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Henrique Tibúrcio e Lúcio Flávio Paiva (Fotos: Anna Stella/A Redação)Samuel Straioto
Goiânia - O ativismo judicial é um tema que levanta debates acalorados no Brasil, especialmente quando envolve o Supremo Tribunal Federal (STF). Reconhecido como o guardião da Constituição, o STF frequentemente toma decisões em questões polêmicas que repercutem diretamente na vida da sociedade. No entanto, sua atuação é alvo de críticas, com acusações de que o tribunal ultrapassa suas atribuições e desequilibra a relação entre os Poderes.
Em entrevista ao jornal A Redação, os ex-presidentes da OAB-Goiás Henrique Tibúrcio e Lúcio Flávio Paiva analisaram o ativismo judicial, destacando os impactos dessa prática tanto para a advocacia quanto para a democracia brasileira. Ambos convergem na necessidade de autocontenção por parte do STF, mas apontam perspectivas complementares sobre as razões e os limites deste fenômeno.
O que é ativismo judicial?
O ativismo judicial ocorre quando o Judiciário assume funções que vão além da aplicação e interpretação das leis, intervindo em questões legislativas ou executivas. Essa prática pode surgir como resposta a lacunas deixadas por outros Poderes, mas também gera questionamentos sobre seus impactos na democracia.
No Brasil, o STF tem exercido esse papel em diversas ocasiões, especialmente em temas sensíveis como direitos fundamentais e questões sociais. Entretanto, essa postura levanta o debate sobre até onde o tribunal deve avançar sem comprometer o equilíbrio institucional.
A inércia do Legislativo em abordar pautas controversas, como a descriminalização da maconha para uso pessoal e a união homoafetiva, é frequentemente citada como motivo para o protagonismo do Supremo. Contudo, críticos apontam que o excesso de intervenções gera instabilidade política e desconfiança na sociedade.
Casos emblemáticos de ativismo judicial
União Homoafetiva
O STF foi pioneiro ao reconhecer a união estável entre pessoas do mesmo sexo como uma entidade familiar, utilizando como base o princípio da igualdade da Constituição Federal. A decisão supriu anos de omissão do Legislativo, que evitava debater o tema devido a pressões conservadoras e ao custo político envolvido.
Esse julgamento foi celebrado por grupos que defendem os direitos humanos, mas também gerou críticas, especialmente de setores mais conservadores, que acusaram o Supremo de “legislar”. O caso evidenciou a dificuldade do Congresso em lidar com temas sensíveis e consolidou o STF como uma arena para a discussão de direitos fundamentais.
Descriminalização da maconha para uso pessoal
O STF discute há anos a descriminalização da maconha para uso pessoal, um tema que divide a sociedade brasileira. O tribunal analisou a constitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que criminaliza o porte de entorpecentes para consumo próprio.
O Tema 506 do STF destaca que será presumido usuário quem, para consumo próprio, adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, até 40 gramas de cannabis sativa ou seis plantas-fêmeas, até que o Congresso Nacional venha a legislar a respeito.
Enquanto grupos favoráveis apontam a medida como um passo necessário para reduzir a superlotação carcerária e tratar o usuário como questão de saúde pública, críticos temem que a descriminalização incentive o uso de drogas. O julgamento expõe a omissão do Legislativo em tratar de políticas públicas sobre drogas, empurrando o debate para o Judiciário.
Tabela do Frete
Outro caso de impacto social foi a decisão do STF sobre a constitucionalidade da tabela de fretes mínimos para transporte de cargas. A medida buscava proteger os caminhoneiros após a greve de 2018, mas gerou repercussões econômicas, especialmente entre empresários que alegavam interferência nos princípios de livre mercado.
O julgamento colocou o tribunal em uma posição de árbitro em um conflito entre setores da sociedade, gerando críticas de que o STF estaria se envolvendo em questões tipicamente executivas. Apesar disso, a decisão buscou equilibrar interesses econômicos e sociais.
Suspensão de Aplicativos
Decisões envolvendo o bloqueio de aplicativos como Telegram e WhatsApp também geraram ampla repercussão. O STF tomou essas medidas em resposta à desobediência das plataformas em colaborar com investigações judiciais.
Embora muitos considerem as suspensões necessárias para garantir a segurança pública, as ações foram criticadas por restringirem o acesso a ferramentas essenciais para milhões de brasileiros. Esse debate exemplifica a tensão entre o avanço tecnológico, a privacidade e a segurança.
Advogado Henrique Tibúrcio (Foto: Anna Stella/A Redação)
Henrique Tibúrcio: O ativismo como resposta à omissão
Henrique Tibúrcio contextualizou o ativismo judicial como uma prática que, embora muitas vezes criticada, surge como consequência da inércia dos outros Poderes. Para ele, o STF é frequentemente colocado em uma posição em que precisa decidir sobre questões relevantes para a sociedade, mas ignoradas pelo Congresso Nacional e, em alguns casos, pelo Executivo.
