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REPORTAGEM ESPECIAL

Sistema agroflorestal: fonte de renda sustentável e em alta

Veja o que é e como pode auxiliar o planeta | 18.07.24 - 09:27  Sistema agroflorestal: fonte de renda sustentável e em alta Dercy Martins no cultivo de hortaliças no sistema agroflorestal da propriedade, em Piracanjuba (Foto: Arquivo pessoal)
Ludymila Siqueira e Adriana Marinelli

Goiânia - 
“Os assuntos climáticos voltaram a ser muito debatidos este ano, e a agrofloresta é uma solução sustentável para alinhar a agricultura e o ecossistema”. É o que afirma o engenheiro florestal e produtor rural Thalles Martins, de 33 anos. Ele e o pai, o senhor Dercy Martins, adotaram o Sistema Agroflorestal (SAF) em dois hectares da propriedade da família no município de Piracanjuba, na região Sul de Goiás.

O modelo adotado por Thalles e Dercy está em alta tanto em Goiás quanto em outras regiões do País. É que o sistema agroflorestal tem se mostrado um grande aliado da recuperação ambiental. É uma forma de produzir e lucrar, contribuindo para alavancar os já positivos números do agronegócio no País, mas de forma sustentável.

O Brasil se destaca na produção agrícola mundial, seja por extensão de terra ou por volume de exportação. Conforme dados recentes do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), o País atingiu R$ R$ 1,151 trilhão no  Valor Bruto da Produção (VBP), em outubro de 2023. O VBP das lavouras cresceu 4,2% em valores reais e está estimado em R$ 811,7 bilhões. A pecuária obteve um faturamento de R$ 339,9 bilhões e apresentou retração de -2,1% em relação ao ano. Deste montante, entre 50% e 70% foram produzidos pela agricultura familiar em pequenas propriedades. O estado de Goiás consolidou sua posição como o quarto maior produtor de grãos do país, de acordo com o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola (LSPA), divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em junho.

Embora o agronegócio seja um dos carros chefes do País, o setor também é alvo de críticas relacionadas à perda de vegetação natural. O assunto divide opiniões, mas, de toda forma, é aí que, mais uma vez, se destacam os sistemas de consórcios florestais aliados à agricultura. Além de unir produção agrícola, fonte de renda e alimentação segura, o modelo também garante a preservação do meio ambiente. 

É o que explica o engenheiro florestal do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás (Ifag), Marcel Rocha. De acordo com ele, os sistemas agroflorestais constroem campos produtivos tridimensionais, melhorando as dinâmicas e disposições naturais. “O consórcio agroflorestal é um dos mais sustentáveis que existem. Considerando as possibilidades de produção e maximização da área produtiva, a implantação de SAFS nas propriedades rurais podem oferecer maior conservação da fertilidade do solo, a redução do uso de água e de insumos químicos, além de oferecer ao produtor em curto, médio e longo prazos uma fonte de renda até considerável”, ressalta.
 
Apesar de ser um sistema desenvolvido há bastante tempo, ainda não há um mapeamento sobre quantas propriedades já adotaram o padrão de agloflorestas em Goiás. Rocha garante, no entanto, que o avanço é considerável. “É um sistema que tem crescido muito e tem a expectativa de ser estudado e adquirido cada vez mais, principalmente por quem já trabalha como produtor rural. Pra se ter uma ideia, o SAF mais antigo que temos hoje no Estado tem de 10 a 12 anos”, destaca Rocha.

O poder de transformar a paisagem produtiva convencional
O primeiro passo para apostar no modelo é entender o que são sistemas agroflorestais. De acordo com a Embrapa Cerrados, a agrofloresta, também conhecida como agrossilvicultura ou sistema agroflorestal (SAF), é uma forma de uso de terra onde se combinam espécies lenhosas perenes – árvores, arbustos, bambus, palmeiras – com cultivos agrícolas ao mesmo tempo que interagem de forma econômica e ecológica. Além disso, o produtor tem a opção de acrescentar animais a esse cenário produtivo. Tudo, nesse caso, se desenvolve em harmonia. 
 
O biólogo e consultor agroflorestal Murilo Arantes, que também adotou o sistema na propriedade dele, instalada na cidade de Goianira, região metropolitana de Goiânia, afirma que o consórcio entre floresta e produção é uma forma de quebrar paradigmas quando comparado a áreas onde a produção é feita de forma convencional. “Uma forma de plantar perante os desafios ambientais que enfrentamos atualmente. Cito como exemplos a crise hídrica e o clima, que afetam diretamente na produção".

E mais... O biólogo explica que, além da preservação ambiental, o SAF também auxilia no bem-estar alimentar humano, uma vez que na agrofloresta são utilizados adubos naturais. “Os benefícios para o planeta são inúmeros. Além da recuperação do solo e absorção da água, o que favorece um plantio mais resistente à seca, podemos citar a segurança alimentar em diversidade e qualidade", completa. 

