José Abrão
Goiânia – “Abrimos as portas já durante a pandemia, em dezembro de 2020, então passamos por etapas de ocupação muito restritas. Todo o ecossistema do turismo foi impactado”. A afirmação é de Ana Clara Lima, proprietária da Villaê Pousada, em Pirenópolis, um dos mais movimentados destinos turísticos de Goiás. O relato da empresária reproduz o depoimento de empresários de todas as partes do mundo, porém, os pequenos negócios, principalmente aqueles ligados aos setores de turismo e entretenimento, sentiram um baque ainda maior entre 2020 e 2022. Agora em 2023, esses setores dão sinais de reaquecimento, e não é à toa: além de uma demanda acumulada, ações de capacitação e fomento ajudam prefeituras, comunidades tradicionais, guias e donos de pousadas e restaurantes a recuperar a economia de suas cidades, assim como a renda e o trabalho de suas populações.
Um projeto guarda-chuva de tudo isso no Estado foi o Goiás Turismo 4.0, lançado em 2021 pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de Goiás (Sebrae GO) em parceria com a Goiás Turismo, com estratégia de inteligência de gestão, mapeamento, estudos e análises. A iniciativa se desdobrou em 2022 e em 2023 no Programa de Qualificação Turismo Goiás 4.0, oferecendo qualificação com cursos especializados para gestores de turismo, além de palestras e oficinas com convidados renomados.
Não demorou para que os resultados começassem a ser colhidos. O turismo goiano cresceu 16,6% em 2022 em relação a 2021, segundo pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A receita proveniente do setor teve alta de 33,1% no Estado no mesmo período. Em dezembro do ano passado, o turismo em Goiás teve uma expansão de 6,2%, maior que a média nacional, que foi de 3,2%. Ainda segundo o IBGE, em 2023 o setor em Goiás já acumula um crescimento de 10,8%. "Mais de 90% dos negócios de turismo são pequenas e microempresas. Nós atuamos na formatação de novos produtos, capacitação e profissionalização", enfatiza Priscila Vilarinho, analista e gestora de Turismo do Sebrae Goiás. "Nosso índice de crescimento do turismo tem sido acima da média nacional. O aumento do turismo regional por acesso rodoviário mostra que Goiânia, Anápolis e Brasília estão consumindo os destinos mais próximos", acrescenta.
Realidade experimentada e comemorada por quem mantém pousadas e hotéis no interior do Estado. "A sensação de instabilidade parece que deu uma acalmada. Sinto que as pessoas estão com mais confiança e o turismo está retornando. Entramos em junho com a expectativa alta, já que começa a época de alta demanda, que segue até outubro”, conta Ana Clara, que destaca a movimentação mais intensa na cidade de Pirenópolis. Outra iniciativa do Sebrae Goiás foi uma parceria com diversas prefeituras para prestar consultoria e cursos para a população. A ação também visa desenvolver um plano para o turismo para os próximos cinco anos, e Pirenópolis está entre as cidades contempladas.
Foram oferecidos programas de qualificação, com cursos técnicos e profissionalizantes, além da Sala do Empreendedor, que busca auxiliar os trabalhadores informais do setor de turismo a se formalizarem e se tornarem mais capacitados. “Todas estas iniciativas estão tentando profissionalizar cada vez mais o turismo aqui da cidade, toda a cadeia em todos os seus níveis. Eu mesma participei do programa de agente local de inovação. Há uma forte movimentação no sentido de desenvolver um olhar de longo prazo para a cidade”, completa Ana Clara.
A empresária Ana Clara Lima (Foto: acervo pessoal)
Além disso, Pirenópolis é uma das 11 cidades do programa Futuro do Brasil de turismo inovador, desenvolvido pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e pelo Sebrae. Ana Clara conta que o município já sente os efeitos do projeto. “É um programa sério que leva a cidade para outro patamar e que está preocupado com o crescimento turístico e também com sustentabilidade”.
Outro local que passou pela consultoria para desenvolver seu novo plano municipal de turismo e que já começa a colocá-lo em prática é a cidade de Goiás. “Essa parceria com a prefeitura constatou que o plano municipal de turismo era antigo e defasado, então juntos nós construímos o que, de fato, o turismo precisava para crescer na cidade de Goiás. Foi uma construção coletiva muito bonita mesmo. Ele foi acatado por todos e hoje já estamos discutindo estratégias para alcançar as metas do plano”, conta Jhonatan Soares Campos, fundador da Goyazes Turismo, que atua na cidade de Goiás e, principalmente, em experiências no Caminho de Cora Coralina.
