Nádia Junqueira
Aldeia Tuatuari, Parque Indígena do Xingu - Dinheiro não passa de papel na Aldeia Tuatuari. A moeda praticamente não tem valor de troca por lá. Fora dali (a começar pelo transporte para chegar à outra aldeia ou cidade), sim, o dinheiro faz sentido. Isso não significa, no entanto, que não haja trocas. Moitará, em Tupi, ou Uluti, em Yawalapiti, é prática comum na aldeia e entre outras do Alto Xingu. Um cinto feminino de fibra de buriti, usado pelas mulheres nas festas, por exemplo, pode ser facilmente trocado por uma havaiana.
As trocas podem acontecer de uma pessoa para outra; alguém pode realizar um Moitará em sua casa e convidar outras pessoas para participarem ou pode haver uma troca ainda maior, entre aldeias. Uma aldeia, por exemplo, que produz cerâmica, faz boas trocas com outra que produz muitas redes.
Naturalmente, não são apenas produtos não utilizados que entram no jogo, mas aquilo que não tem mais utilidade para uma família ou pessoa. Além disso, a troca não se dá somente por produtos, mas por ações ou favores. Emília Simón, visitante da aldeia Tuatuari, trocou um óculos de sol em um corte de cabelo indígena, por exemplo.
Como funciona
Os Yawalapitis gostam bastante dessa troca. Quando brancos estão visitando a aldeia, o Moitará é quase certo. Uma sandália linda da Carmen Steffens, por exemplo, pode não ter valor algum para eles, mas uma havaiana pode render um bom colar de miçangas. Éramos quatro não-índios visitando a aldeia e somente uma de nós soube, pouco antes de irmos para lá, do que se tratava a troca e algumas coisas que eles gostavam. Ela comprou alguns produtos que lhes agradavam, insuficientes para tudo que queríamos adquirir. O resultado foi que voltamos praticamente sem nada. Pouco voltou dos pertences pessoais.
Como os índios da aldeia Tuatuari gostam muito do Moitará, rapidamente a casa de Ana (quem promoveu a troca para nós, não-índios) se encheu de gente. Além de ser a tradutora (poucos ali falavam português), Ana nos dava a noção do quê valia o quê. Por exemplo, colocávamos um vestido elastex no tapete estendido no chão e perguntavam: o que querem nesse vestido? “Um colar de caramujo”, respondíamos. Elas falavam que era pouco e aumentávamos a oferta: mais um par de havaianas, um saco de miçangas, dois sabonetes e uma mala. Aí, sim, a troca estava feita.
O que faz sucesso
Para as mulheres, o que mais faz sucesso são os vestidos de elastex no busto e com estampa bem floral. Práticos para amamentar as crianças, são os favoritos entre as índias. E também entre as moças que ainda não têm filhos. De nada adianta mostrar um lindo vestido que não se enquadre nesse padrão; dificilmente fará sucesso. Com cinco vestidos desses, por exemplo, é possível adquirir um colar de caramujo, chamado de jóia do Xingu, que equivale, para nós, a uma jóia H. Stern ou Vivara.
Vestidos com estampa floral fazem sucesso entre as mulheres (Foto: Nádia Junqueira)
Sem vestidos suficientes e, muito menos, sem saber do sucesso desse modelo, troquei minha barraca pequena e roupas de bebê em troca desse colar. As roupas, claro, eu não tinha ali. Quem me vendeu conta com minha palavra que enviarei para um endereço em Canarana. A confiança, em geral, é a base da troca. Uma índia pegava um produto e, mais tarde, voltava com o prometido.
Sabonetes fazem a alegria dos índios. São trocados facilmente por colares e pulseiras de miçangas. Doces fazem sucesso entre as crianças e também entre adultos. Apesar de ser uma das “comidas de brancos” mais prejudicais a saúde dos índios (diabetes nos adultos e cáries nas crianças), o doce faz sucesso: chocolate, goiabada, bananada ou doce de leite. Toalhas e barracas também são muito bem quistos. As barracas são bem úteis a eles quando há festas em outras aldeias e eles devem acampar nos quintais.
Troca de homens
Os homens gostam muito de atum e isso pode ser trocado, por exemplo, por um cata-vento. Chuteiras de cravo ou celulares que tiram fotos e tocam músicas também podem render bons produtos mais caros. Linhas para pesca, anzol e meias também agradam os homens. Rafael Tokarski, que fez um bom Moitará entre os homens, levou até mesmo o cinto utilizado por um lutador de Huka-huka durante o último Kuarup dos Yawalapitis, no dia 19 de agosto.
Catavento é um dos ítens de troca valorizado entre homens (Foto:Nádia Junqueira)
A festa é feita para os mortos recentes da aldeia. Quando alguém morre, seis pessoas se encarregam de seu funeral e pedem à sua família para realizar a festa a ela. Depois de um ano o evento é realizado, com muita dança, música, luta, comida em abundância e muita homenagem ao morto. Pessoas de diversas aldeias vêm de longe comemorar o Kuarup. Esse ano houve homenagem para um dos mortos da aldeia e, aproveitando a festa, homenagearam Darcy Ribeiro.
Caso receba um convite para visitar uma aldeia no Alto Xingu, lembre-se de levar uma mala com esses produtos acima citados. É certo que fará um Moitará bem sucedido. Não se esqueça, por outro lado, de levar presentes para quem te receberá e família do cacique. Eles gostam de presentear e, também, de serem presenteados.