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Fabrícia Hamu
Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com / jornalistas@aredacao.com.br

INSPIRAÇÃO

Mulheres de fibra

| 07.04.17 - 12:08
 
Querida Célia,
 
Até hoje me lembro do seu susto ao saber que eu tinha fibromialgia. Você me mandou um e-mail dizendo que havia adorado um texto que escrevi aqui, e que admirava meu bom humor e minha coragem. Na verdade, a palavra exata que você usou foi “invejava”, porque como tinha fibromialgia, muitas vezes você se sentia deprimida e sem forças para viver.
 
Nós e nossos estigmas. Se eu te dissesse quantas vezes sorri por fora, sangrando de dor por dentro, você não acreditaria. Você me pediu para escrever sobre fibromialgia, porque achava que ainda era algo misterioso, quase um tabu. Não posso falar sobre esse mal que nos aflige, porque não sou médica. Posso falar somente da minha experiência convivendo com ele.
 
Tenho fibromialgia desde 2009, mas ela foi diagnosticada apenas no final de 2012. Passei quatro anos peregrinando por ortopedistas, reumatologistas, quiropratas, fisioterapeutas e mais uma infinidade de profissionais da área da saúde, até descobrir o problema. “O que dói?”, eles perguntavam. “Tudo”, eu respondia, enquanto me olhavam incrédulos. 
 
Na consulta em que finalmente tive o diagnóstico correto, o médico explicou: “Fibromialgia é uma síndrome, portanto não tem cura, apenas controle. Você possui 18 pontos dolorosos em todo o seu corpo. Seu limiar de dor é bem menor que o das outras pessoas. Quando estiver em crise, esses pontos vão dar sinal de alerta e te incomodar”.
 
E por que é que se entra em crise? “Os gatilhos geralmente são emocionais. Qualquer situação de estresse forte pode desencadear uma crise”, informou o reumatologista. Perguntei se eu estaria sofrendo, então, de uma “doença imaginária”. “De forma alguma. Os fatores psicológicos desencadeiam o problema, mas os sintomas são totalmente físicos e reais”, disse ele.
 
Muita gente já me perguntou quais são os sintomas da fibromialgia, e a melhor comparação que encontrei, é que ela se parece com uma dengue longa. Porque a dengue dura nove dias, mas uma crise de fibromialgia pode se estender por semanas, meses. Com exceção da febre, você sente aquela mesma dor insuportável nas articulações, o mal estar gástrico intenso e a enxaqueca do vírus. 
 
Depois do diagnóstico, fiz três anos de tratamento alopático, aquele da medicina tradicional. Tive períodos bons, outros nem tanto, e assim fui levando a vida. Até que em 2015, a fibromialgia se tornou incontrolável. Foi um ano difícil, marcado por graves problemas em várias áreas, e meu corpo não deixou por menos.
 
Passei um ano inteiro com fortes crises. Dezembro foi o pior mês. A dor era tão forte, que causava náuseas e vômitos. Eu vomitava tanto, que ficava desidratada e com enxaqueca. Logo eu, que nunca fui de entregar os pontos, acabei de cama. Precisei, literalmente, de colo de mãe. Passei um mês na casa dela, porque não dava conta de levantar nem para beber água.
 
O réveillon de 2015 para 2016 foi um marco. Nós duas, na sacada do apartamento, vendo os fogos, sozinhas, e eu sentindo dor. Cheguei à conclusão que aquilo não era vida e decidi buscar outras formas de tratamento. Procurei um médico homeopata que me indicaram e decidi fazer o que fosse preciso para não mais ser escrava da fibromialgia.
 
Na minha primeira consulta, ele me mandou suspender o consumo de qualquer proteína de origem animal. Sendo eu um dos seres mais carnívoros do universo, tive de me tornar vegana da noite para o dia. Ele explicou que a proteína animal agravava muito os quadros de dor e inflamação no organismo. Meu desafio: trinta dias sem comer nadinha dela, tomando os remédios manipulados e fazendo ioga.
 