Marcel ressalta que uma das principais características ligadas entre agrofloresta e agricultura estão na recuperação ou restauração do solo. “Um solo fértil e saudável terá como consequência plantas saudáveis, com alta densidade nutricional e alta resistência a pragas e doenças, sendo uma forma de economia para os produtores rurais”, diz.

Os sistemas agroflorestais podem ser consorciados com a agricultura em três formas:
 

(Arte: A Redação)


Murilo Arantes explica que o investimento em uma agrofloresta depende do objetivo do produtor, principalmente sobre qual sistema escolher. “É importante entender o tipo de produção desse agricultor, se o plantio ocorre no sistema de sequeiro ou irrigado, por exemplo”, comenta.

Melhorar o que já era produtivo
Lembra dos produtores citados no início desta reportagem? Então... A ideia de realizar uma produção sustentável surgiu do Thalles e foi aceita pelo pai Dercy, que é agricultor há muitos anos. As tarefas são divididas da seguinte forma: o jovem cuida da parte técnica em relação ao solo e cuidados com a agrofloresta. O pai cuida do manejo das plantas. A irmã e a mãe de Thalles são responsáveis pela logística dos produtos, todos orgânicos.

O sistema agroflorestal no formato agrossilvicultural, combinando árvores com cultivos agrícolas, foi adotado há três anos em dois hectares da propriedade da família em Piracanjuba. Eles aderiram ao formato de irrigação. A produção é dividida em linhagens folhosa, frutífera e plantas perenes, sendo esta última de reflorestamento como os Ipês, Eucaliptos e os Mognos, por exemplo.
   
                                                       
Imagens da propriedade da família do Thalles Martins, em Piracanjuba (Fotos: arquivo pessoal)

De acordo com o Ifag, que integra o Sistema Federação da Agricultura e Pecuária de Goiás (Faeg) / Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar), os SAFs costumam ser adotados em propriedades menores. Embora pareçam simples, as agroflorestas exigem planejamento e conhecimento técnico para que a família ou os produtores possam garantir maior produtividade a longo prazo. “Uma das vantagens é a ciclagem de nutrientes e a possibilidade de englobar espécies. Ou seja, a poda é colocada no próprio solo, em que após a deterioração das plantas, liberam esses nutrientes”, destaca Marcel Rocha, engenheiro do Instituto. 

Além disso, cuidados com preparo do solo, manejo diário, roçagem manual, custos de produção e escolha das espécies também entram na lista de planejamento agroflorestal. “Se estiver muito degradado, por exemplo, é preciso reverter esse cenário. Outro ponto está relacionado à demarcação das plantas e o tipo de cultivo, se em plantio direto ou por semeadura. Tudo isso deve ser analisado”, acrescenta Rocha. 

"Em outras palavras, mimetizando a lógica das florestas,
podemos produzir alimentos e regenerar ecossistemas sem separar
a conservação da produção agrícola. Isso se chama agrofloresta!"
(Marcel Rocha, engenheiro florestal do Instituto para o Fortalecimento da Agropecuária de Goiás)

Retorno econômico e sustentabilidade
A família do Thalles já colhe os resultados da produção sustentável. A propriedade possui o Selo do Sistema Brasileiro de Avaliação de Conformidade Orgânica (SisOrg), que é administrado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) em conjunto com o  Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro), para a comercialização legal dos produtos orgânicos.

Para o jovem, a fruticultura orgânica é forte e promove um retorno econômico significativo. “Podemos dizer até que é economicamente viável e socialmente justo”, afirma. 


Thalles durante entrega dos alimentos cultivados na agrofloresta da propriedade dele em Piracanjuba (Foto: arquivo pessoal)

A família comercializa todos os alimentos produzidos no sítio, tanto na linhagem folhosa, como couve, alface e alho poró, quanto na frutífera, como mamão, banana, goiaba, cupuaçu e outras espécies. A entrega dos produtos vendidos é feita diretamente ao consumidor final, garantindo o cuidado durante o transporte. 

Como forma de captar clientes, a família  investiu nas redes sociais. O perfil criado no Instagram, por exemplo, reuniu mais de 1 mil seguidores em pouco tempo. Thalles ressalta que durante o período de pandemia as vendas não diminuíram, pelo contrário. 

Todas as quartas-feiras, ao menos 20 entregas são realizadas pela família de Thalles na capital goiana, em Aparecida e em Hidrolândia. “Tem semana que alcançamos muito mais pessoas. No entanto, além da produção do sítio, tirando meu pai, temos outros empregos, o que de certa forma nos impede de ampliar o alcance das entregas”, comenta o jovem ao destacar que a ideia é passar a se dedicar mais ao negócio da família. 



