Temos assistido, atônitos, ao crescimento exponencial dos casos de Covid-19 (coronavírus), o que tem deixado a população mundial em estado máximo de alerta.
A gravidade e incertezas acerca da doença fizeram com que a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarasse pandemia para o Covid-19, que é quando ocorre a disseminação intercontinental do vírus.
No Brasil, com o estado de calamidade praticamente formalizado, as autoridades governamentais corretamente estão adotando medidas para instituir o isolamento social e tentar “achatar” a curva de contágio, possibilitando ao sistema público de saúde comportar o tratamento de doentes com complicações.
O cenário da saúde pública desenhado pelo coronavírus é extremamente preocupante, mas o impacto na economia já é visto por especialistas como sendo de tragédia.
Nesse ambiente, é forçoso concluir que várias das relações contratuais vigentes serão comprometidas. O que se imagina é que empresas e pessoas físicas inadimplam suas obrigações contratuais em decorrência da pandemia.
Diante disso, a pergunta que muitos se fazem é se seria possível ou não a rescisão antecipada de contratos firmados com terceiros, sem culpa e imposição de penalidades contratuais.
A resposta requer um certo trabalho interpretativo, devendo ser analisada uma série de aspectos legais e de natureza contratual, cujo detalhamento escapa um pouco do objetivo desse texto.
No entanto, a resposta para a pergunta é: sim, é possível a rescisão antecipada, exceto se houver cláusula específica em contrário ou, em razão de sua própria natureza, o contrato abranja situações de caso fortuito e/ou força maior como é o caso da emergência global de saúde pública, o que seria considerado prioritariamente em relação à lei.
Essa conclusão é possível porque, com os prejuízos causados pelo coronavírus, vários contratos se tornaram(ão) excessivamente onerosos para uma das partes, ou mesmo perderão a razão de existir. Daí em diante, a interpretação jurídica deve levar em conta um juízo de razoabilidade, avaliando as expectativas decorrentes do contrato.
É o que estudiosos do Direito Civil brasileiro têm chamado de teste da vontade presumível, que tem como base a racionalidade econômica descrita no artigo 113, §1º, V do Código Civil.
Resumidamente, significa verificar, no caso concreto, se as partes autorizariam a rescisão contratual caso pudessem prever que um problema como esse, ou seja, uma pandemia de proporções globais e com adoção de medidas drásticas de contenção pelo governo, impactaria ou inviabilizaria o negócio firmado.
Portanto, o que se entende em um primeiro momento é que a situação causada pelo novo coronavírus seria capaz de autorizar a rescisão antecipada sem culpa, em contratos cuja utilidade tenha se esvaído ou o objeto tenha se tornado impossível.
Contudo, a regra geral deve ser a de conservação do negócio jurídico, mesmo porque a atual situação exige das pessoas e das empresas algo bastante diferente de encontrar na letra fria da lei mecanismos para diminuir prejuízos individuais. Mais do que nunca é preciso resiliência e solidariedade financeira.
Na esteira dos apelos e campanhas que estão sendo divulgadas nas redes sociais, é primordial que os contratantes prezem pelo bom senso e exerçam com muita sabedoria um juízo de razoabilidade, na tentativa de manter vigentes contratos firmados, ainda que sejam necessárias revisões e/ou alterações, por exemplo, adiar a prestação do serviço, prorrogar vencimento, diminuir valores, escala de fornecimento e outros.
Ainda é muito cedo para dimensionar o real impacto da pandemia de coronavírus nos negócios e na economia. Mas é importante que parceiros contratuais busquem, rapidamente, adotar medidas para mitigar custos e perdas de negócios futuros.
Essa colaboração, além de trazer resultados mais efetivos, por ora é a única solução efetivamente capaz de proteger as relações comerciais atuais e futuras, até que possamos ter notícias e dias melhores.
*Artur Bahia é advogado