Dos tantos memoráveis feitos de Jean Douliez na cidade de Goiânia, sabe-se, por exemplo, que esse músico belga esteve à frente de outros importantes projetos, tais como: a Sociedade de Concertos Sinfônicos (fundada em 1956), a Orquestra Feminina (1959), o Quarteto de Cordas de Goiás (1955) e a Orquestra de Câmara “Alvorada” (1957).
Levando em conta o depoimento dos contemporâneos do maestro belga daqui de Goiânia, depoimentos estes feitos por meio de conversas informais, ou, mais recentemente, por meio de entrevistas a mim concedidas, alguns dos mais destacados músicos goianos são unânimes em afirmar que Jean Douliez executava, em alto nível, pelo menos três instrumentos: piano, violoncelo e violino. Além disso, era regente, arranjador e um excelente compositor. Mas esses temas serão abordados em outras oportunidades.
Devo esclarecer que alguns autores, ao longo do tempo, se dedicaram a escrever trabalhos científicos a respeito desse celebrado artista belga. Dentre eles podemos encontrar nomes como: Belkiss Spenzieri, Braz Wilson Pompeu de Pina Filho, Maria Helena Jayme Borges, Ana Guiomar Rêgo Souza (e sua orientanda Amanda Kelly Dias Pereira).
Foi nesse estudo que busquei as informações apresentadas na sequência. Porém, devido à limitação de espaço nesta página eletrônica, na presente Coluna os dados biográficos de Jean Douliez se referem somente ao período de tempo compreendido entre o início de seus estudos regulares e musicais até o ano de 1946.
Em fevereiro de 1946, Jean Douliez desembarcava no Rio de Janeiro para uma longa jornada em solo tupiniquim, esta que perdurou até 1965.
O início da formação musical e intelectual de Jean Douliez
Jean François Douliez (1903-1987) iniciou seus estudos musicais com sua própria mãe, na cidade de Hasselt, capital da Província de Limburgo, Bélgica. Segundo Marcia Bittencourt (2008), a mãe de Douliez era pianista e seu pai músico do Primeiro Regimento do Exército, sediado naquela localidade.
Jean Douliez cursou seus estudos primários na Escola Municipal de Hasselt e os concluiu no ano de 1913. Os estudos secundários, por sua vez, foram finalizados em 1916, na Ecole Moyenne de l´Etat, também em sua cidade natal. Paralelamente a esse segundo nível do ensino regular, o jovem Douliez frequentou a Escola Municipal Interdiocesana Limburguesa de Música Sacra. Nesta instituição, até 1918, cursou as seguintes disciplinas: Piano, Órgão, Latim, Canto Gregoriano e Harmonia.
Em seguida, no Conservatório (depois Academia) de Música de Hasselt, Jean Douliez estudou as matérias Violino, Teoria musical e Harmonia. Neste estabelecimento, ao se formar, em 1919, foi “congraçado com a Medalha do Governo da Bélgica” (p. 08).
Ressalta-se que, ainda em 1919, nosso personagem terminou o curso de Humanidades Modernas, no Athénée Royal, também em sua cidade natal.
Os estudos superiores de Música no Conservatório de Antuérpia
Em 1922, conforme assevera Marcia Bittencourt, Jean Douliez “foi diplomado com grande distinção pelo Conservatório de Música Real Flamengo de Antuérpia, na Bélgica” (p. 08). Nesta Instituição realizou os estudos superiores das seguintes disciplinas: Violino, Violoncelo, Piano para acompanhamento, Música de Câmara, Regência, Canto Coral, Composição, Harmonia, Contraponto, Fuga, História da Música, História Geral, História da Arte, Filosofia e Literatura.