Alimentos da propriedade da família do Thalles embalados para entrega (Foto: arquivo pessoal)

"A agrofloresta é uma solução sustentável.
Uma forma de levar o homem para o campo,
além de ser uma fonte de renda interessante” 
(Thalles Martins, 33 anos, produtor rural) 

 
O engenheiro florestal Marcel Rocha garante que o SAF pode ser uma fonte de renda de diversas maneiras; confira no vídeo: 
Engenheiro Florestal do Ifag, Marcel Rocha, em entrevista ao AR
 
Natureza no quintal de casa
Se engana quem pensa que só o homem do campo pode auxiliar o ecossistema ao adotar um SAF. Seja por amar à natureza, para buscar uma alimentação saudável ou até mesmo uma forma de empreender, as agroflorestas também podem ser implantadas nos centros urbanos. É possível e recomendável!

É o caso do Florestal Florata, localizado na saída para a cidade de Nova Veneza. O local é um condomínio de chácaras que surgiu com o conceito de repensar a qualidade de vida, ter contato com a natureza, mas continuar em uma localização privilegiada junto à capital goiana. O projeto, da Biapó Urbanismo, conta ainda com o Parque Cultural Florata, que mescla arte, cultura e uma agrofloresta, que produz hortaliças e frutas. 
 

Agrofloresta do Florestal Florata (Foto: Letícia Coqueiro)
 
Já o casal Nathália Machado e Brunno Conrado sempre gostou de plantar. Durante algum tempo, eles cultivaram mudas de árvores frutíferas em praças de Goiânia e de Aparecida. Depois, apostaram em uma agrofloresta num espaço de aproximadamente 90 metros quadrados no quintal de casa. “Nos mudamos para uma casa alugada que o espaço era grande. Não tivemos dúvida, o lugar perfeito para plantar, aproveitar o espaço para produzir nosso alimento e, como bônus, reduzir a temperatura da casa”, contam de forma animada. 
 

(Foto: arquivo pessoal)
 
Brunno e Nathália não sabem dizer com precisão quanto investiram para implatar o SAF em casa, mas garantem que aplicaram poucos recursos financeiros, já que usaram materiais alternativos, dispensados na cidade, para diminuir os custos. Usando a criatividade e a disposição, o casal aproveitou madeira de poda de árvores urbanas para compor o cenário. As mudas frutíferas foram ganhadas, enquanto as demais espécies foram cultivadas por sementes. “O principal custo foi o tempo para coletar todo o material e implantar o sistema. E, claro, todo nosso conhecimento adquirido ao longo de nossas vidas. Então, o valor pode variar muito, depende da disponibilidade para coletar ou comprar os materiais, a pressa e a capacidade de agir”, destaca Nathália, que é bióloga. 

De acordo com o casal, só nos seis primeiros meses de implantação agroflorestal foram produzidos mais de 300 quilos de alimentos, entre alface, rúcula, repolho, tomate, cenoura, beterraba, rabanete, além de frutas como melancia, banana, pitanga, araçá e maracujá. Parte da produção foi usada para consumo próprio, outra parte foi vendida para amigos. "Também doamos um pouco para instituições de apoio social", conta Nathália com orgulho. 
 

Alimentos que foram colhidos no sistema agroflorestal no  quintal da casa do Brunno e da Nathália (Foto: arquivo pessoal)
 
Para garantir a boa evolução de uma agrofloresta em centros urbanos é preciso estar atento à característica do imóvel para que as espécies não alcancem áreas vizinhas. O alerta é do engenheiro florestal do Ifag, Marcel Rocha. "Também é preciso tomar cuidado em relação às possíveis perfurações do solo nas casas", diz. “Os cuidados como o manejo tanto na zona rural como na urbana são os mesmos, mas é preciso escolher bem a espécie e também ter conhecimento sobre as plantas", completa Rocha ao citar a importância do auxílio de um técnico.  

Ao recomendar a implantação de sistemas agroflorestais nas zonas urbanas, Nathália destaca o período ambiental atual. “Estamos passando por um momento crítico da história da humanidade com alta taxa de perda de espécies e homogeneização biótica, além da crise hídrica crescente a cada ano. Tudo isso somado ao aumento do número e extensão de queimadas. Não é possível pensar em um futuro viável e de qualidade para espécie humana sem incluir formas de produção que levem em conta a inteligência da natureza”, completa a bióloga. 


Brunno e Nathália na agrofloresta implantada no quintal de casa (Foto: arquivo pessoal)
 
 
Opinião compartilhada também pelo consultor e engenheiro florestal Murilo Arantes. "Vamos construir, cada vez com mais intensidade, uma cultura de forma que leva o homem para o campo. É importante que institutos e faculdades comecem a abordar temas relacionados a isso", destaca. 





 

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