Othaniel Alcântara Jr.
Em relação a este tema, o pesquisador Alberto Bachmann (1966, p. 01) assevera, poeticamente, que a origem de todos os instrumentos de cordas encontra-se perdida nas névoas do tempo. Como consequência disso, e segundo George Hart (1909, p. 01), existe uma considerável diversidade de opiniões acerca de tal assunto.
Particularmente no caso do violino (grafia em português e italiano), Bachmann pressupõe que o seu nascimento tenha ocorrido no século XVI, mais especificamente, em algum momento entre os anos de 1500 e 1550. Embora não apresente informações quanto à natureza de sua fonte, Bachmann afirma existir evidências que sugerem a utilização de violons (grafia em francês) em uma solenidade real francesa, em outubro de 1550. Este evento teria sido oferecido pelas autoridades da cidade de Rouem (região da Normandia) à nobre italiana Catherine de Médici, mãe do Rei Henrique III que, à época, ocupava o posto de Rainha Consorte da França (BACHMANN, 1966, pp. 01 e 08).
Ainda nesse sentido, é apropriado assinalar que datam de meados do século XVI as primeiras menções impressas alusivas ao violino. Sobre isso, embora os autores Giulio Pasquali e Remy Principe (1952, p. 10) afirmem que a denominação “violin” (termo em espanhol e inglês) não tenha sido usada na Itália até 1562, o musicólogo Joseph Wechsberg, registra, em seu The Glory of the Violin, que tal fato teria acontecido em 1551 (WECHSBERG, 1973, p. 14).
Além disso, existem duas teorias que orientam as pesquisas que envolvem o processo “gestacional” do violino e, por extensão, dos demais instrumentos de sua família - viola de arco, violoncelo e contrabaixo acústico. A primeira delas considera o violino como resultado de uma evolução, ou mesmo, do amálgama de artefatos musicais mais antigos. Esta linha de raciocínio é defendida pela grande maioria dos investigadores que compartilham o referido objeto de estudo. Como exemplo, podemos citar os autores Alberto Bachmann (An Encyclopedia of the Violin), Giulio Pasquali e Remy Principe (El Violin: manual de cultura y didactica violinistica), Willian Sandys e Simon Forster (History of the Violin), Walter Kolneder (The Amadeus Book of the Violin - construction, history and music).
Seguindo esta trilha, acredita-se que a história do violino origina-se no ravanastron (Figura 01), considerado o instrumento de arco mais antigo de que se tem conhecimento até hoje. Mas, tudo não passa de pura especulação, pois tal “crença” é fundamentada em uma velha lenda hindu que atribui sua criação ao rei Ravana do Ceilão (atual Sri Lanka - país insular localizado a sudeste da Índia), por volta de 5.000 a. C. É pertinente dizer que esse artefato musical continua sendo usado na cultura oriental. Neste seguimento, destaca-se o trabalho dos autores Giulio Pasquali e Remy Principe. O primeiro capítulo de El Violin disponibiliza um pequeno histórico sobre algumas dezenas de instrumentos musicais (primitivos, medievais e renascentistas), com o objetivo de traçar uma linha “evolutiva” dos instrumentos de cordas friccionadas com arco.
Figura 01 - Ravanastron
Para resumir a história, depois de alguns milênios e do surgimento de vários outros instrumentos musicais de cordas friccionadas com arco como, por exemplo, o europeu
cruth e o oriental
rebab, chegamos àqueles que são considerados os ancestrais diretos do violino (Figura 02). São eles: a
rebec (rebeca medieval), a
vielle e a lira da braccio que, embora sejam atualmente obsoletos (exceto para os conjuntos de
música antiga), foram bastante conhecidos na Idade Média e Renascimento, tendo sido, inclusive, muito utilizados em
consorts.
Figura 02 - exemplos de modelos dos instrumentos: rebec, vielle e lira da braccio.
