Promover cidades em que caminhar seja seguro, simples e digno não é uma utopia urbana. É política pública de saúde, de segurança e de desenvolvimento. Foi com esse foco que realizamos, na Assembleia Legislativa, no dia 15 de agosto, uma audiência pública sobre o projeto que institui o Estatuto do Pedestre em Goiás, que apresentei recentemente na casa.
Reunimos governo estadual, OAB, universidades, CETRAN, Ministérios das Cidades e da Saúde, especialistas e sociedade civil. O diagnóstico foi convergente: o pedestre precisa voltar ao centro do planejamento. Em Goiás, ainda perdemos vidas em travessias inseguras, enfrentamos calçadas descontínuas e tempos semafóricos insuficientes.
E isso, enquanto a ciência comprova que caminhar reduz doenças, dinamiza o comércio de bairro e qualifica o espaço urbano. A audiência também consolidou um conceito-chave: caminhabilidade – a soma de segurança, conforto e atratividade para ir a pé, que depende não só de calçada, mas de sombra durante o dia, iluminação durante a noite, desenho viário, travessias bem marcadas, velocidades compatíveis com a vida e acessibilidade universal.
Nosso projeto não é peça pronta, é um texto em construção técnica e democrática, que seguirá incorporando contribuições colhidas publicamente. Saímos com encaminhamentos objetivos: incluir caminhabilidade como definição e princípio orientador e instituir um Plano Estadual do Pedestre, com metas e prazos, amparado por um sistema público de informações para planejar, monitorar e publicar resultados.
Devemos ainda estabelecer governança com um Comitê Estadual e um Conselho de Transparência, assegurando controle social. Além de estruturar um Fundo Estadual do Pedestre, com regras claras de financiamento e fiscalização, para apoiar prefeituras em obras de baixo custo e alto impacto — calçadas acessíveis, travessias elevadas, iluminação, urbanismo tático — priorizando áreas de maior risco e vulnerabilidade.
Prever a articulação intersetorial entre saúde, mobilidade, educação e segurança, integrando programas como o Vida no Trânsito também foi uma excelente sugestão na audiência. Assim como definir diretrizes de velocidades seguras em áreas escolares e de grande fluxo, além de adotar desenho de ruas que reduza conflitos.
Outro ponto importante: o projeto precisará prever o apoio a municípios na padronização e continuidade de calçadas em trechos estratégicos, evitando que um bem público dependa apenas do lote vizinho. E ainda reforçar direitos do pedestre, sem criminalizar quem caminha em contextos mal projetados, e ofertar capacitação permanente às equipes municipais com apoio das universidades.
Também alinhamos o debate às agendas nacionais: o Ministério das Cidades prepara o Plano Nacional de Mobilidade com capítulo de mobilidade ativa e metas climáticas para ampliar deslocamentos a pé. Já o Ministério da Saúde reforçou a urgência de reduzir atropelamentos e o custo social dos sinistros. Goiás deve andar junto, com legislação moderna e implementação no âmbito estadual.
Os próximos passos são claros: finalizar os ajustes na minuta e iniciar o trâmite na Alego, enquanto abrimos rodadas técnicas com prefeituras, conselhos e universidades para detalhar regulamentos e pilotos, começando por áreas escolares e eixos de alto risco.
Não se trata de “guerra ao carro”, e sim de priorizar a vida, organizar melhor o espaço público e reduzir gastos evitáveis em saúde. Convido a sociedade a seguir participando. O Estatuto do Pedestre de Goiás será fruto de ciência, diálogo e transparência — e “pegará” na prática quando se traduzir em calçadas contínuas, travessias seguras e velocidades compatíveis com a proteção de quem mais importa: gente.
*Virmondes Cruvinel é procurador do Estado licenciado e deputado estadual