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Rimene Amaral

Negociando com a resistência

| 05.05.25 - 15:01 Negociando com a resistência (Foto: Rimene Amaral)
Foram 15 minutos intensos. Com a bacia na mão, eu colhia amoras no fim da tarde de domingo. Tempo fechado, carregado e fresco. Periquitos e matracas se debatiam por um espaço na mangueira que fica encostada ao muro da vizinha e promoviam um bate-papo intenso e ensurdecedor. De longe estendi o braço para alcançar um cacho de amoras maduras. Gigantes. Inútil meu alongamento! Contornei a amoreira, passei por debaixo dos galhos e consegui chegar mais perto.
 
Quando, enfim, consegui alcançar as robustas amoras, uma aranha azulada, rajada de preto, com corpo totalmente desproporcional ao tamanho da cabeça, me encarava fria e incisivamente. Ela parecia estar disposta a lutar por aquele conglomerado de amoras maduras, doces e grandes. Eu via a determinação nos vários olhos dela. Ela não desistiria fácil.
 
Ao lado da aranha, um percevejo verde, ou, me perdoe o trocadilho, um perceverde, chegava junto e se postava também sobre uma das gigantescas amoras. A maria-fedida metida a besta também se impôs, numa evidente declaração de que não estaria nem ventilando a hipótese de permitir que eu levasse os frutos. Não aqueles!
 
Comecei um processo de indução para que o aracnídeo e o percevejo abandonassem a produção especial. Tentei conduzí-los, junto aos frutos, para um conglomerado menor, porém mais maduro, mais doce, mais atraente. Pude perceber que não era a ideia deles trocar o jantar pela sobremesa. Encarados em mim eles estavam, encarados eles permaneceram.
 
Por algum tempo tentei entender que a aranha pudesse querer as amoras para uma ninhada de filhotes. O percevejo poderia querer o mesmo, mas também poderia estar ali para garantir o jantar dos bebês da dona aranha. Meu coração balançou. Virei a mão levemente, analisando todo o conglomerado, por todos os ângulos, procurando por filhotes de aranha azul rajada com corpo desproporcional ao tamanho da cabeça. Não vi um, sequer. Isso me fez mais decidido a lutar pelos frutos. A aranha deve ter sentido as energias da minha decisão e também se preparou: ergueu as duas patas dianteiras, como se se apresentasse para a guerra: “amoras ou morte!” Ela estava decidida. O percevejo não ficou atrás e também se impôs, balançando as asas.
 
Dois minutos de silêncio… Com os olhos eu dizia a eles: “O que vocês esperam que eu faça? Que deixe esse bago de amoras gigantes pra vocês? Eu sou superior e não quero brigar”. A aranha parece ter demonstrado um princípio de recuo. O percevejo verde dava sinais de querer avançar. Mais um tempo de silêncio e olho no olho.
 
De onde eu estava podia ver uma maritaca na galha mais alta da amoreira saboreando uma amora gigante. Enquanto eu observava, senti um vento soprar pela minha orelha esquerda. Um bem-te-vi passou por mim e, numa precisão incrível, abocanhou dona aranha. Fiquei sem chão. Estático. Quando percebeu a ameaça, o percevejo, se sentindo solitário, bateu em retirada. Fiquei com as amoras.
 
Mas ele ainda voltou para conferir se eu havia levado todas… Deixei uma! Meus pais me ensinaram a dividir.

Rimene Amaral é jornalista, radialista e fotógrafo.


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