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EDEMUNDO DIAS DE OLIVEIRA FILHO

À ordem com coragem

| 20.10.24 - 18:53
Estamos no limiar das eleições da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), em todas as seccionais estaduais, desta feita um tanto quanto obliqualizadas pelas eleições municipais, infelizmente. Digo, infelizmente, não como demérito às eleições a prefeitos e vereadores em todo país, porém, em virtude de que a eleição da Ordem não pode passar despercebida aos milhares de advogadas e advogados e demais operadores do direito em todo país, bem como de todos os cidadãos espalhados por essa imensa nação, sobretudo dos milhões de jurisdicionados brasileiros tão carentes de uma justiça eficaz.
 
Faço ecoar aqui, analogamente, o apelo que fez Henfil, numa carta escrita a sua mãe e publicada pela Revista Isto É, em 31 de agosto de 1983, na qual denunciava os desmandos do regime militar e a exploração do povo nordestino, vítima da fome e da seca sendo usadas como instrumento de manipulação. Ali, as poderosas oligarquias, alinhadas ao poder central em Brasília, utilizavam-se dos donativos encaminhados pelo resto país para manietar ainda mais a consciência do aguerrido e sofrido povo sertanejo. Escreveu: “[...] O que o estômago deles pede é justiça! [...] Há 483 anos, a mais formidável máquina de corrupção foi instalada no Nordeste, gerando vinte latifundiários e vinte milhões de flagelados. Não há uma propriedade que não tenha seus papéis falsificados pela propina e pela violência. E tudo, água ou dinheiro, que se mandar para o Nordeste cai e cairá nas mãos destes vinte senhores das terras. Todo mundo sabe disto ou não sabe? Então, com os dentes trincados, eu, cidadão nordestino, filho de seu Souza e dona Maria, lanço o meu ‘S.O.S Nordeste’: parem de mandar caminhões-pipa, sapatos ou lesmas para comer, mandem advogados! Toneladas de advogados!”
 
Sim, advogados são imprescindíveis, notadamente aqueles que têm a dignidade e a intrepidez necessárias para enfrentar o arbítrio e a prepotência em momentos cruciais da história dos homens e das nações. Com efeito, foi um advogado, esquálido de corpo, mais cevado de espírito, chamado Mahatma Gandhi – “Grande Alma” –, que libertou a Índia do jugo inglês; foi um advogado, jovem e negro, pastor batista, Luther King Jr., que levantou o maior movimento contra a nefasta segregação racial norte-americana e se tornou o maior símbolo da luta pelas liberdades em todo mundo; foi um advogado negro em um país de maioria negra, África do Sul, dominado pelos supremacistas brancos, Nelson Mandela, que liderou o maior movimento social naquele país, e, depois de vinte e sete anos preso, fez a sua própria defesa, quando ganhou a liberdade, libertando o seu povo das garras do odioso racismo, tornando-se presidente e ganhador do Prêmio Nobel da Paz (1993), paradigma de determinação, resiliência e coragem; foi Esperança Garcia, a primeira advogada brasileira, mulher negra, que teve a coragem de peticionar ao governador do Estado do Piauí e denunciar maus-tratos perpetrados pelos por feitores da fazenda de algodão na província onde vivia escravizada, junto com seu filho, em 1770.
 
Poderia trazer aqui muitos outros exemplos do que advogadas e advogados destemidos podem realizar em todos os lugares, pelos direitos individuais e coletivos, reverberando na formação da história, da cultura e do caráter das pessoas e das nações.
 
Entre os advogados brasileiros, vale aqui destacar Sobral Pinto, como exemplo de honradez e combatividade. Exerceu o seu mister durante o Estado Novo (1937-1946) e a Ditadura Civil-Militar (1964-1985). Mesmo sendo um cristão-católico praticante e fervoroso, patrocinou a defesa dos comunistas Luiz Carlos Prestes e Harry Berger em julgamento perante o Tribunal de Segurança Nacional, em 1937. Já em 1955, em mais uma das tantas tentativas de golpe por setores das Forças Armadas, o “Doutor Coragem”, como era chamado, mesmo fazendo oposição à candidatura de Juscelino Kubitschek, fundou e encabeçou a Liga de Defesa da Legalidade, ajudando a garantir que a democracia e o processo eleitoral fossem respeitados. Logo depois, o então Presidente da República recém-eleito, em 1956, J. K. ofereceu a ele uma cadeira no Supremo Tribunal Federal, como demonstração de gratidão e retribuição pelo importante papel que cumprira em prol da lisura do processo eleitoral. Sobral, sem titubear, recusou o convite. Não queria que a sua biografia fosse maculada por interesse próprio. Foi quando nos deixou em uma frase, um legado paradigmático: “A advocacia não é profissão para covardes”.
 
O que dizer do inolvidável testemunho de Rui Barbosa, tanto como advogado, quanto na vida pública? Das imprescritíveis lições da Oração Aos Moços? O que dizer de Raymundo Faoro, e tantos outros e outras, que souberam dignificar a classe e a OAB?
 
Entrementes, cumpre perguntar: onde foram parar homens e mulheres com esse estofo e com esse jaez? Por acaso, pereceram todos e todas da face da terra?
 
Ora, se o desempenho de um advogado faz resplandecer a justiça ao necessitado individualmente, pode, também, mudar o destino de uma nação, quanto mais o fará se estiver respaldado pela atuação vigorosa, destemida e altruísta da própria Ordem.

Mas, o que vemos hoje? Quais as grandes pautas da OAB? Como a direção dessa magnânima entidade tem atuado (ou não) em favor dos mais lídimos valores da justiça, dos direitos, da igualdade, da liberdade, da cidadania e da sociedade? Onde foi parar a instituição que lutou de forma brilhante contra todas as formas de autoritarismo e opressão em tempos idos? Serve a OAB, hoje, aos advogados, à advocacia e a toda sociedade, ou, prioritariamente, labora como um guichê de negócios com interesses patrimoniais e cartoriais mesquinhos de um determinado grupo ou grupos, subservientes aos poderosos encastelados nos palácios e nos governos de plantão? A propósito, será que em nosso contexto atual, Henfil, o irmão de Betinho, ainda suplicaria por advogados? 
 
Rui Barbosa, nosso patrono, dizia que “a advocacia impõe ao advogado a missão da luta pelo direito contra o poder, em amparo dos indefesos, dos proscritos, das vítimas da opressão, tanto mais recomendáveis à proteção da lei, quando mais formidável for o arbítrio, que os esmague, quanto mais sensível for o vazio, que a ignorância, a covardia de uns, o desalento de outros, a letargia geral abrirem de redor dos perseguidos”.
 
Assim, é preciso retomarmos esses princípios urgentemente, sob pena de deixar assombrar, em cada um de nós, o desfalecimento dos nossos sonhos mais infantes, de ver morrer o ideal sacerdotal pelo qual devemos viver: o exercício de nossa nobilíssima profissão sendo respeitado, valorizado e temido onde quer que os nossos pés, as nossas mãos e as nossas vozes confrontem com a injustiça. 
 
EDEMUNDO DIAS DE OLIVEIRA FILHO
Advogado
 

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