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Othaniel Alcântara
Othaniel Alcântara

Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com

Música Clássica

Emilio De Cesar: “como me tornei maestro”

Entrevista com o maestro Emilio De Cesar | 22.12.20 - 14:30
Emilio De Cesar (n. 1947) ocupou os postos de Diretor Artístico e Regente Titular da Orquestra Sinfônica de Goiânia (OSG), nos anos de 2003 e 2004. Antes disso, Emilio já havia trabalhado em nossa Capital, na Orquestra Filarmônica de Goiás (OFG), entre os anos de 1992 e 1994. Dessa época eu, particularmente, guardo uma lembrança (foto abaixo). 

 

Da esquerda para a direita:
Sergei Eleazar de Carvalho1
Maestro Emilio De Cesar
Othaniel Alcântara Jr.
 
 
A foto acima foi tirada no dia 20/12/1992, nas dependências do Ginásio Rio Vermelho, localizado na região central da Cidade de Goiânia. Lembro-me que, naquela ocasião, a Orquestra Filarmônica de Goiás (OFG), regida pelo maestro Emilio De Cesar, apresentou, entre outras obras, o Concerto para violino nº 1, em sol menor, do compositor alemão Max Bruch (1838-1920). E o solista convidado daquele dia foi o jovem violinista Sergei Eleazar de Carvalho1, filho do maestro Eleazar de Carvalho (1912-1996).
 
No último mês de agosto (2020), tive uma longa conversa com o maestro Emilio De Cesar, por meio do aplicativo Zoom. Na sequência, deixo registrada a primeira parte desta entrevista.
 
Othaniel Alcântara: Sei que o senhor nasceu na Cidade do Rio de Janeiro. A família toda é carioca?
 
Emilio De Cesar: Minha família é do Ceará. É uma família grande, uns doze filhos. Meu tio - maestro Eleazar de Carvalho[1912-1996] - nasceu na cidade de Iguatu, no sul do Ceará. Em algum momento, a família se mudou para Fortaleza, cidade natal do meu pai [Esaú Afonso de Carvalho]. Meu tio Eleazar foi para o Rio de Janeiro em 1928. E, mais tarde, talvez em 1942 ou 1943, papai também se mudou para o Rio. 
 
Já a minha mãe, Marilisa Damaceno de Carvalho, é de uma cidade chamada Pão de Açúcar, interior de Alagoas. Meu avô Emilio - daí vem meu nome - tinha uma fazenda lá em Alagoas. Naquela época [década de 1930], o cangaceiro Lampião [Virgulino Ferreira da Silva, 1898-1938] atuava por aquela região. Na realidade, meu avô acabou fugindo de Alagoas por causa do Lampião. Foi com a família para o Rio de Janeiro. 
 
Então, meus pais se conheceram no Rio de Janeiro. Casaram-se em 1945 e tiveram cinco filhos: 3 meninos e 1 menina nasceram bem, mas o primeiro filho, nascido em 1946, não sobreviveu. Ele faleceu ou durante a gravidez ou no momento do parto ou logo em seguida. Eu nasci em 1947. Meu irmão Valdo é de 1948. Só em 1957 nasceu minha irmã Martha. E, em 1959, chegou meu último irmão, o Augusto.
 
Othaniel: No Rio de Janeiro, qual a atividade profissional do Sr. Esaú?
 
Emilio: Meu pai fez algum curso na área de jornalismo, pois ele trabalhou como repórter para diversos jornais cariocas, tais como “O Globo”, “Jornal da Manhã” etc. Nos anos 1950, ele entrou para o MEC como assessor do Ministro da Educação e Cultura.
 
Othaniel: Quando e de que forma a música entrou na vida do senhor? Houve influência da família?
 
Emilio: Houve sim. Quando meu pai [Esaú] foi para o Rio de Janeiro, ele ficou muito próximo do meu tio, o maestro Eleazar de Carvalho (ver nota nº 2). Além de trabalhar no MEC, ele ajudava o meu tio na Orquestra Sinfônica Brasileira(OSB) e também em uma orquestra mantida pelo Cassino da Urca, que era um lugar muito frequentado. Meu pai elaborava os programas das apresentações, atuava como copista, arquivista etc. Em 1946, os cassinos foram proibidos4 no Brasil. Assim, com o fechamento do Cassino da Urca, meu pai e meu tio receberam uma indenização. Foi com esse dinheiro que, ainda em 1946, o Eleazar de Carvalho pagou as despesas de sua mudança para os Estados Unidos.
 
