Não tenho TV em casa há aproximadamente 15 anos (vou arredondar porque o número é bonito, certo?). Quando digo TV, não me refiro ao aparelho. O que não entra no meu lar, desde então, é a programação televisiva. Seja de canais abertos ou a cabo.
Longe de mim uma pretensa arrogância intelectualoide. Ao menos nesse caso. Portanto, nada a ver com “olhem como eu sou cool, não assisto televisão”. Amo os gibis da Marvel do Stan Lee e Jack Kirby. E minha banda favorita é o Kiss. Logo, vejo com desconfiança a velha distinção adorniana entre Alta e Baixa Cultura.
Fui um entusiasta dos primórdios da TV a cabo no Brasil. Era daqueles que pegava a revista da NET, assinalava tudo que me interessava no mês e programava o videocassete para gravar os programas. Até hoje tenho dezenas (centenas?) de fitas VHS guardadas. Envelheci, o tempo rareou e, progressivamente, parei de rever seu conteúdo. Mesmo assim, mantenho séria dificuldade em me desfazer delas. Seguem ali, acumulando poeira, ocupando espaço e criando problemas.
Resumindo, duas coisas me afastaram de vez da televisão: disponibilidade de tempo e a chegada dos filhos.
Não faço parte do time que acredita que a qualidade da TV decaiu nos últimos anos. De um modo geral, ela sempre foi ruim. Bons programas eram exceção antes e continuam sendo exceção agora. A questão é que aquela caixa – hoje reduzida a uma simples tela – exerce um poderoso magnetismo. Quantas e quantas vezes fiquei ali zapeando, horas a fio, sem assistir absolutamente nada memorável? A vida é curta e resolvi dar um basta nisso. E o único basta possível é não ter TV em casa.
Outro aspecto nefasto do mundo televisivo é a quantidade/qualidade/intensidade das propagandas. Que são ainda mais cruéis quando voltadas ao público infantil. Cores, luzes e sons dizendo contínua e sedutoramente aos nossos filhotes: “compre, compre, compre”. Resolvi botar um filtro nisso. E o único filtro possível é não ter TV em casa.
Coisa de uns dez anos atrás, perto do Natal, perguntamos ao nosso filho mais velho o que ele gostaria de ganhar do Papai Noel. A resposta foi sintomática: ele disse que qualquer coisa o deixaria feliz. E que não achava justo escolher o presente que o velhinho batuta lhe traria. A verdade é que ele não estava por dentro dos infinitos lançamentos da indústria de brinquedos.
Mas, como eu disse, não ter TV em casa é apenas um filtro. Nunca proibimos nossos filhos de assistirem TV em outros lugares. Eu mesmo faço isso. Geralmente em hotéis ou na casa da minha mãe – herdeira da minha fatídica conta da NET.
Gosto do Arte 1 e do Canal Brasil. E – incorrigível acumulador de velharias que sou – confesso me divertir com esses programas de antiguidades, tipo “Trato Feito” ou “Caçadores de Relíquias”. Mesmo dublados – o que me faz pensar em outro aspecto da potência televisiva.
Sempre detestei filmes dublados. A artificialidade da dublagem conduz qualquer tipo de filme a um só gênero: a comédia. No caso de programas televisivos, a tosquice aumenta. (Os mais velhos irão se lembrar da dupla policial Fucker & Sucker, dos outrora revolucionários Casseta & Planeta.)
Para quem não sabe, “Trato Feito” é um reality show que se passa em uma pawn shop – espécie de sebo dos gringos. A tal loja pertence a uma família na qual membros de três gerações trabalham ali: avô, filho e dois netos. Chegam uns clientes querendo vender alguma suposta raridade e o programa gira ao redor disso – e das relações entre os familiares. A dublagem amplifica o aspecto fake da coisa. No começo, isso me incomodava muito. Hoje, se não for dublado eu nem vejo.
Porque a TV parece realmente ter esse poder: depois de se habituar ao que se vê, fica estabelecida uma forte empatia. Difícil é se livrar de suas garras após este momento. Vale pra tudo. Big Brother é um lixo, não é? Experimente assistir 5 episódios em sequência. Novelas são terrivelmente boçais e constrangedoras, certo? Dedique uma semaninha à Malhação que seja, e depois venha me contar o que aconteceu.
Prefiro escolher o que vou assistir a me submeter ao poder da TV. Para isso acumulei centenas (milhares?) de DVDs. Filmes e séries que realmente me interessam. E que estarão sempre à minha disposição, quando eu bem entender.
Tenho o tal do Netflix também. Mas uso pouco – ao contrário do restante da família. Me incomoda essa escolha programada: você pode escolher, desde que dentro do cardápio que o Netflix escolheu para você. E me incomoda ainda mais ser pautado pela plataforma. Dia desses soltaram um filme por lá, o tal de “Bird Box”. Uma febre. Todo mundo me perguntando o que eu tinha achado. E eu lá vejo filme com Sandra Bullock?
Além dos hotéis e da casa da mama, existe um outro lugar em que eventualmente confiro o que está passando na TV. Há uma excelente lanchonete perto de casa. Ali, nunca vi a televisão desligada. E nunca vi nada diferente de futebol – mesmo que seja o campeonato da terceira divisão da Guatemala – ou esses programas mundo cão.
É assustador. Assassinatos hediondos, crimes horríveis, cenas monstruosas. Tudo tratado como notícia por apresentadores inescrupulosos. Os atendentes da lanchonete, gente simples e trabalhadora, vidrados. Comemoram quando um criminoso (ou vítima) é vizinho de periferia. Parecem não perceber a violência daquela exploração.
Hoje mesmo, desfrutando uma das melhores esfirras da cidade, assisti atônito a reportagem sobre uma morte em acidente de automóvel. A cena da colisão com um poste foi repetida inúmeras vezes. Sempre seguida de um registro do motorista, horas antes, dançando alcoolizado. Imagino a dor da família ao ver aquilo em loop perpétuo. E percebi o julgamento dos telespectadores presentes: “quem mandou encher a cara?”
Aliás, se há algo que a TV tem nos ensinado é o exercício – contínuo e irresponsável – do julgamento. Pena que nos ofereça tão poucos critérios para tal. Que o diga quem acredita que 80 tiros disparados por militares contra um pai de família não passem de “acidente”.