Aconteceu nos dias 25 e 26 de novembro, o
Fórum Goiânia Resiliente, evento de fechamento do projeto Cidades Resilientes, que tem por objetivo debater a adaptação de nossas áreas urbanas às mudanças climáticas que já vimos sentindo na pele. Especificamente em relação a Goiânia, o projeto se propõe a ser um pontapé inicial desse debate tão necessário, mas que infelizmente ainda mal começou em nossa cidade. Para isso, foi elaborado um relatório, o documento
“Goiânia Resiliente: Mudanças Climáticas, Adaptação e Direitos Humanos”, que faz um diagnóstico das questões político-institucionais, do contexto territorial e socioeconômico da cidade e do que são os principais desafios em termos de mudanças do clima. Com base nele, são propostas estratégias e ações para que Goiânia comece a se preparar.
O projeto é uma realização do IDESA, Instituto de Desenvolvimento Socioeconômico e Ambiental, e do Iandé Verde, organização recém-criada com foco na produção de informação socioambiental. O Cidades Resilientes conta ainda com o apoio da Fiocruz, através de sua Prospecção Cerrados, e da UFG, através do CIAMB, Programa de Pós-Graduação em Ciências Ambientais. A iniciativa só foi possível graças a uma emenda parlamentar de autoria da vereadora Sabrina Garcez e do apoio da Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Políticas Afirmativas.
O evento contou com um público qualificado e participativo, reunindo gestores públicos, academia e representantes da sociedade civil organizada, demonstrando que a pauta está na agenda da sociedade.
Algumas falas de gestores públicos mostram como a cidade reúne a competência técnica necessária para enfrentar o problema, mas também como vem perdendo oportunidades pela falta de prioridade política a essa pauta fundamental.
Nesse sentido, entretanto, a presença do geógrafo Luciano Paez, Secretário do Clima de Niterói, o município da região metropolitana do Rio de Janeiro, mostrou como é possível construir uma relação virtuosa entre capacidade técnica e articulação política para transformar uma cidade em termos ambientais e de resiliência às mudanças do clima.
Niterói foi não apenas o primeiro município brasileiro, na gestão do prefeito Axel Grael, a ter uma secretaria dedicada à pauta climática, criada em 2021, como hoje é referência em termos de sustentabilidade urbana e especificamente de políticas para mitigação e adaptação às mudanças do clima.
Tudo isso se relaciona, em alguma medida, como explicou o secretário, à tragédia ambiental de 2010 no Morro do Bumba, quando chuvas torrenciais provocaram enxurradas e deslizamentos de terra que mataram quase 50 pessoas e deixaram centenas desabrigadas. O desastre afetou a auto-estima da cidade.
Parece ter despertado ali, entretanto, uma percepção que hoje é clara entre aqueles que discutem as mudanças do clima: não existem desastres naturais. Todo desastre é a soma de riscos naturais - produzidos pelo relevo, pela geologia, pelas chuvas, etc. - e vulnerabilidade social - pobreza, falta de moradia, ocupação de áreas de risco, entre outros fatores produzidos pela desigualdade e que colocam certos grupos sociais e indivíduos em maior grau de exposição a riscos.
É sempre possível, portanto, com políticas adequadas, evitar desastres como esse. Se os riscos naturais dificilmente são evitáveis, a vulnerabilidade, por outro lado, pode ser reduzida ou eliminada - nesse caso, por exemplo, com políticas de redução da pobreza, de habitação, intervenções para a contenção de encostas, sistemas de alerta meteorológico, entre outras.
Niterói colocou a mão na massa nessa última década e é uma cidade que tem hoje, pasmem, 56% do seu território protegido em unidades de conservação; que vem promovendo intensamente a mobilidade sustentável e passou de três para mais de 500 km de ciclovias que estão hoje entre as mais usadas e movimentadas do Brasil; implantou um radar meteorológico de última geração que permite emitir alertas antecipados para eventos climáticos extremos; gera renda nas favelas com projetos de redução da emissão de carbono, eletrificou parte da frota da prefeitura e está promovendo a transição energética em seu sistema de mobilidade; elaborou um Plano Clima com intensa participação da sociedade e implantou um hospital municipal carbono zero, entre muitas outras ações.
Que lições Goiânia e outras cidades podem tirar da experiência de sucesso de Niterói?
Em primeiro lugar, voltando à queixa dos gestores municipais sobre as oportunidades perdidas por falta de prioridade política à pauta ambiental e climática, é fundamental compreendermos adequadamente e ressituarmos essa complexa relação entre conhecimento científico, técnica e política.
É verdade que os políticos, em sua maioria, ainda carecem de sensibilidade a esses temas que, para muitas pessoas, são questão de vida e morte. Disso não decorre, entretanto, que a política seja o problema da equação, nem que, se esses problemas fossem delegados exclusivamente aos técnicos, tudo estaria resolvido. A política é imprescindível. É na verdade sua debilidade que permite que o conhecimento seja muitas vezes desprezado ou deixado de lado em prol de decisões que prejudicam a coletividade.
E isso nos leva a um ponto fundamental das lições trazidas por Niterói. Não foi apenas um prefeito pouco convencional que permitiu que as transformações acontecessem. A vontade política é o início, mas colocar projetos em prática demanda uma habilidade de articulação que vai muito além do voluntarismo. Lá, o que parece ter gerado o sucesso foi a construção de uma política altamente participativa que, ao envolver grande parte das instituições da cidade e do estado do Rio de Janeiro, além da própria comunidade, criou a solidez institucional necessária para que conflitos e contradições fossem superados e as ações colocadas em prática.
O município tem hoje, nesse sentido, um Fórum de Mudanças Climáticas, um Fórum Jovem do Clima, um Comitê Intersecretarial do Clima, e o IPCC Nit, painel científico que orienta as ações relacionadas ao tema, entre outras instâncias.
Como mostra já há muito tempo a ciência política, políticas públicas que têm sucesso em melhorar a vida de uma sociedade são sempre resultado direto de uma esfera pública forte, de laços entre os cidadãos e entre estes e as instituições, incluindo a participação em instâncias públicas de debate e na construção de políticas, a cooperação e a ajuda mútua, a organização em associações, a fiscalização das ações do poder público, etc. Quando existe uma vida cívica pujante, as instituições públicas e os políticos trabalham melhor.
Para uma cidade como Goiânia, fica portanto a dica fundamental de que o caminho para políticas frutíferas de enfrentamento às mudanças climáticas passa por mais política, e não menos, mas mostram que é preciso encontrar as formas adequadas para fortalecer a participação da sociedade no debate.
O Fórum Goiânia Resiliente foi um primeiro passo importante nesse sentido que demonstrou o desejo da cidade em discutir essa pauta e participar da construção das soluções urgentes.
O
relatório pode ser baixado no site do projeto e, em breve, estarão também disponíveis na íntegra os painéis realizados.