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Redação abordou o trabalho de cuidado | 06.11.23 - 16:59
(Foto: Paulo Pinto/Agência Brasil)José Abrão
Goiânia – As provas de Linguagens, Ciências Humanas e de Redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) foram aplicadas neste domingo (5/11) abordando diversos temas, mas sempre com um viés social. Desta vez, a redação trouxe a temática "Desafios para o enfrentamento da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher no Brasil". Ao longo das 90 questões foram abordados assuntos como a preservação da Amazônia, racismo e o legado da escravidão, desigualdade de gênero e até mesmo a questão Palestina. A segunda parte do Enem, com questões de Ciências da Natureza e Matemática, será no domingo (12/11).
A professora Karla Bárbara, que ensina redação para alunos do Ensino Médio há 24 anos, diz não ter sido pega de surpresa pelo tema da redação, que ela vê como muito condizente com o perfil do Enem. Para ela, o fato de algumas pessoas terem sido surpreendidas pela temática já explica, até certo ponto, a sua escolha. “Eu sou do time que não vê esse tema como surpresa, porque eu observo bastante os movimentos do Enem em relação a trabalhar com aquilo que as pessoas realmente não dão muita atenção”, afirma.
Ao seu ver, o tema escolhido está inserido em um escopo social já esperado para ser abordado, que é o universo da mulher brasileira, mas que busca abordar questões que não recebem muita atenção. “É uma realidade muito comum. Eu acredito que os alunos inclusive conseguem buscar de dentro da própria casa essa realidade”, avalia. “Recebi com muito bons olhos esse tema porque a maior parte dos candidatos do Enem, os alunos de escola pública principalmente, vivenciam isso e conseguem dimensionar o que a mãe enfrenta e o trabalho de cuidado que é mal remunerado ou não remunerado, aquele trabalho doméstico diário”, explica.
“Há ainda muitos fatores para serem cobrados em relação às questões de gênero. O tema me surpreendeu positivamente. É um tema muito relevante”, concorda a professora de redação Cristina Alves, que atua no Ensino Médio há 15 anos. “Vi alguns colegas comentando que foi um assunto muito inesperado, muito específico ou que não daria para falar de propostas de intervenção pragmáticas, já que é um assunto muito complexo e que envolve o machismo estrutural. Eu discordo dessas interpretações, porque o fato de o tema ter gerado esse debate já cumpre uma função social da prova que é levar o debate público para certa questão e já mostra a invisibilidade desse tipo de trabalho”, destaca.
“Um aluno chegou a me dizer: professora, eu me lembrei o tempo todo da minha avó, esse tema é sobre a história dela. Então todo mundo que prestasse atenção na sua própria realidade conseguiria falar alguma coisa sobre esse trabalho de cuidado”, completa a professora.
As professoras Karla e Cristina (Foto: acervo pessoal)
Perfil
Karla Bárbara avalia que o Enem possui a característica de instigar o senso crítico dos candidatos. “Foi uma prova bem diversificada, mas ao mesmo tempo foi uma espécie de homenagem à mulher, e também para esses grupos sempre invisibilizados”, diz. Ao seu ver, a prova é “cada vez mais democrática e que chama atenção para esses grupos que estão perpetuamente inferiorizados e negligenciados”.
A educadora salienta que o próprio conteúdo dos exames é útil na elaboração da redação: “no decorrer das questões, o aluno pode obter muitas informações que vão auxiliá-lo na prova de redação. O [exame] trabalha muito com gêneros textuais. A gente percebe essa abordagem muito mais social, envolvendo sociedade e cultura”, argumenta.
A partir desse perfil do exame, querendo ou não, o aluno é cobrado a fazer uma análise crítica. “O candidato que não está antenado ou que não enxerga essas questões sociais vai ter uma maior dificuldade de entender os itens das questões. É uma forma de selecionar quem está atento à realidade e quem não está”, resume Karla Bárbara.
A professora Cristina Alves concorda: “É importante a gente lembrar o teor e o objetivo da prova do Enem que é avaliar um aluno egresso do Ensino Médio capaz de se tornar um cidadão competente para identificar os problemas sociais e propor soluções. Questões sociais não deveriam ser vistas como um viés político, mas como algo necessário para averiguar a capacidade de um aluno que saiu do Ensino Médio”. Segundo a educadora, “é importante que essas questões ganhem ênfase nas provas, porque são mais do que necessárias. O aluno que não se posiciona como cidadão tende a sair mal na prova e ser cidadão é compreender o que é a convivência em sociedade, o respeito aos outros e aos princípios constitucionais”, finaliza.