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TATIANA POTRICH

Cafonice

| 16.06.24 - 10:25

Foi nos anos 80 que conheci a arte do grafite, especialmente na Bienal Internacional de São Paulo, em 1985. A obra do artista, de nacionalidade peculiar (nascido na Etiópia, naturalizado italiano) Alex Vallauri, concebeu a figura icônica da Rainha do Frango Assado. Um misto de Claudia Raia e Glória Groove que, certamente mexeu com o fetiche da população tradicional paulistana.

Digo que nesse período a cafonice estava na moda. Era fashion usar estampa de oncinha com bota de cano e salto alto, cabelos esvoaçantes e despenteados. Todo mundo fumava, fumava nos hospitais, no aeroporto, no shopping, no restaurante, em todo lugar. Fumar era descolado!

Os anos 80 oficializaram a cafonice, mas foram anos inacreditavelmente hilários, recheados de ombreiras, maquiagens carregadas, Xou da Xuxa e tudo o quanto de bizarrice que fosse possível.

 
Hoje a cafonice volta como um fantasma. O x da questão continua em voga. O mau senso é um surto coletivo de gênero, número e grau. Até a arte contemporânea passa por uma crise existencial. Todo mundo é ou quer ser artista, tudo pode, tudo que é postado é tendência. Ou não.
 
Insistir em discursos mornos, levantar bandeiras para cor, idade, deficiência, orientação sexual ou estado civil não passa de mais uma cafonice desta juventude "nutella", que inevitavelmente foi concebida pela minha geração, pelas famosas rainhas dos baixinhos (com x) e claro, pela do frango assado também. 
 
Bom lembrar que atualmente a "frangaiada" que antes vivia livre pelos galinheiros, passou a sobreviver em reduzidos confinamentos carcerários e a receber doses cavalares de suplementos duvidosos, quiçá químicos ou hormonais. Eles (os frangos e carnes afins), chegam às mesas de restaurantes chiques, com receitas minuciosamente elaboradas por chefs gourmets premiados e concorridamente instragramáveis. Quanta cafonice por uma massa calórica transgênica!
 
Mas o frango não é de todo responsável por este cenário, as discípulas destas "rainhas" são bem atuantes na sociedade. Conseguiram sua liberdade sexual na base de muitas cápsulas de anticoncepcionais, antibióticos, anti-inflamatórios, antidepressivos, prozac's, rivotril's, doril's, chip's da beleza, silicones e ardentes fenol's. 
 
Não por acaso vivemos a cafonice da "demonização facial", de uma geração que prioriza a aparência ao carácter, no recalque de mulheres ou garotas carentes que aderem às dores e altos riscos em fracassados procedimentos estéticos, no conflituoso complexo  edipiano que não impõe limites na relação mãe e filho, no transtorno de homens ou garotos que se dizem mulheres, ou dizem ter direitos sobre o corpo das mulheres, na ausência e, quem sabe até, na urgência da presença, da tão sumida, amada, querida, verdadeira e necessária: "Rainha do Lar".
 
Os anos 80 levantaram a bandeira da cafonice e hoje colhemos os frutos de uma bizarra juventude que elege redes sociais e sub-celebridades como ícones, líderes, coach's, gurus, mestres e o escambau. 
 
Nenhuma novidade até então, afinal a cafonice sai e entra, entra e sai da moda como um coito ligeiro e despretensioso.
E convenhamos, esse é o tipo de coisa que todo mundo gosta, não é mesmo?! Sirvamo-nos dela e bom apetite. Ou não!
 
A Rainha do Frango Assado, por Alex Vallauri

Cafona* do italiano cafone, camponês, rústico, simplório
 
*Tatiana Potrich é designer de joias e curadora de eventos culturais

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