Nos anos de 1927 e 1928, Jean Douliez fez viagens regulares à França, com o intuito de aprimorar seus conhecimentos musicais. No país vizinho, estudou “Composição” com Vincent d´Indy (1851-1931) e “Violino” e “Música de Câmara” com Lucien Capet (1873-1928). Aproveitou também a oportunidade para, na condição de ouvinte, frequentar os cursos de Filosofia e Filologia Neolatina e Germânica, na Universidade de Sorbonne, em Paris.
Carreira profissional como violinista
Em 1923, logo após sua diplomação no Conservatório de Música Real Flamengo de Antuérpia, Jean Douliez “foi selecionado para atuar como segundo violino na Orquestra da Ópera Francesa” (p. 09).
Quando integrante da Orquestra da Ópera Francesa, o jovem Douliez tocou sob a regência de alguns dos mais importantes maestros europeus, tais como: Arturo Toscanini (1867-1957), Ígor Strawinsky (1882-1971), Erich Kleiber (1890-1956), Karl Elmendorff (1891-1962) e Fritz Lehmann (1904-1956).
Neste corpo artístico teve, ainda, o privilégio de acompanhar solistas do calibre dos violinistas Eugène Ysaÿe (1858-1931), Fritz Kreisler (1875-1962), Jacques Thibaud (1880-1953) e Jascha Heifetz (1901-1987); do pianista Alexander Brailowsky (1896-1976) e dos violoncelistas Pablo Casals (1876-1973) e Arthur Rubinstein (1887-1982).
Também em 1923, ainda na condição de violinista, realizou uma tournée pelos Estados Unidos da América. A pesquisadora Marcia Bittencourt ressalta que, de fato, o músico belga pretendia dar sequência à sua carreira na terra do Tio Sam. Porém, “a saudade aliada à atmosfera pouco amistosa daquele país desiludiu-o, levando-o a desistir da ideia de lá fixar residência” (p. 09).
Mesmo assim, antes de retornar à Bélgica, Jean Douliez entrou em contato com o universo jazzístico norte-americano. Em sua Dissertação de Mestrado, Marcia Bittencourt afirma que o músico belga conheceu o trabalho da Orquestra Sinfônica de Jazz de Paul Whitman e as composições do prestigiado pianista George Gershwin (1898-1937).
A primeira viagem ao Brasil
Entre os anos de 1924 e 1929, Jean Douliez permaneceu morando e trabalhando na cidade de Antuérpia (Bélgica), como violinista e líder de uma pequena orquestra. Mas, nesse ínterim também realizou duas outras grandes turnês, novamente na qualidade de violinista: uma pela Alemanha, em 1924, e outra pela América do Sul, em 1926. Nesta visitou, na sequência, o Brasil, o Uruguai e a Argentina.
Foi no Rio de Janeiro que ocorreu o encontro entre Jean François Douliez (1903-1987) e o brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887-1959). Inclusive, os dois artistas chegaram a tocar juntos em um cinema da Cidade Maravilhosa. Uma convivência mais próxima ocorreria a partir de fevereiro de 1946, com a chegada de Jean Douliez ao Brasil, cuja permanência se estenderia até 1965, quando ele retornou à Bélgica. (Assunto para outra coluna).
As primeiras experiências de Douliez como Regente
Conforme foi abordado anteriormente, a turnê de Douliez pela América do Sul foi concluída em 1926, quando ele decidiu retornar à Bélgica. Em seguida, pelo período de dois anos, exerceu a função de primeiro Regente do Théatre de L´Hyppodrome, em Antuérpia.
Nos anos de 1927 e 1928, embora residindo e trabalhando na Bélgica, Jean Douliez buscou aperfeiçoar seus conhecimentos musicais em Paris. Entretanto, em 1927, além das aulas com Vincent d´Indy (1851-1931) e Lucien Capet (1873-1928), o violinista belga apresentou-se em recitais nas cidades holandesas de Haia, Rotterdan e Amsterdã.
