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Wolney Unes
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Outra do português

O assassinato

| 28.01.19 - 17:27
Houve uma tentativa de estupro e a vítima acabou resistindo. Segundo o suspeito do assassinato, tudo “foi uma fatalidade”.
Radialista – Goiânia


Profissão jornalista
A profissão de jornalista é complexa: um bom jornalista não pode acreditar em quase nada que escuta. Deve desconfiar sempre daquilo que tentam vender-lhe e fazer-lhe crer.
 
Semana passada um passageiro de um Uber assassinou a motorista do carro, após ter sido rejeitado em suas tentativas de acariciá-la. Após o assassinato, ainda violou o corpo da jovem. Seu primeiro depoimento à imprensa qualificou seu crime como “fatalidade”

Fatalidade
Fatalidade é uma palavrinha derivada de fado. Isso mesmo, daquela canção portuguesa. Mas fado em sua acepção original é o próprio destino, aquilo que não pode ser evitado.
 
De fado origina-se o adjetivo fatal, aquilo que não pode ser evitado, inexorável. E fatalidade é portanto a qualidade de algo inevitável.

Conversa fiada
Nosso assassino, nosso criminoso quer portanto fazer crer que não foi responsável por seus atos, já que teria sido algo inevitável. Era impossível evitar assassinar a jovem, é o que ele quer dizer. E infelizmente nosso radialista caiu nessa sua conversa.

Atribuições
O bom jornalista deve ouvir, ouvir muito. Depois de ouvir, deve comprovar e confirmar tudo que ouviu. Subjacente a tudo isso, nosso bom jornalista deve conhecer sua língua, dominar as palavras, seus significados e seu uso.
 
Nesse processo é importante filtrar as informações, mas também a forma de tudo aquilo que ouviu. Se um assassino diz que “é impossível evitar matar”, é dever do jornalista atribuir isso à personalidade doentia e irresponsável do assassino. Eximir um assassino de culpa não é atribuição jornalística

Frases feitas
No processo de filtrar o que ouve e narrar fatos, o bom jornalista deve ter cuidado com pedras e buracos pelo caminho. Deve tomar cuidado com frases feitas e jargões, entre outros.  
 
Frases construídas com “acabar” e gerúndio indicam algo inesperado, denotam uma mudança de ideia no meio do caminho: fui mudar os móveis da sala e acabei desistindo, talvez porque tenha ficado cansado. Fui sair para jantar e acabei desistindo, talvez porque estivesse sem dinheiro.

Assassino bêbado
Pois, quando anuncia que “a vítima acabou resistindo” à tentativa de estupro, nosso jornalista desacata a memória de nossa jovem motorista. Ela sugere de duas uma: que no início a vítima topou as investidas de seu atacante e só passou a resistir depois, ou que o ato de resistir ao estupro sobreveio de maneira inesperada.

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A palavra não foi feita para enfeitar, brilhar, como ouro falso; a palavra foi feita para dizer. 
Graciliano Ramos
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Em nome da memória de nossa jovem trabalhadora, precisamos usar as palavras com seus significados próprios: um homem estava bêbado, quis fazer sexo com a garota e, diante da recusa, a assassinou. Tão simples quanto trágico.

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