“O ativismo judicial, quando praticado em excesso, nunca é bom. Contudo, é importante entender que ele muitas vezes resulta da ausência de ação de outros Poderes, especialmente do Legislativo, que evita pautar questões que possam gerar reflexos eleitorais negativos. Isso força o Judiciário a ocupar um espaço vazio”, explicou Tibúrcio.
Henrique Tibúrcio acredita que o ativismo judicial do STF muitas vezes reflete a inação dos outros Poderes. Ele destacou que o Congresso Nacional frequentemente evita debater temas sensíveis por medo de desgaste eleitoral, transferindo essa responsabilidade ao Judiciário.
Ele citou a união homoafetiva como exemplo de um tema em que o Legislativo se recusou a atuar, deixando a demanda para o STF. “O Congresso tem o papel de legislar, seja para dizer sim ou para dizer não, mas não pode se omitir. Quando isso acontece, o Judiciário é pressionado a agir, interpretando a Constituição para suprir esse vazio”, destacou.
“A união homoafetiva é um exemplo claro de um tema que o Congresso não quis enfrentar. Essa lacuna forçou o STF a agir, garantindo direitos que já eram demandados pela sociedade”, explicou Tibúrcio.
Tibúrcio também mencionou o julgamento sobre a descriminalização da maconha para uso pessoal como um exemplo contemporâneo de como a inércia legislativa transfere a responsabilidade de decidir para o STF, gerando debates intensos na sociedade.
Entretanto, ele ponderou que o ativismo, quando excessivo, pode gerar desequilíbrio entre os Poderes e enfraquecer a credibilidade do STF. “O tribunal deve intervir apenas em situações extremas, onde há evidente omissão legislativa, e sempre com cautela.”
Advogado Lúcio Flávio Paiva (Foto: Anna Stella/A Redação)
Lúcio Flávio Paiva: A urgência da autocontenção
Lúcio Flávio Paiva apresentou uma análise crítica mais contundente, alertando para os perigos do ativismo judicial excessivo. Ele enfatizou que o STF tem ultrapassado suas funções, assumindo um papel político inadequado, o que desequilibra o sistema de freios e contrapesos.
“O Supremo tem avançado sobre competências do Legislativo e do Executivo, e isso não é recente. O problema é que os ministros não prestam contas de suas decisões à sociedade, diferente de parlamentares ou chefes do Executivo, que são eleitos e respondem nas urnas pelas suas escolhas”, afirmou Paiva.
Lúcio Flávio Paiva foi mais crítico, apontando que o STF tem ultrapassado seus limites e assumido um papel político inadequado. Ele destacou que os ministros, ao contrário dos parlamentares, não são eleitos e não prestam contas à sociedade, o que torna o ativismo judicial especialmente preocupante.
“Quando o Judiciário avança sobre competências de outros Poderes, há um desequilíbrio grave. O STF precisa exercer maior autocontenção e limitar suas decisões às suas competências constitucionais”, afirmou.
Paiva também alertou para o impacto dessas decisões na democracia: “O ativismo judicial desestabiliza o sistema de freios e contrapesos e enfraquece a legitimidade das instituições. É hora de o Supremo liderar pelo exemplo e evitar a politização.”
Para ele, a vitaliciedade dos ministros e a ausência de mecanismos de responsabilização tornam o ativismo judicial especialmente preocupante. “Um Supremo que atua politicamente, mas não presta contas, fragiliza o equilíbrio democrático. É essencial que o tribunal exerça maior autocontenção, restringindo-se às suas competências constitucionais”, ressaltou.
Paiva concluiu que, além do STF, a sociedade e as lideranças políticas precisam sinalizar a necessidade de mudança. “O perfil ativista do Supremo não é saudável para a República, para a democracia ou para o equilíbrio dos Poderes. É um momento crucial para a reflexão e o ajuste dessa postura.”
Reflexos para a democracia e a advocacia
O ativismo judicial tem repercussões profundas tanto para a advocacia quanto para a democracia. Enquanto a intervenção do STF pode garantir direitos fundamentais em momentos de inércia legislativa, ela também suscita debates sobre o papel das instituições e os limites do Judiciário.
Tibúrcio e Lúcio Flávio concordam que o equilíbrio entre os Poderes é essencial para preservar a estabilidade democrática. A solução, segundo ambos, passa pelo fortalecimento do Legislativo, para que este assuma suas responsabilidades e reduza a necessidade de intervenções judiciais.
Tanto Henrique Tibúrcio quanto Lúcio Flávio Paiva concordam que o ativismo judicial tem reflexos profundos na democracia e na advocacia. Decisões como as tomadas pelo STF moldam políticas públicas, garantem direitos fundamentais, mas também geram instabilidade institucional.
Para Tibúrcio, a solução passa por um Legislativo mais atuante, que assuma sua responsabilidade e diminua a necessidade de intervenções judiciais. Paiva, por sua vez, enfatiza que o STF deve liderar pelo exemplo, exercendo autocontenção e respeitando os limites de sua competência constitucional.