Carolina Pessoni
Goiânia - Um homem com botas altas, chapéu largo, calça, gibão e cinto, armado com uma espada pendurada entre os ombros, um bacamarte na mão direita e uma bateia de garimpo na esquerda. Essa é a imagem que faz parte da paisagem do Centro de Goiânia há quase oito décadas, no cruzamento mais famoso da cidade, entre as avenidas Goiás e Anhanguera. Ali está o Monumento ao Bandeirante.
A escultura em bronze, projetada pelo escultor Armando Zago e com 3,5 metros de altura, pode passar despercebida para quem passa pela região cotidianamente. Entretanto, a estátua, que hoje divide espaço com ônibus e carros, carrega grande importância histórica. O monumento foi instalado no que era a Praça Atílio Correia Lima, que ficou popularmente conhecida como a Praça do Bandeirante. Atualmente o local não tem mais a configuração de praça devido às adaptações feitas na Avenida Anhanguera, mas a estátua foi tombada como patrimônio histórico pela Prefeitura de Goiânia em 1991.
A cientista social Jordanna Fonseca investigou em seu mestrado (Quando o Anhanguera cruza Goiás: o Monumento aos Bandeirantes na nova capital) a criação e instalação do monumento em Goiânia. Ela conta que a capital recebeu a estátua como doação do Centro Acadêmico XI de Agosto da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. A estátua foi inaugurada no ano do Batismo Cultural, em 9 de novembro de 1942, alguns meses após as festividades e celebrações do evento.
(Foto: Letícia Coqueiro)
Jordanna explica ainda que o olhar altivo do personagem retratado, como mirando ao horizonte, promove à estátua uma imagem de liderança. "Os olhos da escultura e todo o seu corpo miram o Oeste, como uma referência à Marcha para o Oeste, patrocinada pela Fundação Brasil Central, nos anos 1930, sob o governo desenvolvimentista e nacionalista de Getúlio Vargas", pontua.
Quando o arquiteto e urbanista Attilio Corrêa Lima projetou Goiânia, ele reforçou no memorial do projeto que era necessário ser erguido um monumento comemorativo às bandeiras, que descobriram as riquezas do Estado. Inicialmente o local planejado seria onde foi construída a Praça Cívica, mas a estátua foi erguida no cruzamento das avenidas Goiás e Anhanguera.
O monumento representa o bandeirante Bartolomeu Bueno da Silva, filho de outro bandeirante que levava o mesmo nome e que ficou conhecido como "Diabo Velho". Bartolomeu filho ficou conhecido como o "segundo Anhanguera" e foi o fundador do Arraial de Sant'Anna, que se tornaria Vila Boa, capital de Goiás, e, posteriormente, a cidade de Goiás.
Jordanna esclarece que ideia de construção do Monumento ao Bandeirante não surgiu do próprio Bartolomeu ou de seus familiares, mas de pessoas de destaque na sociedade goianiense da época que, de certa maneira, reconheciam seu legado e se identificavam com ele. "Anhanguera surge como o mito de origem do Estado, sendo realocado na nova capital", explica a cientista social.
Antônio Sylvio Cunha Bueno encabeçou a Campanha Pró-Monumento aos Bandeirantes de Goiânia. Ele era presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), e teve a ideia depois de visitar a recém-criada capital de Goiás com um grupo de estudantes da Embaixada Universitária Paulista, que reunia acadêmicos das escolas superiores de São Paulo. A visita foi feita a convite do interventor federal em Goiás, Pedro Ludovico Teixeira.
Além de seu valor histórico e de ser um dos principais pontos de referência da região, o Monumento ao Bandeirante já foi palco de diversas manifestações sociais e políticas. O primeiro comício do movimento "Diretas Já" foi realizado na praça que havia no local e reuniu cerca de 5 mil pessoas. Já no fim da mobilização foi realizada também ali a maior manifestação pelo redemocratização do Brasil, que somou 300 mil pessoas em 13 de abril de 1984.
O local também recebeu movimento dos "Caras Pintadas", que pediam o impeachment do presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Mais recentemente, foi cenário das Jornadas de junho de 2013, que começaram com protestos que criticavam o aumento das tarifas de transportes públicos, mas se estendeu também a outras pautas como a falta de investimentos em serviços públicos e reivindicações trabalhistas.
Memória
Em 2016, toda a documentação relativa à concepção, construção e inauguração do Monumento ao Bandeirante recebeu tratamento do Centro de Informação, Documentação e Arquivo da Universidade Federal de Goiás (Cidarq/UFG). O acervo está disponível para consulta pública digital (clique aqui).
(Foto: Reprodução/Cidarq-UFG)
Em 1987 os documentos foram doados por Edy Bittencourt Cunha Bueno e Dora Sylvia Cunha Bueno, respectivamente viúva e filha de Antônio Sylvio Cunha Bueno, o responsável pela campanha pró-monumento no fim da década de 1930. No acervo doado pela família estão telegramas, cartas, decretos-lei, recortes de jornais, entre outros, que retratam toda a movimentação para que o monumento fosse erguido. São 468 documentos textuais e 35 iconográficos.
Os documentos mostram que a campanha mobilizou os governos de Goiás e São Paulo, que entraram com o apoio financeiro. A empresa Coimbra Bueno, responsável pela construção de Goiânia, também empenhou esforços e custeou propagandas feitas em todo o país e as conferências realizadas em São Paulo.
A coluna Joias do Centro tem o apoio da Sim Engenharia
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