Entre os mais influentes da web em Goiás pelo 14º ano seguido. Confira nossos prêmios.

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351

Gismair Martins Teixeira

Ciranda da Arte 20 anos, um marco educacional no Brasil

| 16.05.25 - 10:47
Numa variação objetiva em torno do conceito de mundo das ideias de Platão, pode-se inferir, conforme já foi dito por muitos pensadores, que tudo o que existe se materializa a partir do pensamento. A representação exemplar básica para isso é a construção de um edifício de qualquer natureza, que primeiramente vai existir no pensamento de arquitetos e engenheiros e só posteriormente vai materializar-se a partir do trabalho dos operários da construção.
 
Apesar de parecer simples e óbvio, todo o processo pode apresentar complexidades de cunho filosófico, conforme ressalta da narrativa e discussão correlata sobre o barco de Teseu, cuja abordagem clássica apresenta a seguinte problematização: se todas as tábuas de um barco forem substituídas gradualmente ao longo do tempo, até que todas sejam trocadas e sem restar nada do original, o barco ainda será o mesmo? Independente das infindáveis discussões acerca desse problema filosófico, o que resta é que a ideia básica que conceitua e define um barco permanece intacta. O barco, no entanto, funciona apenas como um índice universal para todas as formas materiais redutíveis à sua atomicidade.
 
Neste contexto noético, há pouco mais de vinte anos uma ideia pioneira no imaginário da arte-educação brasileira surgia. Uma professora musicista da Secretaria de Educação de Goiás atuava para implementar a escola de tempo integral através do canto coral em uma unidade goianiense da rede pública goiana. Percebendo o extraordinário potencial das artes na educação de estudantes que se mostravam hesitantes diante da realidade do ensino em tempo integral, a arte-educadora Luz Marina de Alcantara vislumbrou a possibilidade de uma seção que cuidasse prioritariamente do importante aspecto pedagógico de que a arte, em todas as suas linguagens, reveste-se.
 
A ideia ganhou corpo e se materializou aos poucos, qual singela semente que se lança ao solo e que aos poucos realiza um magnífico devir filosófico, passando de potência a ato ao longo do tempo e sob o cuidado atencioso de sua idealizadora e dos incontáveis colaboradores que se sentiram atraídos pela ideia pioneira, uma vez que Goiás é um dos poucos estados brasileiros que conta com uma instituição do gênero sob a jurisdição, incentivo e apoio direto de sua pasta educacional. A propósito, a metáfora da semente consta da identidade icônica original do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte, numa de suas primeiras performances artísticas. Toda a trajetória de instauração do Ciranda da Arte pode ser conferida na tese de doutorado de sua fundadora, disponível aqui.
 
O Ciranda da Arte foi oficialmente fundado no dia 15 de julho de 2005. Nas duas décadas que trouxeram arte-educadores extraordinários aos seus quadros, num fluxo performático remissivo ao barco de Teseu, a modelar instituição goiana tem contribuído sistematicamente com o progresso da educação do estado através da valorização da arte e suas linguagens no currículo escolar dos estudantes de Goiás, abarcando em suas atividades pedagógicas praticamente todo o leque do conhecimento mapeado pela Capes/CNPQ em seu índice geral das grandes áreas e sub-áreas do conhecimento, sob a rubrica “8.00.00.00-2 - Linguística, Letras e Artes”.
 
No âmbito dessa ideia arte-educacional, no último dia 15 foi inaugurado o novo prédio do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte, cuja edificação passou por grande reforma em suas instalações, materializando o apoio da atual administração da Secretaria Estadual de Educação, sob a direção da secretária Dra. Fátima Gavioli, ao objetivo primordial da instrumentalização da arte como elemento pedagógico essencial na formação das novas gerações de estudantes goianos, o que possui um rico lastro epistêmico que evidencia o quanto a atividade artística é importante para o despertar dos potenciais cognitivos de todas as faixas etárias e formações.
 
O evento, simbólica e materialmente, configura mais uma tábua nova no barco da arte-educação goiana, que no etos da filosofia educacional continua o mesmo, pois objetiva mais que nunca promover a formação continuada através da performance artística e cultural. Sob a perspectiva dos desafios da área para o mundo contemporâneo, a atual diretora do Ciranda da Arte, a arte-educadora Euzamary Pimenta Gouveia, musicista que atualmente realiza pesquisa de mestrado na UFG sobre a formação de plateia em música no contexto escolar, pontua: “Num mundo cada vez mais acelerado e voltado para resultados imediatos, precisamos reafirmar o valor do sensível, da escuta, da criatividade e da diversidade cultural. O desafio é garantir que as escolas propiciem espaços onde a arte/educação possa transformar, acolher e provocar reflexões. E é isso que buscamos no Ciranda da Arte: a formação integral de professores e estudantes que façam da arte uma ponte entre o conhecimento e a vida de forma crítica, sensível e criativa”.
 
Acerca do percurso institucional do Ciranda da Arte em duas décadas e as lutas titânicas travadas para a sua consolidação, afirma a sua idealizadora, Dra. Luz Marina de Alcantara, ao ser questionada sobre o filme que passa em sua mente ao contemplar as modernas instalações:
 
“Fecho os olhos e o filme começa. A porta se abre, há sempre um novo encontro. Rostos que dançam ideias, vozes que desenham caminhos, chão que vibra com os passos de meninas e meninos, mestres, artistas, cada um com sua partitura de mundo. Lembro-me do primeiro curso, dos ensaios, das primeiras apresentações, de tantas dúvidas, medos e incertezas. A cada desafio, um novo devir; a cada encontro, uma travessia. Aprendi que arte é, também, método, afeto, luta e que educar é também inventar futuros. A Ciranda não gira sozinha. Ela pulsa em coletivo, reinventa o tempo e costura sentidos entre o sensível e o possível. Entre lágrimas de superação e gargalhadas de descoberta, o que move é sempre a alegria de criar, de resistir, de transformar. O filme termina sem fim, porque a Ciranda continua girando em mim”.
 
Da solenidade comemorativa das novas e modernas instalações do Ciranda da Arte, índice de importantes investimentos do governo goiano na educação, participaram a Secretária de Educação de Goiás, Dra. Aparecida de Fátima Gavioli Soares Pereira, que fez uso da palavra em emocionante depoimento pessoal sobre a importância da arte na formação do estudante; a idealizadora do Ciranda da Arte, Luz Marina de Alcantara, que homenageou a secretária de Educação e o primeiro servidor cirandeiro, Edivaldo de Souza Oliveira, com placas distintivas; a diretora da instituição, Euzamary Pimenta Gouveia, além de toda a comunidade dos servidores do Ciranda da Arte, afetuosamente conhecidos como cirandeiras e cirandeiros e autoridades representativas da Secretaria Municipal de Educação e da Assembleia Legislativa de Goiás.
 
O evento de inauguração representou, assim, um marco material expressivo das atividades arte-educativas realizadas em Goiás de forma pioneira e modelar no contexto maior da arte-educação no Brasil, que ainda conta com poucas iniciativas semelhantes nas demais unidades da federação.

*Gismair Martins Teixeira é Doutor em Letras pela UFG, com Pós-Doutorado em Ciências da Religião pela PUC-GO; professor e pesquisador do Centro de Estudo e Pesquisa Ciranda da Arte da Seduc-GO.
 
 

Comentários

Clique aqui para comentar
Nome: E-mail: Mensagem:
Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351