O ano é 2024 e teremos de explicar às crianças que as 'celebridades' mentem, traem e roubam.
Que os políticos, embora comunguem da mesma ideologia, são rivais.
Que a Natureza castiga ricos e pobres com a mesma intensidade.
Que os pretos (ou 'negros'), indígenas (ou 'índios'), pardos (ou 'brancos') que sofrem de pedofilia, 'taradice' e outras sandices que usem e abusem do corpo humano, são penalizados baseado em seus poderes financeiros e contatos.
Que educação, honestidade e dignidade são privilégios de quem honra a origem do seu código genético, esforço, disciplina e livros.
São nas linguagens artísticas, sejam elas composições como a do pernambucano, Lenine, seja na revolução das palavras dos paulistanos, Racionais MC's, o imaginário da vida de emblemáticos personagens, ou 'celebridades', como Cidadão Kane estão presentes como uma referência unanime da dramática trama do ego ou 'status'.
O genial trocadilho das palavras, na música, "O verbo e a verba", de Lenine:
"Dolores, dólares... rosebud",
e a estrofe turbulenta dos versos do rap de Mano Brown, da canção "Da ponte pra cá":
"Eu nunca tive bicicleta ou vídeo-game
Agora eu quero o mundo igual Cidadão Kane",
confrontam sentimentos de ganho e perda, lucro e prejuízo, cheio e vazio.
Kane foi um personagem inspirado na vida do magnata da mídia, norte-americano William Randolph Hearst, que fez fortuna manipulando a imprensa e a política com seu poder de persuasão.
A história decorre a partir da palavra "robebud", que foi a última a ser pronunciada pelo protagonista antes de morrer. É só no fim do filme que descobrimos que "rosebud" é o nome comercial do pequeno trenó com o qual Kane brincava quando foi levado para longe de casa e de sua mãe. No inconsciente, o trenó ficou marcado como símbolo da simplicidade, conforto e do amor da mãe, que ele nunca esqueceu.
O tamanho do vazio que as conquistas materiais não conseguem preencher é proporcional ao vazio emocional que não conseguimos administrar.
Se, com o tempo, for ficando muito difícil explicar as verdades do mundo para as crianças, ainda teremos a Arte, que literalmente desenha nos mínimos detalhes o beabá da realidade.
Resta saber, se nós, adultos (ou 'adúlteros'), estamos prontos para esta conversa.
"Piscina", 2009, Jorge Macchi, Instituto Inhotim
*Tatiana Potrich é designer de joias e curadora de eventos culturais