Embora estivesse fazendo uma promissora carreira nos Estados Unidos, o Eleazar de Carvalho assumiu a Orquestra Sinfônica Brasileira por três vezes, entre os anos 1952 e 1969. Lembro-me de que, na década de 1950, ele criou um projeto chamado “Concertos para a Juventude”. Era realizado no teatro com a OSB. Eu assisti a muitos desses concertos porque o papai levava a gente. Então, eu vi muitos concertos regidos pelo meu tio. Na realidade, eu gostava muito de música. Logo o papai colocou a gente [Emilio e um de seus irmãos] para fazer a iniciação musical na Escola Nacional de Música do Rio de Janeiro [atual Escola de Música da UFRJ].
 
Othaniel: Mas foi o senhor quem pediu para estudar música? 
 
Emilio: Não! Foi ideia do meu pai. Aliás, eu e meu irmão achamos horrível aquele “negócio” [aulas na Escola Nacional de Música], porque éramos praticamente só os dois meninos no meio de um “monte” de meninas. Na época, eu estava com 6 ou 7 anos de idade. Lembro-me que tinha umas brincadeiras de roda e, em vez das meninas, a gente tirava as professoras [risos]. Daí, certo dia, falamos para o papai que a gente não queria aquele negócio lá não (...). Assim, depois de um tempo, meu pai conseguiu colocar a gente em uma escola chamada “Lorenzo Fernandez”. Gostamos muito! Lá também tinha iniciação musical, bandinha rítmica etc. e tal.
 
Othaniel: Mas, o senhor já tocava algum instrumento?
 
Emílio: Não tocava nada! No Rio de Janeiro, além da iniciação musical, estudei um pouco de piano com a minha tia. Mas, muito incipiente, pouca coisa, era só o começo. E logo nos mudamos para Brasília. Claro que se minha família tivesse continuado a morar no Rio, possivelmente eu me desenvolveria no piano ou talvez começasse a estudar algum outro instrumento. Enfim, não sei o que iria acontecer...
 
Othaniel Alcântara: Quando e por qual motivo aconteceu a mudança de sua família para Brasília?
 
Emilio: Quando meu pai foi transferido do Rio de Janeiro para Brasília, eu tinha 13 ou 14 anos de idade. Como disse anteriormente, meu pai trabalhava, desde 1958, como assessor de imprensa do Ministro da Educação e Cultura. Ele viajou várias vezes com Juscelino Kubitschek [1902 - 1976] para o Planalto Central. Nessas viagens, hospedava-se no “Catetinho”, lugar onde o Presidente ficava quando ia ao Centro-Oeste para ver as obras da futura Capital Federal. 
 
Então, o que aconteceu? Quando chegou o período de fazer a transferência [da Capital], houve uma enquete para saber quem seria voluntário, no sentido de se transferir para Brasília. A verdade é que muita gente não queria vir [para Brasília] coisa nenhuma [Risos]. Sair do Rio de Janeiro para o interior do Brasil, sem saber o que realmente é, o que que tem lá, que que não tem, né? A maioria não queria saber disso não! Papai foi um dos primeiros que assinaram o documento dizendo que se transferiria para a nova Capital. E, diferente de muitos de seus colegas, ele ficou empolgado com a transferência.
 
Othaniel: A mudança da família ocorreu no ano da inauguração de Brasília, em 1960?
 
Emilio: Sim, 1960. Meu pai se mudou para Brasília no dia 15 de abril de 1960, antes da inauguração [21/04/1960]. Eu cheguei junto com meu irmão, o Valdo, no dia lº de agosto daquele ano.
 
Othaniel: Então o senhor não presenciou as festividades de inauguração.
 
Emilio: Não. Mas sei que, por ocasião da inauguração, além das cerimônias habituais, foi organizada uma apresentação de orquestra na Praça dos Três Poderes. E quem eles escolheram para reger? Foi exatamente meu tio, o Eleazar de Carvalho. Pelo que me lembro, reuniram umas três ou quatro orquestras, entre elas a Orquestra Sinfônica Brasileira e acho que a Orquestra do Theatro Nacional de São Paulo.

