O planejamento familiar, garantido pela Constituição Federal, vai além de uma simples escolha: é a concretização de um sonho para muitos que desejam formar uma família, mas enfrentam barreiras biológicas ou sociais. Graças aos avanços da medicina reprodutiva e à evolução das normas jurídicas, hoje é possível que famílias sejam formadas de maneiras antes inimagináveis, como por meio da fertilização in vitro realizada em clínicas especializadas, mediante requisitos específicos.
Esse progresso responde a um profundo anseio de pessoas que, por questões de infertilidade, problemas de saúde, retirada do útero ou falta de um parceiro(a), viam-se limitadas em sua capacidade de conceber naturalmente. Agora, essas barreiras podem ser superadas, permitindo que o sonho de ser mãe ou pai se torne realidade, independentemente das circunstâncias.
A barriga solidária, como é popularmente conhecida, consiste na cessão voluntária do útero por uma mulher que se dispõe a gerar um filho que não será seu. Em outras palavras, trata-se da fecundação do óvulo e do espermatozoide em ambiente laboratorial (in vitro), gerando embriões que serão implantados na cedente do útero para gestação.
Muitas vezes, a barriga solidária é confundida com o termo "barriga de aluguel". No entanto, há uma diferença fundamental entre os dois. Enquanto a barriga solidária ocorre de forma voluntária, sem remuneração, e é permitida no nosso país, a "barriga de aluguel" envolve um contrato comercial no qual a gestante é paga para carregar e dar à luz ao bebê — prática proibida no Brasil.
Apesar de ser um assunto de extrema relevância, a legislação brasileira ainda é omissa em muitos pontos. Atualmente, é o Conselho Federal de Medicina que estabelece as regras para a realização da gestação por substituição de útero, por meio da Resolução 2.320/2022.
Então, quem pode ser a cedente do útero e quais os requisitos?
A cedente temporária do útero deve ter pelo menos um filho vivo e ser parente em até o quarto grau de um dos requerentes que desejam ter um bebê. Ou seja:
• Em primeiro grau: mãe;
• Em segundo grau: avó ou irmã;
• Em terceiro grau: tia ou sobrinha;
• Em quarto grau: prima.
Contudo, para quem não possui parentes de até quarto grau que possam colaborar, nem tudo está perdido. A cedente voluntária pode ser outra pessoa fora do vínculo de parentesco, mas, para isso, é necessário pedir uma autorização ao Conselho Regional de Medicina do estado onde será realizado o procedimento, antes que a fertilização ocorra.
Essa autorização busca assegurar que todos os envolvidos foram orientados sobre os direitos e obrigações decorrentes da reprodução assistida. Por exemplo, aspectos referentes à filiação, assegurando que a cedente está ciente de que não será mãe da criança que irá gerar.
Além disso, os requerentes deverão demonstrar que irão arcar com os custos dos tratamentos de saúde da gestante, podendo, inclusive, contratar um plano de saúde antecipadamente para garantir cobertura assistencial durante a gravidez ou realizar os procedimentos de forma particular.
A regulamentação estabelecida pelo Conselho Federal de Medicina, por meio da Resolução 2.320/2022, avança na proteção do direito ao planejamento familiar, prestigiando também a união homoafetiva. Essa regulamentação garante que casais formados por pessoas do mesmo sexo possam realizar o sonho da maternidade ou paternidade, assegurando que a diversidade de formações familiares seja respeitada e promovendo a inclusão.
A gestação por substituição, portanto, não apenas viabiliza o sonho de muitas pessoas que enfrentam barreiras biológicas, mas também reforça o compromisso com a igualdade de direitos, permitindo que todos, independentemente de sua condição sexual, possam construir uma família com base no afeto e na solidariedade. Assim, a barriga solidária se consolida como uma expressão de altruísmo, empatia e respeito às diferentes formas de viver o amor e a parentalidade no Brasil.
*Pablo Henrique de Lima Pessoni é advogado desde 2016, graduado pela PUC-GO. Pós-graduado em Direito da Saúde, Direito Civil e Processo Civil. Atuante na área do Direito da Saúde e de Direito de Família. Membro das Comissões de Direito da Saúde e Direito do Consumidor da OAB/GO.
*Mateus Martins é advogado, graduado em direito pela Universidade Federal de Goiás; pós graduado em direito civil e processo civil pela Faculdade Atame; pós graduado em direito das famílias e sucessões pela Unimais e IBDFAM; membro do IBDFAM; MBA em Holding e planejamento societário pela Faculdade UniBF; mediador judicial certificado pelo Tribunal de Justiça de Goiás; sócio-proprietário do escritório Guimarães, Martins e Jácomo Advogados (GMJ Advogados).