Segundo Jhonatan, houve uma grande preocupação em capacitar e incluir a população local do centro histórico. “O plano qualifica os moradores da cidade de Goiás para receber turistas, para empreender no turismo, e suas empresas turísticas são orientadas e apoiadas pela prefeitura e pelo Sebrae. Goiás é uma cidade muito tranquila, muito pacata e muito segura. A maioria dos empresários e do povo daqui preza muito por isso. Se a gente souber direcionar agora o fenômeno turístico de forma responsável, vamos conseguir construir diversos produtos muito ricos, muito benéficos para a cidade”, avalia.
O agente de turismo Jhonatan Campos (Foto: acervo pessoal)
Chapada dos Veadeiros
Também há a intenção de atrair para o Estado mais gente de fora do país, buscando fontes para além de Goiânia e Brasília. O Brasil já recebeu 2,3 milhões de turistas estrangeiros nos três primeiros meses de 2023, número superior ao período de pré-pandemia, segundo a Agência Brasileira de Promoção Internacional do Turismo (Embratur).
Com isso em mente, a Agência e o Sebrae realizaram entre os dias 22 e 29 de maio uma press trip: uma viagem com jornalistas internacionais convidados da Argentina, do Chile e do Peru que conheceram Brasília, Pirenópolis e a Chapada dos Veadeiros. A região da Chapada, inclusive, tem crescido com foco no turismo ecológico e também cultural, tanto pelo contato com a natureza quanto com as comunidades tradicionais do Quilombo Kalunga.
Richard Avolio, dono da pousada Vale das Araras, em Cavalcante, atua na área há mais de 20 anos. Além de hospedagem, ele oferece trilhas e passeios em cachoeiras aos visitantes em sua Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Em maio, ele foi até Bonito (MS) participar de um ciclo de debates chamado Inspira Ecoturismo, também realizado com apoio do Sebrae. O objetivo foi agregar mais ideias para atração de novos visitantes à cidade goiana.
Richard em sua pousada em Cavalcante (Foto: acervo pessoal)
“Os setores de turismo e de entretenimento foram os mais afetados pela pandemia. Reabrimos em abril de 2022, tivemos um fluxo muito alto, uma procura muito expressiva. De lá pra cá estamos batendo alguns recordes de ocupação”, relata Richard. “As pessoas vêm aqui conhecer a cultura, participar da vivência. Há essa outra vertente que é um componente forte do ecoturismo também. O ecoturismo é tendência, e sentimos isso desde a reabertura. As pessoas estão buscando mais experiências e o turismo está aí para desempenhar esse papel. No caso do turismo ecológico, podemos oferecer um contato imersivo com a natureza e com povos tradicionais”, completa.
Adriano Paulino da Silva, presidente da Associação Comunitária Kalunga do Engenho II (AKCE), também em Cavalcante, é condutor de visitantes no quilombo e relata que o apoio e a capacitação ajudaram na retomada das atividades de forma sustentável e que beneficiou toda a comunidade.
“O impacto que o turismo trouxe para a nossa região é grande. Nós executamos um turismo de base comunitária em que a gente aprende cada vez mais todos os dias, são sempre experiências novas. O turismo traz empreendedorismo para nós de forma direta e indireta. Temos guias, restaurantes, pousadas e traslados. É uma cadeia gigantesca muito importante no nosso dia a dia”, afirma.
As cachoeiras estão entre os atrativos do quilombo Kalunga (Foto: AKCE)
Adriano também fez uma capacitação do Sebrae através do RuralTur. “Foi muito importante para ver como o turismo era organizado e estruturado. Quando voltamos para casa, percebemos algumas falhas que conseguimos corrigir para melhorar cada vez mais a experiência do nosso turismo. Foi uma oficina que beneficiou o nosso turismo de base comunitária, incluindo toda a comunidade”.
Segundo Adriano, a estruturação permitiu oferecer uma vivência especial aos visitantes. "Proporcionamos experiências por meio da nossa culinária, da história e da cultura do nosso quilombo. É uma experiência, de fato, única. O turismo é muito importante para nós não apenas economicamente, pois nos estimula a preservar [o meio ambiente]. É algo que vem melhorando cada vez mais”, completa ao destacar que a ideia é buscar ações que sempre estimulem cada vez mais a atração de novos visitantes às terras goianas.