Entre os mais influentes da web em Goiás pelo 12º ano seguido. Confira nossos prêmios.

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351

Justiça

Déficit de juízes atrasa mais de 1,5 milhão de processos em Goiás

Faltam ao menos 92 magistrados em todo Estado | 25.08.13 - 17:11 Déficit de juízes atrasa mais de 1,5 milhão de processos em Goiás (Foto: Wagner Soares/TJ-Go)
 
Nádia Junqueira 
 
Goiânia - Em 2008, Frederico Vaz entrou com um processo na justiça em Pires do Rio. Recebeu um terreno de herança e uma pessoa da família ficou encarregada de vendê-lo. A negociação foi concluída, mas Frederico nunca recebeu o dinheiro. 
 
De lá para cá, houve uma audiência em que ficou acertado que receberia o valor parcelado. Recebeu a primeira parte e nenhuma mais. Depois, entrou com processo para penhorar as terras. Até agora, nenhum retorno. Seu processo, inclusive, foi arquivado por engano. 
 
Aos 28 anos, Frederico não trabalha e mora com os avós. Com o dinheiro da venda da terra, pensou que poderia abrir um negócio ou comprar um imóvel. “Mas o pior de tudo é o desgaste. Você corre atrás e nunca sabe quando vai resolver. Os advogados dizem que é causa ganha. Mas não sei quando”, desabafa.
 
“Mas o pior de tudo é o desgaste. Você corre atrás e nunca sabe quando vai resolver. Os advogados dizem que é causa ganha. Mas não sei quando”, Frederico Vaz (sobre seu processo que corre na justiça desde 2008)
 
Por trás dos dramas como de Frederico, está o déficit de juízes em todo o Estado: são 92 varas sem juízes titulares, fora a necessidade dos substitutos. No total, há um milhão e 600 mil processos aguardando julgamento. A situação no Norte e Nordeste do Estado é ainda mais crítica, região que não é atrativa para permanência dos profissionais. Assim que há vagas na região metropolitana ou Goiânia, eles logo se mudam.  
 
A saída para que as comarcas não fiquem totalmente sem atendimento é o deslocamento de juízes de uma cidade para outra no decorrer da semana. Por exemplo, a comarca de Campinorte está desprovida de juiz. A magistrada responsável atende às terças e quintas-feiras, porque ela é lotada em Uruaçu. Ou o mesmo juiz trabalha em mais de uma vara, como é o caso de Minaçu, onde existem três varas e uma juíza que conta com o auxílio de um juiz de Formoso. 
 
Rodrigo Fernandes, advogado que atua em Uruaçu, diz que não tem sido difícil trabalhar na cidade, cuja comarca está provida de juízes. No entanto, um deles está de férias, seguida de licença e depois se aposenta em março de 2014. Até então, nenhum juiz substituto assumiu a vacância. Por isso que, para o presidente da OAB-Goiás, Henrique Tibúrcio, são necessários em torno de 150, para que haja substitutos que possam ocupar vagas como essa de Uruaçu, de magistrados que tiram licença ou férias.

A saga do advogado
Rodrigo Fernandes trabalha não só em Uruaçu, mas em toda a região Norte do Estado, com clientes em Itapaci e Campinorte, por exemplo. Hoje ele tem em torno de mil processos em andamento. “Seguramente, 60% já estaria resolvido se as comarcas estivessem providas de juízes”, afirma.
 
“Nós somos a linha de frente. Nós que sentimos esse déficit. É o advogado que ouve os anseios da população”.
Rodrigo Fernandes, advogado
 
José Nonato, advogado em Bela Vista, tem cerca de 200 processos, alguns em andamento há mais de seis anos. Ele afirma que seria ideal que a cidade tivesse, pelo menos, dois juízes efetivos. São cerca de cinco mil processos aguardando julgamento.  “Quem perde é a população. Depois, o prejuízo é nosso. Dependemos do término do processo para que possamos ser remunerados”, pontua. Os advogados de Frederico, por exemplo, até hoje não cobraram nada dele. Depois de seis anos trabalhando, ainda aguardam o fim do processo para que possam ser remunerados. 
 
Tibúrcio cita casos que deveriam ter rápido julgamento, como as medidas cautelares, sequestro, busca e apreensão e pensão alimentícia. “A pessoa pode passar fome”, comenta. “Cliente não consegue entender e credita ao advogado o problema. É difícil explicar que algo urgente demore três ou quatro anos”, comenta. 
 