No outono de 1929, Jean Douliez regeu, por algumas vezes, a “Orquestra da Companhia Lírica Tharaud, da Ópera Nacional de Paris” (pp. 10-11). Aliás, considerando a investigação de Marcia Bittencourt, Jean Douliez, por ocasião de uma longa excursão (c. 16 meses), regeu aproximadamente vinte óperas com esse corpo artístico. Tais apresentações aconteceram em cidades indianas e vietnamitas, além de outras tantas em diversos países africanos.
Em 1930, Jean Douliez esteve envolvido em uma segunda tournée pela Europa. No Velho Continente - mais precisamente na Inglaterra, Itália, Espanha e Portugal -, regeu orquestras sinfônicas e récitas de óperas. E nas cidades de Viena (Áustria), Bucareste (Romênia) e Budapeste (Hungria) apresentou-se como violinista.
No ano seguinte, Jean Douliez assumiu o posto de violinista da Ópera Real de Antuérpia. À época, esse artista voltou a desempenhar a função de Regente do Théatre de L´Hyppodrome, na mesma cidade belga. E, em 1938, trabalhou “como Regente da Orquestra de Kursaal de Lausanne” (p. 11).
Uma nova atividade: o ensino musical
Em 1937, mediante concurso público, Jean Douliez foi diplomado como “Professor de Música do Ensino Oficial do grau superior da Bélgica” (pp. 09 e 11).
Servindo ao exército belga
A pesquisadora Marcia Bittencourt ainda assevera que, mais ou menos nessa época, ou seja, no final dos anos 1930 e primeira metade da década de 1940, Jean Douliez serviu ao exército belga. À essa altura, devido à crise mundial, as atividades musicais na Europa foram profundamente atingidas. Em consequência disso, quando se deu a reabertura dos teatros, as temporadas foram realizadas de forma precária.
Ainda assim, mesmo naquele contexto sombrio da Segunda Guerra Mundial, o músico belga esteve na França dirigindo, embora por pouco tempo, a Ópera de Bordeaux ou a Ópera de Lyon. De volta à Bélgica, foi convidado a integrar o naipe dos primeiros violinos da Orquestra Sinfônica da Ópera Flamenga, em Antuérpia.
Em 1939, Jean Douliez já acumulava as funções de violinista de orquestra e de professor de música em colégios de Bruxelas e, posteriormente, “nas Escolas de Rijksmiddelbare, de Willebroek e de Londerzeel, na Bélgica, e de professor do Institute Justus Lipsius de Bruxelas” (p. 11). Mas ele, sempre que convocado, dava sua contribuição ao exército belga.
Sobre os assuntos militares, citando as palavras de Marcia Bittencourt, de setembro de 1944 a setembro de 1945, em uma das diversas convocações para mobilizações militares, "O Maestro - cuja patente era de Capitão da Reserva, ainda em mobilização militar - participou da Batalha dos Ardenas (Ofensiva Hundstedt) na Bélgica, junto ao Exército Americano, sob o comando do General Bradley, na qualidade de oficial do Special Service. Sobre esta participação, Douliez escreveu o artigo "Perdi minha unidade", no Jornal O 4º Poder da UFG, em 19 de maio de 1963". (Bittencourt, 2008, p. 11).
Finalmente em 1946, após acumular experiências e conhecimentos nos vários países onde atuou como músico, Jean Douliez foi encarregado pelo Ministério da Instrução Pública da Bélgica, por indicação do Prefeito de Antuérpia - Sr. Camilo Huysmans - de integrar uma missão cultural no Brasil. Marcia Bittencourt (p. 12) esclarece que o objetivo da Missão Cultural era “divulgar a Música Belga e estudar a Música Brasileira”.
Jean François Douliez (1903-1987) chegou ao Rio de Janeiro em fevereiro de 1946, vindo da Antuérpia, a bordo do Navio Capitaine Parret, da Companhia Marítima Belga.
Sua contribuição para a área cultural no Brasil é o assunto a ser tratado na próxima postagem (link abaixo):
-
Jean Douliez e as missões culturais belgas no Brasil (1946 e 1949)