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Pedro Novaes
Pedro Novaes

Diretor de Cinema e Cientista Ambiental. Sócio da Sertão Filmes. Doutorando em Ciências Ambientais pela UFG. / pedro@sertaofilmes.com

PROJETOR

Morrendo por Sexo: a fina linha entre o drama e a comédia

| 03.06.25 - 08:22


 
Passado o furor com Adolescência, Morrendo por Sexo, exibida internacionalmente pela plataforma Disney+, é agora uma das séries que vem capturando os debates acalorados das redes e sendo lida sob o filtro da polarização política. 
 
Molly, interpretada por Michelle Williams, é uma mulher de 40 e poucos que, dois anos após curar-se de um câncer de mama, recebe a notícia de que a doença voltou, agora em metástase, e de que, por isso, tem pouco tempo de vida. Molly decide separar-se, experimentar uma vida sexual a que não se permitira até então e, quem sabe, conseguir um orgasmo, que nunca tivera com um parceiro. A série é baseada no podcast de mesmo nome, criado pela Molly Kochan real e por Nikki Boyer. 
 
Daqui para a frente, o texto está recheado de spoilers. Siga por sua conta e risco.
 
A série consegue, de maneira geral, dois raros equilíbrios: primeiro, entre o drama e a comédia. Para uma narrativa com uma premissa tão dura, faz rir tanto quanto chorar, e consegue tratar, quase sempre com o peso adequado, a proximidade da morte e os fetiches sexuais. 
 
Segundo, consegue se situar quase sempre, ao menos até o penúltimo capítulo, numa boa relação com o melodrama, extraindo força dramática das convenções do gênero, sem ceder muito à emotividade fácil. A narrativa logra isso sobretudo exatamente pelo recurso constante ao ridículo e ao riso. Quando a trama ameaça nos levar em direção ao trágico, ao dramalhão, à catarse ou mesmo ao moralismo, uma guinada cria uma situação cômica que nos leva a rir, mesmo diante da doença e da morte.
 
Em alguns momentos, entretanto, sobretudo no último episódio, a narrativa não resiste ao magnetismo do melodrama e se entrega a ele. A reconciliação entre Molly e a mãe, por exemplo, soa completamente desnecessária e demasiadamente catártica. Para uma série que até ali resolvia o apelo à emotividade e à redenção fazendo piada ou recorrendo ao absurdo, o final não cai tão bem. 
 
É canhestro igualmente o recurso à dança como caminho de reconciliação com o abuso na infância. Numa sessão de terapia coletiva, Molly não consegue “dançar”, conforme propõe a terapeuta, a narrativa sobre o episódio de abuso que sofrera na infância. Pouco depois, sozinha, ela decide dançar e compreendemos então que se abriu o caminho para o orgasmo com que sonha. Sem justificativa, entretanto, a superação do obstáculo não convence e passa como truque barato de roteirista.
 
Incomoda também, mas isso parece um sintoma geral do moralismo contemporâneo, o pudor com a nudez. Há alguns planos rápidos e afobados de peitos e pintos, mas, para uma série sobre a relação entre sexo, fetiches, vida e morte, é contraditório o desconforto com a exposição do corpo dos personagens. 
 
Por fim, alguns homens parecem incomodados com a caracterização dos personagens masculinos na série. Todos são duros, desajeitados e algo paspalhos. Como Molly se descobre uma dominadora, são também todos submissos. Há o ex-marido, que não consegue transar com ela desde o primeiro câncer porque no fundo obtém prazer da posição de cuidador da esposa. Há o vizinho, com quem Molly efetivamente se realiza, que tem enorme prazer em receber chutes nos genitais. Há ainda o oncologista, sempre desajeitado e incapaz de lidar com sentimentos.
 
Esse incômodo revela algo sobre nossa masculinidade contemporânea. Desde sempre avessos à denúncia de nossas fraquezas emocionais, já que a sociedade nos cobra força e estoicismo, temos agora que lidar com a denúncia da própria força usada pelos homens para se imporem ou, pior, para agredirem e abusarem. Que tantos homens venham buscando refúgio desesperado na idealização de um papel anacrônico como protetores e provedores da família parece um sintoma da dificuldade em lidar com essas demandas contraditórias de um tempo de profundas mudanças. Desse medo, vem o sucesso dos coaches de masculinidade e de grupos de autoajuda para homens como os caricatos Legendários.
 
Mas Morrendo por Sexo não escarnece dos homens. Ridiculariza certa autoimagem e determinadas atitudes, como também ri, de maneira saudável, diante da própria doença e da morte. Ao contrário, se na série os homens são praticamente todos meio bobos, por outro lado, há também um olhar de ternura conosco - seja no oncologista que, ao final, está quase afetuoso por trás do escudo profissional, seja no amante que se fantasia de cachorro e que pede a Molly que faça xixi sobre ele, seja ainda no vizinho masoquista e, ao mesmo tempo, terno e carinhoso com a protagonista.
 
Por último, não é possível deixar de fazer um elogio rasgado a Michelle Williams, talvez a maior atriz de sua geração, que encara um papel difícil, sobretudo por essa linha tênue da narrativa entre o drama e a comédia, e que agora, após Morrendo por Sexo, além de tudo, merece também o título de protagonista das duas melhores cenas de sexo oral da história do cinema (a outra está no filme Blue Valentine, de Derek Cianfrance).
 

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