Escrevo Rock com “r” maiúsculo. Sempre. Mais que gênero musical, o Rock foi um dos principais vetores na invenção da juventude, em meados do século passado. Sob uma perspectiva pessoal e particular, posso afirmar que seu senso de rebeldia e transgressão moldaram meu caráter, aquilo que sou e que me define. Rock, para mim, é coisa séria.
O Rock morreu. Quantas vezes você já ouviu esse vaticínio? O fato é que ele segue ali, alternando picos de popularidade. Poucas vezes esteve tão em baixa quanto agora. Mas continua vivo, pulsando. E esperando ser reencontrado justamente por aqueles que ajudou a criar: os jovens.
Dia desses, vivi uma experiência e tanto. Por força das circunstâncias, estava rodeado por uma garotada. A maioria mal ultrapassava os vinte anos de idade. Me pareciam educados, inteligentes, descolados. Moçada que estuda (e pretende viver de) arte e adjacências. Surgiu então a oportunidade de escolherem as músicas que ouviríamos.
Uma garota deu início à sequência. Colocou uma banda que eu nunca ouvi falar. Adoro quando isso acontece. Britpop acessível, inteligente, de bom gosto. Na sequência, mandaram um Daft Punk. Me senti menos por fora. E, do alto das minhas preconcepções (para evitar a palavra preconceito), achei que o futuro estava garantido. Ao menos o meu.
Aí veio o baque. Um garoto botou pra rodar um negócio que eu nem sabia que existia. Uma versão em forró/pagode de alguma música pop gringa, com produção esmerilhada. Esperei a reclamação dos colegas. Aconteceu o oposto. Sorriso no rosto, começaram a simular dancinhas. E foram emendando uma na outra. Swingueira?
Encasquetei com uma questão: Por que raios aqueles garotos – verdadeiramente espertos – estariam ouvindo aquilo e não, sei lá, os Ramones? Sequer questiono a simplicidade da música. Os supracitados Ramones erigiram uma obra gigantesca e mundialmente influente baseada em míseros três acordes. O problema é outro.
Aquelas músicas que ouvi não possuíam brilho algum. Não eram originais ou inovadoras sob nenhum aspecto. Sequer carregavam vínculos com a cultura popular. Pelo contrário, dissolviam qualquer rastro que as ligasse com o que de mais legítimo o forró e o pagode podem significar em termos de brasilidade. Música vazia, anódina, sem alma ou cérebro. Sem desafio, transgressão ou inteligência. Aposto que deve ocupar boa parte das playlists do clã Bolsonaro.
Passei os últimos dias me perguntando o que este tipo de música é capaz de oferecer àqueles garotos que não possa ser encontrado em outros gêneros. Escapismo, contato físico, celebração coletiva? Tudo isso o Rock – para ficar restrito a ele – é capaz de oferecer. Só que acrescido de outros tantos valores: questionamento, senso crítico, entrega, potência sonora, densidade humana. (E que fique claro: para mim, sem estes valores, o Rock é apenas rock.)
Fiquei sem entender a aceitação àquela música. Ao menos por aqueles garotos – que me parecem capazes de exigir muito mais daquilo que consomem. A dúvida corroeu minha mente. Tanto quanto a dolorosa experiência de ouvir aquelas canções.
Quando jovem, eu carregava a certeza de que jamais envelheceria. Por uma simples razão: velho, para mim, é aquele que perde a capacidade de se conectar com o novo. A premissa continua valendo. Mas eu, de certa forma, falhei.
Ao perceber minha dificuldade concreta em compreender o que se passa com quem tem a idade dos meus filhos, vejo que envelheci. Isso, por sua vez, não torna minhas dúvidas (e curiosidade) menos honestas. Tampouco aponta para uma necessidade de desligar meu senso crítico, pura e simplesmente aceitando os “novos tempos”. Respeito a juventude. Mas, mais do que nunca, tenho absoluta convicção da importância de um pensamento continuamente questionador. Para todas as idades.
O Rock não morreu. A pergunta agora é outra: O Rock virou coisa de velho? Deixo esse assunto para uma outra Guerrilha Pop. No momento, tudo o que preciso é escutar Loco Live, dos Ramones. De cabo a rabo.