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Sobre o Colunista
José Abrão
José Abrão é jornalista e mestre em Performances Culturais pela Faculdade de Ciências Sociais da UFG / atendimento@aredacao.com.br
Selton Mello e Fernanda Torres em 'Ainda Estou Aqui' (Foto: divulgação)Memória. Essa é a palavra que resume o incrível Ainda Estou Aqui, aclamado novo filme de Walter Salles baseado no livro de Marcelo Rubens Paiva e estrelado por Fernanda Torres e Selton Mello. O longa reconta o desaparecimento, tortura e morte do ex-deputado e engenheiro Rubens Paiva, em janeiro de 1971, no Rio de Janeiro, bem no meio dos Anos de Chumbo da Ditadura Militar.
Como gancho, o filme muda o foco para a esposa de Rubens Paiva, Eunice, interpretada com maestria por Fernanda Torres. O resultado é uma amálgama visual, estética, que reconstrói o início dos anos 1970 com perfeição e com uma camada grossa de nostalgia e, principalmente, de melancolia. É um filme que mesmo em sua aparência, parece viver, existir, apenas no passado. Apenas na lembrança.
E é essa lembrança, essa melancolia, a força matriz do filme, ou seja, de Eunice, em sua luta incansável de longuíssimas décadas para que o Governo Federal pudesse sequer reconhecer que prendeu e matou seu marido. Com seu foco dentro do olhar dessa mãe de família, a narrativa troca o luto pela resistência, a resignação pela persistência, a dor pela força.
Fernanda Torres é simplesmente inacreditável no papel de Eunice. Uma mulher sempre de classe, sempre calma, sempre serena, mas cujo olhar revela seu interior tempestuoso. Mas nos seus olhos não há dor: há raiva. Uma fúria forte o suficiente para mantê-la viva e sustentando cinco filhos em meio aos piores anos da sua vida.
O filme todo é rodeado por fotos: fotografias que marcam toda a trajetória da família, desde antes da morte de Rubens até os dias atuais. E de uma família já grande e que só vai crescendo. Fotografias são, de novo, memória, lembrança, mas também evidências que se acumulam de quem somos, do que fizemos, de onde estivemos. De que estamos aqui.
Essa força serve como um aviso sinistro: foi particularmente desconfortável assistir ao filme após um atentado em Brasília e a elucidação de um plano para novo golpe militar no Brasil. Mas é uma força que se opõe a esses ventos reacionários: quem se tenta destruir e apagar, vive. Vive em fotos, em memórias e, mais importante, em filmes, e músicas e livros: se tornam histórias de celebração, poder e força. Quanto aos monstros, restam apenas as masmorras.