Vale a pena mencionar, ainda, que no texto
“O violino e sua representação no Renascimento” - postado em 12/07/2019 - são exibidas algumas pinturas de Gaudenzio Ferrari (c.1475-1546), consideradas como significativas fontes iconográficas, na tentativa de desvendar pelo menos parte dos mistérios relacionados à origem do violino. São elas:
La Madonna degli Aranci (c.1530) e
The Concert of Angels (1534-36) que podem ser contempladas em igrejas pertencentes às comunas italianas de Vercelli e Saronno. (BERGMANN FILHO, 2010, pp. 28-29; CAPELA & ALEXANDRINO, 2017, pp. 13 e16; WECHSBERG, 1973, p. 14; WINTERNITZ, 1967, pp. 10-18).
É possível observar nos trabalhos do artista Gaudenzio Ferrari a representação de uma série de artefatos musicais, incluindo os já mencionados ancestrais do violino - rebec (rebeca medieval), vielle e lira da braccio. Além disso, o resultado das análises efetuadas por especialistas naquelas fontes iconográficas aponta para a existência de exemplares de violinos de três cordas (sol-ré-lá), ou seja, um estágio anterior daquele que conhecemos, hoje em dia, que possui quatro cordas (sol-ré-lá-mi).
Nessa linha de argumentação, em síntese, especula-se que a forma mais antiga do violino teria herdado, por exemplo, o cravelhal e a afinação em quintas justas da rebec. Para mais, da lira da braccio herdou a caixa de ressonância (amplificadora do som) cinturada em forma de 8.
O violino como um projeto originalmente renascentista
Já trilhando o século XXI, poderíamos concluir que, pelo que foi exposto, as inúmeras pesquisas realizadas ao longo do tempo não foram capazes de dissipar completamente a névoa - lembrando Bachmann - que envolve este tema. Parafraseando George Hart (1909, p. 01), não seria desnecessário dedicar tantos esforços na tentativa de traçar uma “genealogia” do violino, desde tempos mais remotos? Sendo coerente com sua opinião, emitida no início de seu The Violin - its famous makers and their imitators, Hart preferiu lançar luzes, quase que exclusivamente, sobre o violino em seu estado aperfeiçoado.
Por sua vez, o musicólogo Joseph Wechsberg (1973, p. 13) mostrou-se mais extremista em suas convicções. Sob um víés mais desafiador, este musicólogo defende a ideia de que não existiram violinos “primitivos”. Assim, o violino teria emergido, praticamente, em sua “perfeita” forma final, já durante o Renascimento, período considerado rico em criatividades e experiências em todas as áreas artísticas.
Para Wechsberg, considerando as grandes inovações - comparadas aos “rústicos” instrumentos de cordas friccionadas com arco mais antigos (medievais e renascentistas) -, o violino certamente não foi concebido por um artesão, e sim por um gênio - ou talvez mais de um trabalhando ao mesmo tempo. Com o propósito de justificar sua opinião, o pesquisador alega que o projeto arquitetônico do violino é maravilhosamente equilibrado e, certamente, fundamentado nas leis da física e da acústica. Ademais, nada poderia ser mudado sem perturbar seriamente seu equilíbrio, tanto como uma obra de arte quanto como um instrumento musical (WECHSBERG, 1973, p. 15).
As primeiras gerações de luthiers
Mesmo se adotarmos como ponto de partida o estágio aperfeiçoado do violino de 4 cordas, sua história permanece envolvida na obscuridade. Por conseguinte, devido à inexistência de fontes documentais capazes de esclarecer as persistentes dúvidas inerentes ao nascimento do violino, sua paternidade, ao longo dos anos, foi atribuída a diferentes luthiers (termo usado para designar seus fabricantes).
O mais velho deles é Giovanni Kerlino que, de acordo com FAPPANI (2018, p. 01), presumivelmente, teria vivido na cidade de Bréscia (Itália) entre os anos de 1410 e 1437. Nesse mesmo diapasão, os autores Giulio Pasquali e Remy Principe e Alberto Bachmann fazem menção a outros nomes como, por exemplo, do alemão (radicado na França) Caspar Tieffenbrucker (c.1514-1571). E, mais adiante, disponibilizam uma vasta relação de fabricantes pertencentes, inicialmente, a duas escolas de lutheria localizadas na região Norte da Itália. Destacam-se nessas escolas os nomes de Gasparo da Salò, da “Escola de Bréscia”, e Andrea Amati (c.1505-c.1578), fundador da “Escola de Cremona”.
