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Quando eu trabalhava como repórter, na TV Brasil Central/Cultura, eu cobria muita pauta cultural. Trabalhava à noite. Tinha muito coquetel, vernissage, jantares em lugares chiques e boca-livre quase todos os dias. Tudo regado a bons vinhos e outras bebidas chamativas. Eu almoçava e, muitas vezes, jantava nas pautas.
Sempre quando tinha uma matéria com comes e bebes mais tarde, e a fome não conseguia esperar, decidíamos, minha equipe eu, passar em alguma lanchonete no centro da cidade para experimentar um petisco novo e fazer uma boquinha. Me lembro de uma vez, numa birosquinha na Rua 55, que tinha um salgado chamado “americano”, recheado, sabor pizza. Parecia maravilhoso. Tinha acabado de sair do forno e eu não pensei duas vezes. Pedi um.
“Presunto, muçarela, tomate, pepperoni e orégano. A massa é de pizza”, anunciou o dono do bar do outro lado do balcão. O tamanho era meio descomunal, mas a fome também já gritava. Pedi um suco de laranja para acompanhar. “Com gelo e sem açúcar”, reforcei. O senhor rechonchudo colocou dois americanos no prato (existia essa mania antigamente. A gente pedia um salgado e vinham dois. Ninguém deixa sobrar).
Dei um golinho no suco de laranja pra lavar o paladar, caprichei em quatro guardanapos de seda pra reforçar e fui com toda volúpia ao salgado. Mordi aquilo como se não houvesse amanhã. Quando meus dentes furaram a massa, um vapor quente saiu como um jato na minha cara e eu, assustado, com medo de me queimar, puxei o salgado, mas não abri a boca. Uma rodela de tomate incandescente veio junto e se debruçou no meu lábio inferior e achou aconchego certo no meu queixo. Grudou. Eu gritei! “PQP! Colocaram tomate inteiro!” Tarde demais.
Eu não queria jogar o salgado no chão e até que o coloquei de volta no prato, o tomate fez o estrago no meu rosto. Quando consegui desgrudar aquela lava incandescente do meu queixo, virei-me para as pessoas, que me olhavam com cara de espanto e se seguravam para não rir. Corri ao banheiro para lavar e tentar refrescar o local com água fria. Tarde demais! Eu tinha uma tatuagem de uma rodela de tomate no queixo. De-se-nha-da!
Uma hora depois eu estava no Museu de Arte Contemporânea, no coquetel de lançamento da exposição sobre o trabalho de Farnese de Andrade. A luz era baixa e eu tentava esconder a marca, das pessoas e da câmera. Gravei uma passagem de longe e só quando cheguei em casa percebi a gravidade da situação. Uma semana de tratamento. Não foi necessária raspagem. Nunca mais comi o tal salgado. E, assim como gato escaldado tem medo de água fria, passei a temer todo petisco que necessite de mais de um guardanapo para segurar. Os dedos, nesses casos, passaram a ser um bom termômetro.
Rimene Amaral é jornalista, radialista e fotógrafo