O Ministério da Educação (MEC) anunciou, recentemente, medidas que restringem a oferta de cursos de graduação na modalidade a distância (EAD), sobretudo em áreas como Direito, Psicologia, Enfermagem, Odontologia, entre outras que exigem forte componente prático e presencial. A decisão marca uma inflexão na tendência de crescimento acelerado do ensino superior EAD no Brasil, que nos últimos anos superou, em número de ingressantes, os cursos presenciais.
A medida, segundo o MEC, visa garantir a qualidade da formação dos futuros profissionais, sobretudo em áreas cuja atuação envolve diretamente a vida, a saúde e o bem-estar das pessoas. O objetivo é evitar a formação de profissionais com lacunas práticas e teóricas decorrentes de modelos pedagógicos excessivamente remotos.
Impactos para quem trabalha e estuda
Para muitos brasileiros, especialmente adultos que conciliam estudos com jornada de trabalho, o EAD foi uma alternativa viável, acessível e flexível. A limitação de sua oferta em determinados cursos pode representar um desafio real: o aumento da dificuldade para frequentar aulas presenciais, deslocar-se até instituições de ensino e reorganizar rotinas já apertadas.
Por outro lado, a decisão não implica o fim do EAD como um todo, mas sim sua regulação. O MEC pretende garantir que ele seja usado com responsabilidade e nos contextos pedagógicos adequados. Cursos com forte componente teórico, como Administração, Pedagogia ou Ciências Contábeis, continuam autorizados, embora sob avaliação mais rigorosa.
Um mundo digital, mas nem sempre prático
Vivemos em uma sociedade digitalmente conectada, na qual tecnologias educacionais têm se mostrado cada vez mais avançadas. Plataformas de ensino online, inteligência artificial, realidade aumentada e simuladores tornam possível, em muitos casos, uma formação de qualidade fora do modelo tradicional.
No entanto, há limites. A prática clínica de um psicólogo, o manuseio de instrumentos de um dentista ou a atuação de um enfermeiro não podem ser plenamente simulados em ambiente virtual. A interação humana, a ética profissional, o raciocínio clínico e o trabalho em equipe são competências que exigem presença, vivência e supervisão direta.
Portanto, embora o mundo digital traga oportunidades inegáveis, o contato humano e a prática supervisionada permanecem insubstituíveis em determinadas profissões.
Reflexos no mercado de trabalho
Do ponto de vista do mercado de trabalho, a medida pode ser vista como um avanço. Empregadores têm demonstrado preocupação com a qualidade da formação de profissionais recém-egressos de cursos exclusivamente virtuais. A limitação do EAD em áreas críticas tende a valorizar os diplomas obtidos com maior rigor acadêmico e prático, além de gerar maior confiança em relação à competência técnica dos novos profissionais.
Além disso, a medida pode contribuir para reduzir a saturação de algumas profissões, provocada pela proliferação de cursos de baixa qualidade e alta evasão. Isso pode, no médio prazo, reequilibrar a oferta de profissionais e elevar o padrão da educação superior brasileira.
Caminho para o futuro
As mudanças anunciadas pelo MEC indicam um reposicionamento estratégico: não se trata de retroceder no uso da tecnologia, mas de usá-la com mais critério. A educação do futuro será, inevitavelmente, híbrida — combinando o melhor do presencial com as inovações do digital.
Cabe agora às instituições de ensino adaptarem seus modelos, aos alunos se organizarem para essa nova realidade, e ao poder público garantir acesso, qualidade e equidade nas oportunidades educacionais.
A decisão de frear o avanço indiscriminado do EAD, ao que tudo indica, pode ser um passo importante rumo a uma educação mais responsável, conectada não apenas às tecnologias, mas, sobretudo, às necessidades concretas da sociedade.
*Ralph Rangel é desenvolvedor de software, professor em cursos de MBA. Foi Superintendente na Secretaria de Educação e Cultura do Estado de Goiás. Foi Secretário Executivo na Secretaria de Inovação, Ciência e Tecnologia do Município de Goiânia.