 

Apresentação da OSB em Brasília em 1960.
Inauguração da nova capital da República.
Fonte: Site da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB)
 


Não me lembro bem dos detalhes, mas sei que fizeram um concurso para uma obra sinfônica com o objetivo de homenagear Brasília. Parece que teve um imbróglio lá. Eu sei que Juscelino gostava do trabalho do Tom Jobim. E, no fim, acho que eles deixaram o tal do concurso meio de lado [risos]. Realmente, não consigo me recordar de maiores detalhes dessa história, mas sei que existe uma obra do Tom Jobim sobre Brasília. Também tem uma sinfonia do Guerra-Peixe sobre Brasília. Tem mais umas duas outras nesse sentido. Uma delas, não tenho certeza, mas acho que é do Claudio Santoro. Enfim, eram uns quatro ou cinco compositores inscritos naquele concurso. Como disse, o “negócio” ficou meio confuso. No final, não deu em nada [risos]. Mas que teve o tal do concurso, teve (...). 
 
Othaniel: E as aulas de música em Brasília?
 
Emilio: Eu sei que, naquele tempo, não tinha orquestra, não tinha absolutamente nada de música em Brasília. Estudei um pouco de música (teoria, violoncelo etc.) na escola regular. O Ensino Médio ou Ginasial eu fiz no Centro de Ensino Fundamental CASEB. Lá eu estudava, por exemplo, inglês, francês. Também tinha matéria da área de humanas como Filosofia. Era período integral. E as atividades da parte da tarde eram divididas em dois lugares diferentes: no próprio Centro CASEB [Comissão de Administração do Sistema Educacional de Brasília] ou na Escola Parque, onde tínhamos as aulas de carpintaria, de culinária e de artes, de modo geral: música, pintura etc. Também estudei no CIEM (Centro Integrado de Educação Média] que pertencia à Universidade de Brasília. Depois, fui para o Elefante Branco fazer o que, atualmente, seria o equivalente ao segundo grau.
 
Eu, pessoalmente, à época, não estava muito interessado em fazer nada profissionalmente em termos de música. O meu sonho era ser piloto de caça. Uns amigos me falaram que eu não seria aceito como piloto porque usava óculos. Era uma época [década de 1960] em que se falava muito de foguetes. Então, fiquei interessado em estudar no ITA [Instituto Tecnológico de Aeronáutica, fundado em 1950] e me dedicar a construir foguetes.

Othaniel: Então, como foi que o senhor se interessou pela carreira de maestro?
 
Emilio: Nós somos da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil. Minha mãe era organista e pianista na Igreja. Um dia, em 1962, o Pastor pediu minha mãe para organizar uma apresentação musical para o Natal. Inclusive, eu cantei na Cantata de Natal daquele ano. Como já disse, eu gostava muito de música, talvez por causa da vivência que a nossa família teve com o Eleazar de Carvalho, mas não pensava em música como profissão. Enfim, quando terminou a Cantata, o Pastor pediu minha mãe para manter aquele coral. Então ela conseguiu manter o grupo por algum tempo, acho que até 1963.
 
Só que minha mãe era muito “nordestina”, ou seja, muito brava! Quando ela olhava assim, com aqueles olhos [Emilio faz a expressão facial], menino, sai de baixo (...)! E, um belo dia, ela ficou toda zangada com o coral da igreja. Ela dizia mais ou menos assim: “Eu vou acabar com esse coro (...) porque esse povo não estuda, não faz nada, não aprende e não vem para os ensaios”. Parece os coros de hoje, né? [Risos]. “A gente faz um esforço danado e esse povo (...). Ah, não quero mais não! Vou acabar com isso, vou acabar com o coro”. No momento em que ela falou isso, eu disse (diálogo aproximado): 
 
- Mãe, que isso? Não pode, mãe!
- Como é que não pode? Esse pessoal não vem ensaiar (...). Cansei! Cansei!
- Mãe, não pode (...). A senhora tem que continuar!
- Não adianta você ficar falando (...). Não vou continuar! Eu vou acabar com esse coro (...)!
- Mãe, então me ensina como é que faz isso aí, que eu vou pegar esse coro. O coro não pode acabar. 
- Você está falando sério?
- Uai, a senhora está dizendo que vai acabar com o coral? O coral não pode acabar! É uma coisa tão boa, tão maravilhosa! Não pode acabar!
- Tá bom. Olha, então é assim (...). 
 