O advogado José Nonato também comenta como a reputação dos profissionais é prejudicada com a lentidão dos julgamentos. “O cliente não entende que a falha está no judiciário. Acha que trabalhamos pouco ou não damos atenção ao seu processo. Assim prejudicamos nossa reputação”, reclama o advogado José Nonato. 
 
“O cliente não entende que a falha está no judiciário. Acha que trabalhamos pouco ou não damos atenção ao seu processo. Assim prejudicamos nossa reputação”.
José Nonato, advogado
 
Soluções em andamento
Atualmente, está em andamento concurso que deve selecionar 30 a 35 novos juízes para o Estado. O presidente-auxiliar do Tribunal de Justiça Carlos Magno, afirma que, tão logo esse concurso se encerre, outro edital já deve ser lançado. 
 
Apesar dos processos acumulados, ele afirma que esse número não tem aumentado. “Entravam mais processos do que julgávamos. Agora conseguimos julgar na mesma proporção, mas ainda há um acervo grande”, diz se referindo aos processos que se acumulam. 
 
De acordo com o juiz, outros projetos para extinguir o acervo do judiciário estão sendo planejados. É o caso do projeto “Acelerar”, que visa criar uma comissão para julgar processos de ações chamadas de “repetitivas”, como ações previdenciárias, revisão de contrato de veículos, seguro DPVAT e execuções fiscais. Hoje, 42% das demandas do Estado são dessa natureza. 
 
O presidente-auxiliar pontua que a falta de juízes não é característica só de Goiás. “Todos os tribunais do Brasil sofrem com esse problema. O concurso é difícil, deixou de ser atrativo. Há outras carreiras melhores, com melhores salários e estrutura. Recentemente, cinco magistrados pediram exoneração”, explicou.
 
Tibúrcio discorda. Para ele, essa carreira é uma das mais atraentes. “Não vejo porque essa ser a razão de um déficit. A magistratura tem uma das melhores remunerações”, diz. Atualmente, um juiz em Goiás recebe mais de R$20 mil.
 
Crescimento em proporções diferentes
O código judiciário que estabelece como deve ser a estrutura administrativa do judiciário é de 1980, quando a população de Goiás era de pouco mais de três milhões de habitantes.

Atualmente, esse número ultrapassa seis milhões, um aumento de mais de 190%. De lá para cá, leis isoladas modificaram o código, aumentando o número de varas, criando-se algumas comarcas, mas nenhuma reforma foi feita. 
 
Hoje, mais de 30 anos depois, tramita na comissão de organização do judiciário um novo código que prevê uma reforma administrativa. Algumas comarcas de trânsito inicial devem ser promovidas a intermediárias e algumas outras devem receber mais varas. É o caso de Aparecida de Goiânia, cuja população aumentou cerca de dez vezes de 1980 para cá.
 
Senador Canedo também é um município que passa por crescente expansão populacional. Sua emancipação política aconteceu somente em 1987. Em 1991, de acordo com o censo, a população era de 23.905 habitantes. Em 2010, de 84.443; um aumento de aproximadamente 353%. 

A comarca do município também deve ser expandida. Hoje, ela conta com duas varas e um juizado especial.  Para se ter uma idéia, o mesmo censo indica que Caldas Novas tem uma população menor que a de Senador, de 70.473 habitantes. Ainda assim, tem uma comarca com quatro varas e um juizado especial. 

O projeto de um novo código que prevê essa reestruturação administrativa, depois de elaborado pela comissão de organização do judiciário, deve ser encaminhado para Assembléia Legislativa.

Henrique Tibúrcio não acredita que dois concursos vão dar conta de suprir o déficit existente. Nem mesmo que o problema esteja no código judiciário. Ele credita o déficit a uma má gestão de recursos.

“A questão é simples de ser resolvida. A dificuldade está na gestão dos recursos e material humano. Hoje os recursos do Fundesp são usados para construção de novos fóruns, mas seria ideal que pudesse ser usado em recursos humanos, na contratação de magistrados”. É o que afirma o presidente da OAB se referindo ao Fundo de Reaparelhamento e Modernização do Poder Judiciário que arrecada cerca de R$200 milhões anualmente com taxas pagas em cada ação.  
 

Comentários

Clique aqui para comentar
Nome: E-mail: Mensagem:
Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351