Se você passou algum tempo nas redes sociais nas últimas semanas, talvez tenha tido a impressão de que os bebês reborn viraram um fenômeno incontrolável. Lives de “adoção”, maternidades cenográficas, influenciadores embalando bonecos em berços hospitalares. Roupinhas e mais roupinhas, acessórios sem fim. Parece que todas as mulheres do mundo resolveram adotar filhos de vinil. Mas os números contam outra história: para cada 120 bonecas vendidas no mundo, apenas uma é reborn. Ou seja, o barulho está muito, mas o mercado é modesto.
Essa discrepância entre visibilidade e realidade revela algo mais profundo: nossa obsessão contemporânea por narrativas emocionais que viralizam, mesmo quando o que elas dizem sobre o mundo real é, no mínimo, questionável. Segundo dados de 2024, o mercado global de bebês reborn gira em torno de US$ 200 milhões — o que representa menos de 1% do setor de bonecas em geral, que ultrapassa os US$ 24 bilhões. No Brasil, a busca pelo termo “bebê reborn” lidera no Google, mas as vendas seguem em escala artesanal, com uma loja de Belo Horizonte, por exemplo, vendendo entre 20 e 30 unidades por mês. Muitos views, poucas vendas. Muito barulho, pouca conversa.
Mas talvez o mais interessante não esteja nos dados de mercado, e sim no que esse fenômeno revela sobre as nossas relações. No livro Alone Together, publicado há mais de 15 anos, a pesquisadora do MIT Sherry Turkle fala sobre como buscamos em tecnologias afetivas (como robôs sociais) uma forma de preencher vazios emocionais. Não porque a máquina substitua o humano, mas porque ela oferece algo que o humano quase nunca consegue garantir: previsibilidade, ausência de conflito, conforto sob controle.
O que estamos chamando de “carinho” pode, na verdade, ser um sintoma de exaustão relacional. Em vez de lidar com o outro em sua alteridade, optamos por “vínculos” unilaterais, sejam com bonecos ou algoritmos, que nos oferecem a ilusão de afeto sem os custos da reciprocidade.
De acordo com uma reportagem publicada pelo Infomoney, cerca de 60% das compras de bebês reborn são feitas por mulheres adultas com idades entre 30 e 60 anos. Embora muitas vezes vistos apenas como brinquedos hiper-realistas, esses bonecos também são utilizados com fins terapêuticos — especialmente no cuidado de idosos com demência, com estudos indicando uma redução significativa nos níveis de agitação. Em outros casos, servem para preencher o vazio deixado por um luto, simbolizar formas de cuidado que não encontraram espaço na vida real ou simplesmente oferecer companhia.
Não há nada de errado em buscar conforto. Mas há algo de preocupante quando a simulação do vínculo passa a ser preferida à experiência, por mais imperfeita que ela seja. Quando cuidamos de bonecos, mas evitamos cuidar uns dos outros. Quando escolhemos conversar com IAs programadas para nos agradar, em vez de encarar a complexidade de uma escuta humana, cheia de pausas, conflitos e silêncios.
O alerta de Turkle segue atual: quanto mais interagimos com máquinas que parecem nos ouvir, menos nos habituamos a escutar de verdade. E quanto mais nos habituamos à performance de afeto, mais distantes ficamos do afeto real. O caso dos bebês reborn é, então, menos sobre brinquedos e mais sobre sintoma. Eles apontam para uma economia da carícia simbólica, onde o que se vende não é um boneco, mas uma fantasia de cuidado. Uma que não exige negociação, não pede tempo, não impõe conflito. A pergunta que deveríamos fazer não é “por que estão adotando bonecos?”, mas “o que está faltando para que um boneco pareça uma solução?”. A resposta, como sempre, não está no algoritmo. Está em nós.
Jullena Normando é doutoranda em Comunicação pela Universidade Federal de Goiás (UFG), pesquisadora em Comunicação e IA e publicitária