"Nossas relações internacionais serão dinamizadas (...) implementando uma política na qual o viés ideológico deixará de existir”. É importante eliminar “qualquer viés ideológico para fazer negócios” e tratar “o agronegócio do Brasil sem questões ideológicas".
Jair Bolsonaro – Davos, Suíça
O significado das palavras
Estes são trechos do discurso de quarta-feira do presidente brasileiro no Fórum Econômico de Davos, na Suíça. Este encontro anual reúne as principais economias do mundo e este ano o novo presidente brasileiro era esperado com grande expectativa, já que era um grande desconhecido.
Sua breve fala, de cerca de 7 minutos, apresentou apenas generalidades, sem entrar em nada concreto. Uma das palavras que mais apareceu no breve discurso foi “ideologia”. A insistência no termo não é de hoje, foi recorrente também durante a campanha. O presidente afirma que quer banir a ideologia do governo. Mas afinal, seu discurso parece querer dizer algo um pouco diferente.
Vendo o mundo
Ideologia pode ser definida como um conjunto de ideias e conceitos, de crenças e valores. O termo tem a ver com a visão de mundo de determinada pessoa, conceito mais conhecido por sua forma alemã, Weltanschauung. Junto tudo aquilo que vejo e percebo do mundo e formulo uma visão sobre esse conjunto. Essa visão embasará minhas ações futuras e será a base de toda tomada de decisão.
O gato
Um possível contrário de ideologia pode ser o pragmatismo, uma postura em que os resultados importam mais que o ponto de partida. O pragmatismo político dá ênfase a fatos e ações testados, rejeitando teorias a priori e dogmas. Um belo exemplo de pragmatismo é o enunciado de Deng Xiaoping dos anos 1970: “Não me importa se o gato é branco ou preto, desde que ele apanhe os ratos”.
Pragmático
Xiaoping também dizia que “devemos falar menos e agir mais”. Pois, se Bolsonaro diz que não quer ideologia, o que faz é pura ideologia e não tem nada de pragmático. Talvez seja mesmo o governo mais ideológico e ideologizado desde a saída dos militares do poder na década de 1980.
Consequências
Bolsonaro diz que não tem ideologia na política, mas quando reafirma em Davos “Deus acima de tudo”, ele está se comprometendo com uma ideologia. E esse comprometimento ideológico pode ser problemático, especialmente declarado num encontro laico como o do fórum de Davos, e ainda mais no ambiente cultural franco-suíço. Na França, perguntar a alguém sobre sua religião equivale quase a uma ofensa.
Bolsonaro diz que quer banir a ideologia de sua administração, mas quando anuncia a transferência da embaixada brasileira em Israel para Jerusalém, age por pura ideologia, sem pensar na consequência que já chega: a Arábia Saudita acaba de anunciar a suspensão parcial de importações de frangos brasileiros. No limite, só resta esperar que a ideologia do governo não traga o terrorismo islâmico ao Brasil!
Palavras vazias
O novo governo é recente, difícil avaliá-lo. Mas já ficou claro que fala uma coisa e faz outra. Que usa as palavras fora de seus significados consolidados. Com gente assim, é bom escutar pouco e ficar atento às ações.
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Quando há uma brecha entre nossos propósitos reais e os declarados, recorremos instintivamente a palavras longas e a modismos desgastados, como um polvo soltando tinta para esconder-se.
George Orwell, jornalista inglês
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