar e de expressar esta minha indignação. Não vou execrar o servidor público por causa de um, no caso uma, que prestou um péssimo serviço. Mas não posso achar normal, que as pessoas paguem seus impostos e quando precisam de um serviço público sejam mal atendidas e humilhadas. Me causa uma convulsão interna, constatar a falta de empatia de uma pessoa, que ocupa um posto de atendimento de mães em busca de vacinas para seus filhos e sabemos muito bem como é a situação dessas mulheres, na maior parte das vezes, chefes de família, trabalhadoras, pobres, que precisam faltar ao trabalho para buscar atendimento médico, muitas vezes se deslocando a pé por não ter dinheiro nem para o transporte público.
E mais, como pode uma pessoa que se mostra tão despreparada para a função, exercer seu poder sobre as demais dessa maneira, numa relação de total desequilíbrio, já que quem está ali depende totalmente daquele serviço e não tem para onde correr?
Este é apenas um caso sobre a prestação de um serviço público e existem outros muito piores, mas que não deixa de jogar luz sobre as nossas desigualdades, dificuldades de acesso a todo tipo de serviço com qualidade e sobre a miséria humana e aqui, não me refiro ao aspecto monetário, mas à falta de respeito ao próximo.
Continuo sem a vacina da dengue, mas voltei ao posto de saúde, anotei o nome da atendente e registrei a reclamação na ouvidoria. Não por vingança, mas porque, além do direito de ser atendida com qualidade, também tenho o dever de buscar os canais oferecidos para a melhora da prestação do serviço.
O episódio aconteceu em Vinhedo, no interior de São Paulo, mas poderia ter sido em qualquer uma das dez maiores capitais do país, Goiânia incluída, de acordo com a Pesquisa de Qualidade dos Serviços Públicos: Capitais Brasileiras, realizada pela OSCIP Agenda Pública, com vistas às eleições municipais de 2024. Em Goiânia, a pesquisa apontou que saúde é o segundo setor de maior queixa dos entrevistados, atrás apenas do tópico má gestão pública. 66,2% dos pesquisados disseram estar insatisfeitos ou muito insatisfeitos com o tempo de espera para a realização de consultas, por exemplo.
Segundo as recomendações do sumário “Evidências para aprimorar os serviços públicos - Região Centro-Oeste” que integra o estudo, no que se refere à Goiânia, o item número 1 destaca que é preciso “Priorizar os interesses dos cidadãos de Goiânia, a partir da implementação de estratégias que visem uma maior disponibilidade de médicos e a redução dos tempos de espera. Estratégias possíveis incluem otimizar processos de atendimento, ampliar a capacidade de atendimento em postos de saúde e hospitais, e engajar a comunidade na avaliação dos serviços para garantir que suas necessidades e preocupações sejam ouvidas e consideradas na atuação da gestão pública”. A pesquisa aponta ainda que, entre as 3 capitais regionais, Goiânia é a que tem o menor investimento per capta em saúde pública.