Quem decide pelas mulheres, em última instância, no Brasil? Homens brancos. Sim, porque a corte máxima do país, o Supremo Tribunal Federal, é composta por 10 homens - 9 juízes brancos e um negro, porque é assim que o ministro Flávio Dino se autodenomina - e apenas 1 mulher.
A composição do STF passou a dominar as notícias, desde que o ministro Luís Roberto Barroso anunciou sua aposentadoria antecipada, no dia 9 de outubro e sua vaga estará oficialmente aberta, a partir do dia 18, a próxima segunda-feira. De lá para cá, esquentaram as negociações pela escolha do próximo nome e ganhou força a movimentação para que seja uma mulher e negra. Em 134 anos de existência do Supremo, houve 171 ministros e apenas 3 ministras, sendo que nenhuma negra.
A ministra Cármen Lúcia, a única mulher na corte hoje, se aposentará em abril de 2029, e já há conversas de bastidores, de que ela pode seguir o mesmo caminho do ministro Barroso e pedir a aposentadoria antecipada. Neste caso e se for indicado um homem para a vaga de Barroso, o Supremo ficaria com uma formação totalmente masculina.
Esta assimetria me inquieta. Não se pode aceitar e naturalizar a ausência de mulheres, em espaços de poder, sobretudo, na mais alta instância do Poder Judiciário brasileiro, responsável pela defesa da Constituição; dos direitos fundamentais; das minorias e grupos vulneráveis e pela garantia do equilíbrio entre os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, papel fundamental para a estabilidade da República. Razões mais que suficientes para que as mulheres tenham uma participação equilibrada no Supremo, que deve representativo da sociedade brasileira, além de diverso, plural, inclusivo e democrático. Não faltam mulheres e negras preparadas para a função.
Movimentos sociais fizeram chegar ao presidente Lula listas com nomes de mulheres proeminentes do Poder Judiciário, como de Maria Elizabeth Rocha, presidente do Superior Tribunal Militar; Edilene Lobo, ministra do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e a primeira mulher negra no Tribunal, além de professora convidada da Universidade Sorbonne-Nouvelle, em Paris; e Vera Lúcia Araújo que é ministra substituta no TSE e foi integrante da Comissão de Anistia Política, do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e da Executiva Nacional da Associação Brasileira de Juristas pela Democracia.
No ambiente político há dois nomes em disputa: o do Advogado-Geral da União (AGU) , Jorge Messias, e do senador, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). O AGU, Jorge Messias, é o nome preferido do presidente Lula, que quer alguém de sua confiança no Supremo, mas encontra resistência no STF por não ser considerado alguém com o conhecimento jurídico necessário ao cargo. O que prevalecerá, interesses políticos ou o notório saber?
Já o senador Rodrigo Pacheco conta com o apoio de parte dos ministros do Supremo e, sobretudo, do presidente do Senado e do Congresso Nacional, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP). Isso tem um peso enorme, porque o presidente Lula precisa do apoio de Alcolumbre, que tem sido um aliado importante do governo em votações sensíveis, como as da PEC da Blindagem e dos vetos do presidente ao projeto de Licenciamento Ambiental. Ano que vem, haverá eleições e Lula precisará de um Senado mais favorável aos interesses do Executivo, que não tem maioria na Câmara dos Deputados. Pesará mais a governabilidade?
Fora do ambiente político, bombaram nas redes sociais, nesta semana, posts da cantora Anitta, da atriz Fernanda Torres e de Melina Fachin, que além de diretora do Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná, é filha do presidente do STF, ministro Edson Fachin. Todas elas pediram ao presidente Lula, publicamente, que indique uma mulher para a vaga de Barroso, na Suprema Corte. Melina apelou (para usar um termo jurídico) em sua rede social: “É sobre isso! Nada sobre nós, sem nós!!!”.
Tem ainda um abaixo-assinado organizado pelo Movimento Mulheres Negras Decidem (MMN), que reuniu mais de 44 mil assinaturas, em defesa da indicação de uma mulher negra para o Supremo, com uma lista de 9 juristas e que foi enviado para o presidente Lula, no dia 14 de outubro. O MMN lembrou que as mulheres e a população negra são maioria na população brasileira e isso tem um peso eleitoral importante.
Figuras públicas, como a historiadora e integrante da Academia Brasileira de Letras, Lilia Schwarcz, pedem que artistas, parlamentares, jornalistas, ativistas, influenciadoras, pessoas comuns e com presença pública movimentem suas redes e peçam que o presidente nomeie uma mulher para o STF e marquem Lula e Janja, nos posts. Todos esses movimentos serão suficientes para colocar Lula numa saia justa?
Para se chegar a um nome para uma vaga no Supremo, é necessária a indicação do presidente da República e a aprovação do Senado Federal. Tudo indica, que Lula apresentará um nome a partir do dia 20 de outubro e o quanto antes para que a pressão não fique ainda maior. É inegável a importância crescente do papel do STF na sociedade brasileira e o interesse público em sua composição. A seguir, cenas dos próximos capítulos.