Em um intervalo de quatro dias, na semana passada, assistimos a dois episódios de violência política de gênero, que revelam muito sobre comportamentos da sociedade e a democracia e quanto ainda precisamos avançar no Brasil.
No dia 27/05, Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, foi silenciada, desrespeitada e alvo de ataques machistas e misóginos por parte de senadores, na Comissão de Infraestrutura do Senado Federal.
No dia 31/05, todas as 24 deputadas estaduais paulistas, receberam um email coletivo com ameaças de morte e estupro.
Violência política de gênero é toda ação, conduta ou omissão que busca impedir, dificultar ou restringir os direitos políticos das mulheres, cis ou trans, em virtude de seu gênero. Infelizmente, os dois casos não são fatos isolados. Mulheres que ocupam cargos púbicos são alvo sistemático de violência, com alto grau de misoginia em espaços institucionais.
Ainda estamos muito distantes de uma democracia realmente representativa da participação feminina, como comprova um levantamento feito com 73 deputadas e senadoras, que aponta que 80,8% delas já sofreram violência política de gênero e 90,4% delas acreditam que essas agressões afastam as mulheres da política.
Quando o senador Marcos Rogério (PL-RO), presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado Federal, disse para a ministra Marina Silva “se ponha em seu lugar”, é preciso entender o que está por trás dessa fala.
A origem de Marina Silva é de mulher, preta, pobre e analfabeta, que aprendeu a ler e escrever aos 16 anos de idade e se tornou historiadora, professora, psicopedagoga, ambientalista, vereadora, senadora, candidata a presidência da República e hoje ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática, pela segunda vez, além de reconhecida nacional e internacionalmente por sua luta em defesa do meio ambiente.
A que lugar o senador Marcos Rogério se referiu? O senador tentou rebaixar a ministra Marina Silva no exercício de sua função política, discriminá-la no exercício do cargo, fez várias interrupções enquanto Marina Silva falava e silenciou o microfone, em outros momentos, para não permitir que ela expressasse seu pensamento. O senador ainda ironizou a educação da ministra.
Também precisamos compreender o que outro senador, dessa vez Plinio Valério (PSDB-AM), quis dizer com “não estou falando com a mulher, estou falando com a ministra” e logo emendou: “porque a mulher merece respeito, a ministra não”. Uma tentativa clara de desqualificar a competência da ministra para o lugar que ela ocupa, através de uma fala que reproduz as relações de dominação sobre as mulheres.
Teve ainda a fala do senador Omar Aziz (PSD-AM): “a senhora não é mais ética que ninguém aqui. Não venha me ensinar ética, porque a senhora não tem esse direito”, em uma tentativa de desqualificação pessoal, que vai além da divergência política legítima. Tentativas de calar, ridicularizar e minimizar causas defendidas pelas mulheres são maneiras recorrentes de violência política de gênero.
No dia 31/05, este tipo de violência chegou em forma de ameaça de morte e estupro contra todas as 24 deputadas paulistas, através de um email coletivo. A mensagem, que citava nominalmente algumas parlamentares, tinha conteúdo misógino, racista e capacitista, que é a discriminação e o preconceito contra pessoas com deficiência.
Todos esses atos tentam excluir a mulher do espaço político, dificultar o exercício de funções públicas, restringir o exercício de seus direitos e de suas liberdades políticas. Também estão inseridos na radicalização da política e na disseminação do ódio contra as mulheres.
Desde 2021, duas leis tipificam como crime a violência política de gênero: o artigo 326-B do Código Eleitoral e o artigo 359-P do Código Penal. Os artigos serviram de base para a Federação PSOL-Rede acionar o Conselho de Ética do Senado e pedir a cassação dos mandatos dos senadores Plinio Valério e Marcos Rogério por quebra de decoro parlamentar. Não dá para esperar muita coisa daí. Nos últimos 7 anos, o Conselho se reuniu apenas cinco vezes.
Já as polícias militar e civil de São Paulo estão investigando as ameaças contra as deputadas e um promotor do Ministério Público de São Paulo foi designado para acompanhar o caso.
O dois episódios foram amplamente divulgados pela mídia e redes sociais, e ganharam muita visibilidade. Os senadores foram duramente criticados e tiveram a imagem arranhada.
Os holofotes se voltaram para a ministra, que recebeu amplo apoio dos mais diferentes setores da sociedade e ainda conseguiu chamar a atenção para o projeto de lei aprovado pelos senadores, que afrouxa o licenciamento ambiental do país. O tiro saiu pela culatra. Mas não resta dúvida, são exemplos tristes da política nacional e seria muito mais produtivo e benéfico para o país, que o debate se desse em outro nível e que se centrasse de fato nos interesses da população.