Foi nesse dia que ela começou a me ensinar algumas coisas. Quando chegou o dia do ensaio, nós fomos pra lá e ela então disse para o pessoal que, a partir daquela data, eu seria o responsável pelo coral. E, assim, começou a minha guinada em relação à música.


Na próxima coluna, o desfecho dessa história. E, mais: o encontro de Emílio de César com Eleazar de Carvalho no Festival de Tanglewood (EUA). Sua relação profissional com o maestro e compositor Claudio Santoro e sua estreia à frente da Orquestra do Teatro Nacional de Brasília.

 
NOTAS:
 
1) O primeiro nome do violinista Sergei Eleazar de Carvalho foi escolhido pelos pais, Eleazar e Sônia Muniz, em homenagem ao maestro russo Serge Aleksandrovich Koussevitzky (1874-1951). Ele foi professor de Eleazar de Carvalho e Regente Titular da Orquestra Sinfônica de Boston, de 1924 até 1959. Sergei começou a estudar violino ainda criança. Teve como seus primeiros orientadores José Carlos Lima, Koiti Watanabe e Erich Lehninger. Aos 11 anos, transferiu-se para os Estados Unidos. Lá, estudou na Yale University com a professora Syoko Aki. De volta ao Brasil, em 1998, concluiu um curso de Bacharelado em Violino na Faculdade Mozarteum de São Paulo. Depois, cursou pós-graduação na The Hartt School da Universidade de Hartford, na classe de Anton Miller. Foi vencedor de vários concursos nos Estados Unidos e no Brasil. Fez sua estreia como solista na Orquestra New York Debut, em 1992. Apresentou-se como solista convidado em diversas orquestras brasileiras, incluindo a Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP) e a Orquestra Filarmônica de Goiás (OFG). Foi spalla da Bachiana Filarmônica SESI-SP. Na mesma instituição, iniciou sua carreira de maestro como Regente Assistente de João Carlos Martins. Clique aqui para obter mais dados biográficos de Sergei Eleazar de Carvalho. 

2) Para saber mais sobre o maestro Eleazar de Carvalho leia: 


3) A Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB) foi fundada em julho de 1940, como uma sociedade anônima. Para Nepomuceno (2004, pp. 18 e 139), o fundador foi o maestro José Siqueira, com o apoio do empresário Roberto Marinho. Eleazar de Carvalho teve três passagens como Regente Titular pela OSB: de 1951 a 1957; de 1960 a 1962; de 1966 a 1969

4) A  proibição dos cassinos em território brasileiro ocorreu via decreto-lei, datado de 30/04/1946, assinado pelo Presidente Eurico Gaspar Dutra (1883-1974), cujo mandato ocorreu entre os anos 1946 e 1951.
 


Comentários

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  • 04.01.2021 16:14 Euler de Amorim Junior

    O Professor Othaniel Júnior sempre nos presenteia com extraordinários artigos, com clareza e de importante conteúdo. Parabéns!

  • 22.12.2020 16:21 Orlando

    Ahhh foi me prendendo com o texto e no ápice da entrevista cortou o clima deixando o desfecho para a próxima coluna!! rs Excelente texto, perguntas concisas e objetivas!! Pode começar a pensar em um canal no YouTube!!

  • 22.12.2020 15:25 Andréa Luísa Teixeira

    Excelente entrevista. Parabéns Othaniel. O Maestro é um dos grandes representantes brasileiros das artes. A Orquestra em Goiânia sob sua batuta cresceu consideravelmente. Bravo!

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Othaniel Alcântara é professor de Música da Universidade Federal de Goiás (UFG) e pesquisador integrado ao CESEM (Centro de Estudos de Sociologia e Estética Musical), vinculado à Universidade Nova de Lisboa. othaniel.alcantara@gmail.com / othaniel.alcantara@gmail.com

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