Se você conseguiu ler o título de um artigo qualquer até o fim sem que um pop-up estridente, um banner piscante ou um vídeo de 15 segundos sobre um app de dieta revolucionário interrompesse sua linha de raciocínio, parabéns. Você deve estar em uma caverna, incomunicável, num site de grande valor como este ou é o único que ainda não vendeu a alma ao "Grande Algoritmo".
Nossa jornada digital virou uma pista de obstáculos publicitários. Ligar a TV a cabo - se é que alguém ainda faz isso - parece uma sessão de tortura com intervalos constantes, e o streaming? Pagávamos para ter paz, uma paz cara, mas garantida. Engano. O céu prometido sem comerciais virou um purgatório de planos com anúncios. Agora, eu pago para assistir a um filme e sou obrigado a engolir uma propaganda de 3 minutos sobre um carro que custa o PIB de um país pequeno, além de ser elétrico. Cadê o ronco do motor? Cadê o nosso querido ronco do motor?
Nas redes sociais, então, a coisa complica. Você mal pensa em um livro e, voilà, a tela vira um catálogo digital da Amazon, Mercado Livre ou Estante Digital, com frete grátis e 10% de desconto, mas só se comprar agora. Não é que a publicidade tenha vencido, ela simplesmente passou dos limites. Não navegamos mais, a magia se foi, somos arrastados por um rio de ofertas irresistíveis de coisas que nunca soubemos que precisávamos, mas que agora, de repente, definem nossa felicidade.
Mas o ápice do nosso calvário digital não reside apenas no excesso de "compre já", ele está na mais nova obsessão corporativa: a Inteligência Artificial, ou, como prefiro chamar, o Co-Piloto Insuportável.
Para as empresas a IA virou uma espécie de pimenta para baiano, tem que ter em tudo, do molho de tomate ao sorvete. O mundo da tecnologia decidiu que somos todos incompetentes e que a única salvação para a humanidade é automatizar até o ato de pensar. Ninguém mais pode ter o prazer de redigir um e-mail sem a IA sugerir "melhorias no tom para parecer mais entusiasmado e menos sarcastico”, ou seja, falso.
A gente abre o Canva para desenhar um círculo e o prompt de IA surge: "Posso transformar este círculo em um manifesto visual complexo em estilo renascentista com um toque cyberpunk?" Não, meu caro algoritmo! Eu só quero um círculo, vermelho, do Vila Nova!
Sigo na luta, armado com meu mouse e um bloqueador de anúncios que falha miseravelmente 90% das vezes, e ignorando solenemente o convite da IA para me ajudar a escrever o parágrafo final. Afinal, a nova utopia não é viver sem dinheiro e sem trabalho, é viver blindado das maluquices digitais.
Agora, se me dão licença, preciso checar se a IA do meu app de alerta sugeriu um horário mais eficiente para eu começar a meditar sobre a futilidade da vida digital.
*Ralph Rangel é desenvolvedor de software, professor em cursos de MBA. Foi Superintendente na Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Goiás. Foi Secretário Executivo na Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia do Município de Goiânia