Nos primeiros dias com alimentação vegana, a dor cessou e a enxaqueca nunca mais voltou. Com a ioga e os remédios homeopáticos, a insônia também foi embora e fui recuperando, pouco a pouco, o vigor e a tranquilidade. Aqui, faço uma observação: não estou dizendo, de forma alguma, que a alopatia não funciona. Cada organismo reage de uma forma a um tipo de tratamento e, seja com um alopata ou homeopata, o fundamental é que você tenha acompanhamento médico para controlar as crises.
 
Aos poucos, reintroduzi a proteína animal e hoje tenho uma dieta normal. Só restringi bastante a carne vermelha e tento, bravamente, diminuir o açúcar. Hoje comemoro um ano sem crises. Às vezes, sinto o pescoço ou a coluna travarem um pouco, mas coloco em prática as recomendações do médico e logo tudo volta ao normal.
 
A fibromialgia me ensinou muito. Quem vê uma mulher com a síndrome – porque ela atinge majoritariamente o sexo feminino -, logo pensa que é alguém muito frágil. Mas é exatamente o contrário. Mulheres com fibromialgia geralmente enfrentaram longos e intensos períodos de dor emocional, sem se deixar abater nem expressar seu sofrimento. O corpo apenas manifestou, num determinado momento, o que a alma suportou por bastante tempo calada e resignada.
 
“Meu Deus, não sei como ela aguenta tudo isso sem reclamar. Eu já teria surtado”. Essa é a forma mais frequente como as outras pessoas se referem a nós. Nos grupos de apoio, chamamos a fibromialgia de “fibro”. Aprendi que não somos de fibro, mas de fibra. É justamente por termos tanta coragem e dureza diante dos problemas, que uma hora somos forçadas a compreender que não podemos carregar o mundo nas costas e que precisamos de ajuda.
 
Dentre todas as lições que a fibro me trouxe, as mais preciosas são: não engolir meu sofrimento, mas manifestá-lo, para que ele deixe de intoxicar meu corpo e minha alma; não assumir mais responsabilidades do que posso, porque isso me sobrecarrega, gera tensão e também causa dor; não ser cruel comigo mesma, deixando de exercer um nível de perfeccionismo inalcançável e entendendo que em todas as situações faço o melhor que consigo, e que isso deve ser o bastante. 
 
Sobretudo, aprendi a me livrar de pessoas e situações tóxicas, onde não existe troca nem crescimento, mas unicamente relações de lucro, em que alguém ou algo apenas me suga e nada devolve. Creio que essa foi a lição mais difícil, porque, geralmente, só nos causa tanta dor emocional quem está muito perto, e romper laços de intimidade é sempre doloroso. 
 
Antes eu via a fibromialgia como uma maldição. Hoje, eu a encaro como uma aliada. Todas as vezes que sinto o início de uma crise, é ela me perguntando: “O que está fazendo seu coração doer? Que sofrimento você traz aí dentro, que não está dividindo nem se permitindo obter a cura?”. Paro, reflito, e, via de regra, sempre encontro uma resposta que muda tudo.
 
Por causa da fibro, mudei a forma como me vejo. Antes, eu me considerava um saco de estopa, bem rústico, onde devia caber tudo e que poderia ser arrastado por todo mundo, para qualquer lugar, mesmo que acabasse rasgando ou se rompendo por completo. Agora, me vejo como um vaso de cristal. Dentro dele, há uma orquídea muito rara, que precisa ter sua água permanentemente limpa e renovada. Tenho muito prazer um cuidar dela e evitar que a água fique turva. Tenho muito orgulho em ver me florescer em meio ao caos. Sei que você também terá de si mesma.
 
Um grande beijo,
 
Fabrícia
 
P.S 1 – Leia este texto ouvindo “Serra do Luar”, com Leila Pinheiro;
P.S 2- Texto baseado em carta da leitora, cujo nome foi trocado para preservar sua privacidade.
 

Comentários

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  • 26.04.2017 16:11 Marcelo

    Que lucha Fabrícia! Parabéns pelo texto. A maioria das doenças tem esse lado emocional que a todos nos toca. Limpeza de alma e espirito são fundamentais na vida.

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Fabrícia Hamu
Fabrícia Hamu

Jornalista formada pela UFG e mestre em Relações Internacionais pela Université de Liège (Bélgica) / fabriciahamu@hotmail.com / jornalistas@aredacao.com.br

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