Nádia Junqueira
As ruas de Goiânia foram palco de mobilizações de estudantes na última semana. Com motivações distintas, a notícia que fez os jovens saírem de casa foi a de que o Senado Federal aprovou, no último dia 7 de agosto, a destinação de 50% das vagas das universidades públicas para seleção pelo sistema de cotas. A aprovação transferiu a responsabilidade da questão para o colo da presidente Dilma Rousseff, que tem até o dia 29 de agosto para aprovar ou sancionar a lei, cujo projeto tramitava no Congresso há 13 anos.
De um lado, na última quinta (23/8), estudantes de escolas públicas (alunos da Universidade Federal de Goiás e de ensino médio) ocuparam as ruas do Centro, caminhando da Praça Cívica à dos Bandeirantes defendendo a reserva de vagas (veja como foi
aqui). “Os estudantes de escolas privadas recebem inúmeras oportunidades que nunca nem sonhamos. Mas não é porque não tenho condições de pagar uma escola cara que não sou inteligente o suficiente para fazer um curso superior numa escola pública”, argumentou Bárbara Vasconcellos, 18 anos, estudante do 2º ano do Lyceu e que esteve na manifestação. Bárbara conta que pretende estudar Direito ou Ciências Sociais.
Em contrapartida, no último domingo (19/8), estudantes de escolas particulares foram ao Bosque dos Buritis protestar contra o projeto de lei e o afunilamento do número de vagas (leia
aqui). Heitor Crispim, 17 anos, estuda no Colégio WR (um dos mais conceituados e, também, mais caros de Goiânia). Assim como Bárbara, Heitor quer cursar Direito. O estudante de Ensino Médio acredita que a questão fundamental gira em torno da melhoria da educação brasileira como um todo, sobretudo com a melhoria do Ensino de Base. “Não podemos ficar na inércia”, afirma Heitor que teme que a lei possa gerar acomodação.
“Acredito que a lei seja um projeto de anseio popular, mas uma medida populista porque os governantes preferem aprovar um projeto como esse ao invés de investir maciçamente na educação”, argumenta o garoto. O entendimento é o mesmo do presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino Particular de Goiânia, Alexandre Umbelino, para quem a lei é uma medida que faz com que o governo se esquive do compromisso de investir em educação básica. “O governo está tomando essa medida porque não tem a vontade política, nem o olhar pedagógico para os estudantes brasileiros para que todos cheguemos em condições igualitárias de realizar um vestibular em nosso país”, defende.
Dívida histórica
Alexandre relembra que o artigo 5º da Constiuição Federal garante que todos são iguais perante à lei e que a política de cotas provocará segregações. Defensor da melhoria da educação pública em todos os níveis, o professor de Educação da PUC Goiás e doutor em Educação, Aldimar Jacinto, argumenta, por outro lado, que essa nova lei vem para garantir aos estudantes de ensino público o direito de acesso a um setor que foi historicamente negado. “Esses estudantes sempre foram excluídos do ensino superior público em função de sua condição de cor ou classe”, rebate. De acordo com a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), a maioria dos estudantes terminam ensino médio em escola pública, mas recorrem às particulares para cursarem ensino superior.
Felipe e Heitor estudam no mesmo colégio, que é particular, mas divergem quando o assunto é cotas (foto: André Saddi)
Felipe Tokarski, 17 anos, é colega de Heitor no WR, mas defende as cotas nas universidades públicas. “É um comodismo da classe alta que não quer perder seus privilégios”, argumenta o vestibulando que almeja cursar Administração. Ele acredita que essa medida irá democratizar o acesso às universidades, historicamente negado às classes mais baixas. “O Brasil desde sempre teve regimes oligárquicos no poder e primaram por favorecimentos. Penso que as cotas devem ser temporárias, mas é um grande avanço por gerar oportunidade de crescimento social”.
