Entre os mais influentes da web em Goiás pelo 14º ano seguido. Confira nossos prêmios.

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351

José Osório Naves

Coimbra Bueno: um liberal visionário acima de seu tempo

| 15.04.20 - 15:51
Um dos políticos mais emblemáticos da história de Goiás foi Jerônimo Coimbra Bueno. Engenheiro e urbanista nascido em Rio Verde, GO, em 1910, de abastada família de fazendeiros. Formou-se pela Escola de Engenharia do Rio de Janeiro.

Na época do Estado Novo, o interventor federal de Goiás, Pedro Ludovico Teixeira, em 1933, o nomeou para a Superintendência Geral das Obras para a construção de Goiânia. Seria a nova capital de Goiás, até então cravada entre os montes da Cidade de Goiás, chamada Vila Boa. Em 1934, com seu irmão Abelardo, criou a empresa de engenharia Coimbra Bueno e Cia., que ficou encarregada de construir a nova capital do Goiás.

Numa época de escasso dinheiro, em pleno Estado Novo, recebeu, em troca pelo seu trabalho, apenas terrenos nos arredores de onde a cidade seria construída. Acreditou na importância histórica e econômica da obra que construiria. A cidade teve como arquiteto Atílio Correa Lima, autor de seu Plano Diretor, o qual não fora seguido pontualmente, como reclamara depois.

Coimbra Bueno construiu Goiânia em apenas um ano. Inaugurada em 24 de outubro de 1935, mas só culturalmente batizada em 1942.

Em 1938, Coimbra obteve a concessão de uma rodovia interestadual que interligava a economia do sul de Goiás a São Paulo pelo Triângulo Mineiro.

Com o fim do Estado Novo, concorreu ao Governo do Estado de Goiás, no pleito de 1946, pela UDN, em coligação com o PSP e em oposição ao então governador Pedro Ludovico Teixeira. Vitorioso, governou Goiás de 1947 a 1950.

Elegeu-se senador em outubro de 1954 por Goiás, concorrendo pela coligação UDN-PSP. Mudou-se depois, para o Rio de Janeiro, onde sua empresa tinha sede e moravam os familiares de sua esposa.

Muitos anos depois, em 1982, tentou uma vaga para a Câmara dos Deputados, obtendo apenas a suplência. Isso porque não foi compreendido no slogan de sua campanha - “Coimbra deputado, navio no cerrado”. Ele queria tornar os rios da região navegáveis para escoamento da produção agrícola, mas ridiculizaram seu discurso.
 
Um visionário acima de seu tempo
Coimbra Bueno foi um visionário, sempre com ideias tidas como mirabolantes, pelas pessoas e políticos de sua época. Sempre tinha um projeto em mãos visando algo no futuro. Carregava sempre um canudo de papelão debaixo do braço, apresentando sugestões criativas para o desenvolvimento do Brasil.

Tenho vagas lembranças de seu Governo, pois à época contava pouco mais de 10 anos. No entanto, ouvia muitas histórias, pois minha casa estava sempre cheia de políticos udenistas, já que meu pai, José Rodrigues Naves Júnior, era vereador e presidente da UDN municipal de Goianira.
 
Fim do coronelismo e do jaguncismo
A primeira dessas recordações é que a eleição de Coimbra se dera ainda no findar da era do coronelismo político. Os governantes eram cercados de jagunços e muita polícia a guardar os palácios. Um estilo herdado ainda da era Getúlio Vargas.

Liberal, o primeiro ato de Coimbra, como Governador, foi espantar os jagunços e retirar todas as forças policiais da frente do Palácio das Esmeraldas, deixando-o de portas abertas ao povo. Recebeu severas críticas e uma acirrada oposição dos coronéis do antigo PSD, por ele apeados do poder.

Ao contrário de se ofender com as críticas corriqueiras que recebia as acolhia. Ingenuamente, dentro de sua liberalidade democrática, chamava seus detratores a colaborar com o governo e oferecer soluções para aquilo que julgavam errado. Só que caíra no ninho de velhas raposas a espreitar o galinheiro. Muitos adversários passaram a fingir que o apoiavam para conspirar e sabotar sua gestão, trazendo grandes dificuldades aos seus projetos.
 
A revolta de Caiapônia
Nesse período, um dos episódios que o próprio Coimbra me contou pessoalmente, quando era Senador e eu jornalista, ocorreu na cidade de Caiapônia. Importante centro político dos antigos coronéis do PSD, armaram uma conspiração para derrubar o Governador. Reuniram 140 jagunços armados e prepararam a marcha para a ocupação do Palácio das Esmeraldas.

Avisado do golpe, como o efetivo da Polícia Militar do Estado era menor que o de jagunços contratados, tinha que inventar alguma estratégia para defender seu quadrado. O que fez: enchera os três aviões teco-teco do estado com panfletos com os dizeres: “O Exército está a caminho de Caiapônia. Vamos matar somente os jagunços. A população pode ficar tranquila, que nada de mal lhe causará”.

Desses aviões um deu defeito e só dois levantaram voo rumo à cidade do sudoeste goiano, e cumpriram sua missão. Não acreditando no blefe, os coronéis revoltosos mandaram um de seus aviões sobrevoar as estradas para confirmar o dito nos panfletos.

