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Sobre o Colunista
Pedro Novaes
Diretor de Cinema e Cientista Ambiental. Sócio da Sertão Filmes. Doutorando em Ciências Ambientais pela UFG. / pedro@sertaofilmes.com
Ismael, o protagonista e narrador de Mobydick, começa sua história explicando que lançar-se ao mar é um costume que tem para afastar a melancolia: “Sempre que sinto um amargor crescente na boca, sempre que minha alma se torna desalentada como um mês de novembro chuvoso, sempre que começo a me deter involuntariamente diante de lojas funerárias e passo a seguir todos os enterros que encontro (...), decido que é hora de ir para o mar o mais depressa possível".
Como ele, também tenho o hábito de buscar a natureza para desenlouquecer. Como com Ismael, não se trata, entretanto, da procura de um encontro idílico, de paz, harmonia e encantamento. O objetivo é uma espécie de tratamento de choque por meio da extenuação física e de um sentimento que varia entre o pânico e o medo controlado.
O mar, as montanhas, o deserto, o gelo ou os rios amazônicos não me inspiram nenhum sentimento de bondade. Provocam medo por demonstrarem minha insignificância. Fingindo coragem e me esforçando à exaustão, em algum momento, quando já não espero, às vezes, sobrevém uma lucidez quase lisérgica.
Quando, pelas circunstâncias, abandono minhas ilusões de grandeza e minha onipotência, quando me vejo pequeno como um rato, o ego silencia e emerge uma paz profunda onde, aí sim, parece possível falar em sintonia. Nessa hora, o medo dá lugar a um temor reverente pela natureza e pelo imenso mistério de tudo. Só então se consegue apreciar a sufocante beleza do mundo.
Todavia, enquanto não posso buscar refúgio nas montanhas ou no mato para desadoecer de mim mesmo, tenho um remédio simples que me injeta ânimo sempre que preciso. Se as cordilheiras são meu antidepressivo, ele é meu Rivotril, que atenua as crises de pânico e me ajuda a dormir.
Você já viu, por acaso, o astronauta Chris Hadfield cantando Space Oddity, de David Bowie, na Estação Espacial Internacional?
Eu colocaria esse pequeno vídeo entre as cinco mais bonitas produções audiovisuais já feitas. Há ali uma junção rara de ideias e sentidos que produz uma fusão inesperadamente positiva entre ciência, tecnologia e poesia, numa época em que razão e criação artística não apenas se apartaram, mas, cada uma a seu modo, parecem apenas declarar o fim do humano e a absoluta ausência de sentido.
Dizer que David Bowie, umas das maiores perdas da última década, foi um grande artista não faz jus à sua estatura. Bowie foi um forjador da nossa cultura, cuja música e performances eram, quase sempre, ao mesmo tempo, narrativas singelas e profundamente filosóficas, como Space Oddity. Aliás, como traduzir esse título? Estranheza Espacial? Estranheza Cósmica? Estranha Odisseia Espacial?
Estranha Odisseia Cósmica
Controle de Solo para Comandante Tom,
Controle de Solo para Comandante Tom,
Tome seus comprimidos de proteína e coloque seu capacete.
Controle de Solo para Comandante Tom (10, 9, 8, 7, 6…),
Começando contagem regressiva, partida dos motores (5,4,3,2),
Cheque a ignição e que o amor de Deus esteja com você! (1, decolagem!)
Controle de Solo para Comandante Tom,
Você realmente conseguiu.
Os jornais querem saber a marca das suas camisas.
Agora, é hora de sair da cápsula, se você tiver coragem.
Aqui, é Comandante Tom para Controle Terrestre,
Estou atravessando a escotilha,
Flutuo da maneira mais peculiar,
E as estrelas parecem muito diferentes hoje.
Aqui estou eu flutuando em uma lata de aço
Bem acima do mundo.
O planeta Terra é azul,
E não há nada que eu possa fazer
Embora eu tenha viajado mais de cem mil milhas,
Estou me sentindo muito calmo,
E acho que minha nave sabe para onde ir.
Diga à minha esposa que eu a amo muito, ela sabe.
Controle Terrestre para Comandante Tom,
Seu circuito saiu do ar, há algo errado.
Você pode me ouvir, Comandante Tom?
Você pode me ouvir, Comandante Tom?
Você pode me ouvir, Comandante Tom? Você pode…
Aqui estou eu flutuando em uma lata de aço
Bem acima do mundo.
O planeta Terra é azul,
E não há nada que eu possa fazer.
Em quatro estrofes, na breve jornada de um astronauta, exatamente o sentimento de temor reverente pelas possibilidades humanas e pelo mistério do universo. Da glória da conquista do espaço, não sem a fina ironia dos jornais quererem saber que camisas o astronauta usa, a um pacífico e encantado mergulho no espaço rumo ao desaparecimento. O planeta Terra é azul e não há nada que eu possa fazer.
No humilde clipe produzido pelo Comandante Hadfield, possivelmente como um passatempo durante seus longos meses na Estação Espacial, encontram-se o mais avançado conhecimento humano e sua mais profunda explosão criativa. Space Oddity é uma ode humilde à infinitude do universo, a seu mistério e escuridão, e ao paradoxo humano - essa espécie inteligente a ponto de conseguir deixar seu próprio planeta e, no entanto, refém da profunda solidão que a consciência de sua condição lhe traz.
O Comandante Hadfield, na sua pequena lata de aço, homenageando a genialidade de Bowie, é uma metáfora perfeita da nossa condição - cientistas e artistas, pequenos e frágeis, mesmo cercados pelo que de mais avançado nosso conhecimento produziu, flutuamos sozinhos pelo espaço escuro e infinito.