Já dentro da universidade, o problema é a permanência
Nem sempre no principal foco da discussão ao se tratar de cotas, a permanência desses alunos até a conclusão dos cursos também deve ser facilitada pela universidade. Em suma, trata-se do chamado “custo-aluno” que envolve, entre os principais itens, alimentação, transporte, moradia e material didático. É aí que se encontra uma das principais preocupações do reitor da UFG. Para abranger o aumento do número de alunos oriundos de escolas públicas, será necessário um aumento de investimentos que garantam a permanência. Caso não haja, Edward afirma que a UFG não dará conta da demanda caso a lei seja aprovada.
Atualmente, alunos cotistas e não cotistas de baixa renda recebem apoio da universidade para que consigam concluir o curso. São oferecidas vagas nas Casas do Estudante, são isentos da taxa de alimentação no Restaurante Universitário e recebem auxílio para compra de materiais didáticos em cursos que dispensam mais investimento. Nos campi do interior do Estado, por exemplo, ainda não há Casas de Estudante e Restaurantes Universitários. Os estudantes recebem auxílio financeiro enquanto não há a estrutura.
No entanto, o Pró-Reitor de Assuntos da Comunidade, Júlio Prades, conta que a UFG apresenta hoje uma demanda reprimida. O programa de inclusão estabelece que os alunos com baixa renda familiar (os R$933 per capita) têm direito à bolsa inclusão. Hoje ela tem o valor de R$ 360 e 49% dos estudantes da universidade se enquadram nesse perfil do programa de inclusão. “Para que pudéssemos atender toda essa demanda, deveríamos triplicar o investimento”, afirma.
Em 2012, a UFG recebeu R$10 milhões para assistência estudantil, que atende demandas diversas além da questão da permanência. O valor é suficiente para se oferecer cinco mil bolsas. Para o ano que vem, a universidade tem garantido R$13,5 milhões.
André Luiz, estudante de Direito cotista e membro do DCE, reclama da falta de apoio à muitos alunos que enfrentam, cotidianamente, dificuldades para permaneceram na universidade. Ele admite que o aumento da reserva de vagas irá aumentar a demanda mas, para o estudante, isso não deve impedir que a lei não seja aprovada. “O que deve haver é um maior investimento nessas políticas de permanência”, ressalta.
É devido a tal carência que o pró-reitor Júlio Prades defende que as próprias universidades pudessem regular as porcentagens das cotas de acordo com a realidade da instituição. No entanto, ele se diz otimista caso a lei seja aprovada. “Nós não tínhamos nada no início (2009). Começamos com R$3 milhões, ano que vem serão R$13. Se tivermos de aplicar essa lei, vamos correr atrás. Mas não vamos atender a todos a curto prazo”, justifica.
Educação imediatista ou a longo prazo?
Conforme consta no texto aprovado no Senado, a política de cotas valerá por dez anos a partir de sua publicação, sendo que cada instituição de ensino superior tem quatro anos para implementá-la integralmente. Esse prazo, para o reitor Edward, é insuficiente para que gere reflexos e se conquiste avanços significativos na educação pública básica. “Temos três anos de Ensino Infantil, nove de Ensino Fundamental e outros três de Ensino Médio. Portanto 15 anos, no mínimo, são necessários para garantir um ensino público de qualidade para uma geração”, contabiliza Edward.
O professor Aldimar Jacinto também não se diz tão otimista com esse prazo. Ele acredita que seria um tempo necessário para criar algumas possibilidades, mas insuficiente para garantir mudanças profundas e efetivas. Para o especialista em Educação, um aspecto fundamental é que a educação brasileira não pode ser tratada de forma isolada. “A educação deve ser pensada intersetorialmente, interferindo, por exemplo, nos campos habitacionais e sociais”, argumenta Jacinto, lembrando também da evasão escolar dos que trabalham para ajudar financeiramente em casa.
O reitor e o professor concordam quanto à importância de aprovação do Plano Nacional de Educação, que tramita no Congresso Nacional. O plano garante que 10% do PIB sejam destinados à Educação. Para Edward Madureira, a aprovação e tal investimento são urgentes, enquanto o Brasil ainda conta com uma grande população jovem, que passa por formação no ensino básico.