O luthier Andrea Amati era tão famoso que recebeu, na década de 1560, uma encomenda para fabricar um conjunto de trinta e oito instrumentos de cordas para o rei Carlos IX da França. Quatro desses violinos sobreviveram aos séculos (BERGMANN FILHO, 2010, p. 30; WECHSBERG, 1973, p. 14). O violino mostrado na figura abaixo, datado de 1566, é considerado um desses instrumentos sobreviventes.
Obs.: apenas parte desse violino é original
Fonte: Site The Strad
Finalizando, o período áureo da luteria italiana aconteceu, aproximadamente, entre os anos de 1650 e 1750, com os trabalhos dos integrantes da chamada “Escola de Cremona”. Então, observa-se que a dinastia “Amati” foi brilhantemente representada pelos fabricantes Nicola Amati (1596-1684) - neto do já citado Andrea -, e de seu aprendiz Andrea Guarnieri (1626-1698). E, nas gerações posteriores, brilhariam os nomes, sobretudo, dos luthiers Stradivarius (Figura 04), nome latinizado de Antônio Stradivari (c.1644-1737) - provavelmente discípulo de Nicola Amati -, e Bartolomeo Giuseppe Guarnieri (1698-1744), mais conhecido como Guarnieri “del Gesù”, ou simplesmente Guarnierius (Figura 05). Este foi neto e pupilo de Andrea Guarnieri que, a esta altura, já havia fundado sua própria oficina de luteria, também em Cremona.
BACHMANN, Alberto Abraham. An encyclopedia of the violin. New York: Da Capo Press, 1966.
BERGMANN FILHO Juarez. A análise e a criação de literatura musical como ferramentas da metodologia contemporânea do ensino do violino em sua fase inicial de aprendizado. Curitiba, 2010, 137p. Dissertação (Mestrado). Departamento de Artes do Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes, Universidade Federal do Paraná.
CAPELA, Joaquim Domingos; ALEXANDRINO, António. O violino e o violeiro. Aveiro, Portugal: UA Editora - Universidade de Aveiro, 2017.
DAMAS, Carlos Alexandre Mourão de Carvalho. Violino e Tecnologia - origem e evolução tecnológica entre os séculos XV e XXI. Lisboa, 2012, 89p. Dissertação (Mestrado). Departamento de Ciências Musicais, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH), Universidade Nova de Lisboa.
FAPPANI, Antonio. Kerlino Giovanni. In: Enciclopedia Bresciana. Bréscia, Itália: Fondazione “Opera Diocesana San Francesco di Sales”, 2018, p. 01. Disponível em: <http://www.enciclopediabresciana.it/enciclopedia/index.php?title=KERLINO_Giovanni>. Acesso em: 28 jul. 2019.
HART, George. The Violin - its famous makers and their imitators. Londres: A public domain Book, 1909. Disponível em < https://www.gutenberg.org/ebooks/21982>. Acesso em: 28 jul. 2019.
KOLNEDER, Walter. The Amadeus Book of the Violin - construction, history and music. Portland, Oregon: Amadeus Press, 1998.
SADIE, Stanley. Dicionário Grove de Música: edição consisa. Eduardo Francisco Alves Trad. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1994.
SANDYS, Willian; FOSTER, Simon Andrew. History of the violin. Londres: John Russell Smith; Addilson and Lucas. A public domain Book, 1864. Disponível em <https://imslp.org/wiki/The_History_of_the_Violin_(Sandys%2C_William)>. Acesso em: 28 jul. 2019.
WECHSBERG, Joseph. The Glory of the violin. New York: The Viking Press, 1973.
WINTERNITZ, Emanuel. Gaudenzio Ferrari: his school and the early history of the violin. New York: Alexander Broude Inc., 1967.
PASQUALI, Giulio; PRINCIPE, Remy. El Violin - manual de cultura y didactica violinistica. Buenos Aires: Ricordi Americana, 1952.