Nesse intervalo o Governador já havia mandado toldar quatro caminhões com lonas ao estilo dos comboios militares. Colocou soldados com fuzis à mão no alto da boleia, escorados aos toldos das carrocerias, bem visíveis à percepção de quem os avistasse, especialmente de longe. O comboio parecia imenso ante a poeira que levantava na estrada sem asfalto.

Não deu outra, os jagunços fugiram em desabalada correria e estão até hoje fugindo.

Fecho do episódio: o coronel Arnaldo Sarmento, comandante da Polícia Militar de Goiás, chefiou a missão, com a ordem de pender os líderes políticos revoltosos, com a expressa recomendação de não fazer qualquer arbitrariedade ou violência.

Missão cumprida o coronel Arnaldo se apresenta ao Governador. Coimbra lhe pergunta:
– Você não fez nenhuma arbitrariedade como recomendei?
O Coronel meio desajeitado respondeu:
- Não Governador! Apenas prendi os líderes e os amarrei nus na praça. Só que não resisti e dei neles umas boas chibatadas.
 
Não mexam com a Primeira Dama
Recatada e do lar a Primeira Dama, dona Ambrosina, era muito chegada ao assistencialismo social e por isso querida da população. Adorava pássaros, especialmente os lindos pavões que habitavam os jardins do Palácio das Esmeraldas.

Desavisado, um jornalista do Rio de Janeiro aportara em Goiânia com o objetivo de criticar o Governador e descobrir seus malfeitos, por encomenda da oposição. Seu nome - D ?Almeida Ficher. Fofoqueiro, ao invés de se limitar às prováveis denúncias contra o Governador, foi além e começou a fustigar a esposa de Coimbra. Um dia escrevera um artigo dizendo que ela estava gorda por comer os pavões do Palácio.

O Governador, embora muito tolerante com a oposição, sentiu que pisaram no seu calo. Sentiu-se ofendido pelas levianas insinuações à sua mulher. Saiu em mangas de camisa, com seus 1,90 de altura e bem encorpado, rumo ao Grande Hotel onde o jornalista se hospedara. Desceu a avenida Goiás soltando fumaças pelas narinas, com intenção de esgoelar o detrator. Assim que chegou à hospedaria, o jornalista fora avisado de sua presença e nem pestanejou. Mesmo baixinho e gordinho, saltou pela janela de seu quarto, no primeiro andar, e fugiu, deixando até as malas para traz. Nunca mais foi visto.
 
Um rico que queria ficar pobre e não conseguia
Muito rico, Coimbra Bueno queria ficar pobre. Especialmente para se livrar das explorações da UDN, que era mantida por ele com muitas despesas. Inclusive a sede e funcionários. Imaginou dilapidar seu patrimônio. Possuía vários loteamentos, recebidos como pagamento pela construção de Goiânia e uma grande área de terras no ponto mais alto e plano da cidade.

A doação do grande imóvel seria o início de sua pobreza. Procurou o governador Pedro Ludovico Teixeira, seu adversário político, e lhe ofereceu doar o terreno de graça, para ali se construir o aeroporto de Goiânia, cuja topografia o tornava ideal para isso. O Governador, suspeitando de malandragem política de tão generosa oferta, a recusou e escolheu outro local para o campo de pouso, na fazenda Santa Genoveva, de outro udenista, o médico Altamiro de Moura Pacheco, que também doara o imóvel.

Aí Coimbra teve que continuar dono da área. Dividiu-a em 3.500 lotes, resolveu homenagear o Governador colocando, no loteamento, o nome de Pedro Ludovico, que passou a se somar aos setores Coimbra e Bueno. O tiro da pobreza saiu pela culatra, pois aumentou ainda mais sua fortuna.
 
Rádio Brasil Central pela mudança da capital para Brasília
Em 1950 Jerônimo Coimbra Bueno criou a Rádio Brasil Central, maior em potência que a Rádio Nacional. Seu lema “Rádio Brasil Central, fundação Coimbra Bueno pela nova capital no Planalto Central”, sete anos antes de JK ser presidente. Juscelino ainda era Governador de Minas Gerais e nem cogitava disputar o mais alto posto da política brasileira, acredita-se.

Iniciou, assim, sua saga pela mudança da capital do País, do Rio de Janeiro para o Planalto do Central. Sustentou essa luta até l657, quando Juscelino Kubitschek iniciou a construção de Brasília.

Jerônimo Coimbra Bueno morreu em 1996, com 86 anos de idade, na cidade do Rio de Janeiro, onde residia.
 
*José Osório Naves é jornalista e escritor, presidiu o Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado de Goiás por três mandatos consecutivos (1965-1974)

Comentários

Clique aqui para comentar
Nome: E-mail: Mensagem:
  • 31.10.2022 12:33 DELIANE FARIAS DA SILVA

    Que bela história. Depois da derrota de ontem somente lendo uma historia assim para reconfortar e ainda continuar acreditando, Como nós brasileiros gostamos do retrocesso, essa ideia de escoamento da produção agrícola parece fantástica.

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351