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Na Bienal de Minas

Escritor Zuenir Ventura diz que Brasil precisa revisar o passado

Jornalista é autor de clássicos nacionais | 25.04.16 - 12:26 Escritor Zuenir Ventura diz que Brasil precisa revisar o passado Zuenir Ventura (Foto: Biblioteca de São Paulo)
Belo Horizonte - O jornalista e escritor Zuenir Ventura, autor de livros como 1968: O Ano que não Terminou, Cidade Partida e o recém-lançado Sagrada Família, esteve na 5ª Bienal do Livro de Minas, onde participou da mesa Memórias da Resistência, que discutirá a importância de se registrar a memória individual e coletiva por meio da literatura e da arte.
 
"Será uma conversa sobre a necessidade que o país tem de olhar para trás e revisar o passado para não repetir seus erros. É importante ter o passado sempre como lição, e não como exemplo", explica Zuenir. Sua fala deixa transparecer que, inevitavelmente, ganharão relevo em sua exposição paralelos entre 1968 e os acontecimentos mais recentes da política brasileira.
 
1968: O Ano que não Terminou é um livro que resgata episódios de um dos períodos mais conturbados da história brasileira. O acirramento dos ânimos entre a ditadura militar e seus opositores culminou na edição do Ato Institucional n°5 em 13 de dezembro de 1968. A medida permitia ao governo determinar o recesso do Congresso Nacional, proibir manifestações, cassar direitos políticos de qualquer cidadão e suspender diversas prerrogativas constitucionais, como a possibilidade do habeas corpus.
 
Se 1968 ainda não acabou, o período é recuperado por episódios curiosos ocorridos do ano de 2016, quando o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff provocou intenso acirramento político. O livro relata, por exemplo, o confronto entre estudantes da Universidade Mackenzie e da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo (USP), na Rua Maria Antonia.
 
Neste ano, a Rua Maria Antonia voltou a ser palco de manifestações, e conflitos políticos entre estudantes foram novamente registrados em São Paulo, desta vez na Pontifícia Universidade Católica (PUC), onde a Polícia Militar fez uso de bombas de gás e balas de borracha para dispersar os presentes.
 
Além disso, uma peça teatral de Chico Buarque voltou à cena política. O episódio fez muitas pessoas lembrarem os violentos ataques do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) aos atores da peça Roda Viva, que ocorreram em São Paulo e em Porto Alegre em 1968. No entanto, os casos são diferentes. Desta vez, em Belo Horizonte, o público protestou contra a postura de um ator que, em improviso, durante um espetáculo, criticou a presidenta Dilma Rousseff e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Posteriormente, Chico Buarque posicionou-se contra o ator retirando-lhe a autorização para seguir com a peça.
 
"Há paralelos com 2016, sem dúvida, mas o perigo é acharmos que a história se repete. Eu chamo a atenção dos jovens críticos aos atuais desdobramentos políticos do país, que acham que 1968 tem que se repetir. Não é exatamente assim. Nenhum dos lados pode copiar 1968. 1968 tem que ser lição para todos", alerta Zuenir.
 
O escritor lembra das grandes manifestações que ocorreram às vésperas da Copa das Confederações, em 2013. "Os grupos que saíram às ruas em 1968, e hoje ainda saem quebrando caixas de banco como se estivessem destruindo um símbolo do capitalismo, não fizeram avançar a história. Eles prejudicam um movimento de milhares", analisou.
 
Paixões políticas
Para Zuenir Ventura, a história tem avançado mais pela evolução do que pela revolução. "Obviamente, há casos de revoluções que derrubam o passado, mas nem sempre conseguiram criar um futuro mais promissor. A ruptura provoca mudanças e, às vezes, essas mudanças são retrocessos. Em 1968, houve retrocesso. E a conquista da democracia acabou sendo possível pela evolução e não pela revolução."
 
Com a autoridade de quem reviu em minúcias fatos importantes do período militar, as opiniões do escritor sobre eventos políticos emblemáticos do Brasil despertam curiosidade, mas evita fazer comentários. "Não quero fazer avaliação nenhuma porque vejo o país todo dividido. Lamento a intolerância e o ódio e venho tentando manter, nos meus artigos, uma equidistância." Segundo Zuenir, muitas pessoas dizem que ele precisa sair de cima do muro. "Eu respondo que, em determinados momentos, para um observador como o jornalista, a melhor posição é exatamente em cima do muro, onde se  enxergam os dois lados."
 
Em sua opinião, só o tempo poderá dizer se o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff é legítimo ou se configura com um golpe. "Daqui a 20 anos haverá uma versão depurada do momento que vivemos. O tempo depura muita coisa e, longe das paixões do momento, vai se consolidando uma versão. Por exemplo, as pessoas têm plena consciência do que foi a ditadura militar, mas, em 1964, uma expressiva parte da população acreditava de verdade que era uma revolução. Hoje só pensa isso uma minoria pouco representativa."
 
Justamente para se afastar das paixões, 1968: O Ano que não Terminou narra fatos que ocorreram duas décadas antes. "A análise histórica precisa ser realizada com perspectiva. Eu escrevi o livro com 20 anos de distância dos episódios. Teve gente que falou que eu fui muito generoso com os generais, mas eu só não quis passar no livro a atmosfera de paixões daquele momento. O [escritor] Nelson Rodrigues, por exemplo, que é um gênio, apoiava os militares e gozava muito os estudantes. Ele era odiado e, em determinado momento, eu também o odiava. Então, ter 20 anos de distância para escrever essa história foi bom pra também poder encarar as versões dos diversos lados."
 
Realidade e ficção
Na mesa, o jornalista teve a companhia do historiador e escritor Rodrigo Lacerda, neto de Carlos Lacerda, que lançou há três anos o romance A República das Abelhas, que busca fazer um retrato do avô. Diferentemente do que fez com 1968: o Ano que não Terminou, quando se baseou apenas em testemunhos, para o romance Sagrada Família, lançado em 2012, Zuenir Ventura recuperou fatos históricos, mas usou  personagens fictícios – o pano de fundo são acontecimentos reais dos anos 40. "A linguagem do romance e da ficção é mais sedutora do que a linguagem do jornalismo. No jornalismo, trabalhamos apenas com substantivos e verbos."
 
Ao mesclar ficção e fatos reais, Zuenir diz que faz jornalismo literário. "Há duas maneiras de realizar esse modelo. Uma é utilizar recursos linguísticos de ficção e romance para contar a história, mas sem ficção. Foi o que fiz nos relatos sobre 1968. Eu fiz de 200 a 300 entrevistas. Usei em todo o livro o pronome eu uma vez só. Eu uso os testemunho de outras pessoas. A outra maneira é criar memórias inventadas, mas que se encaixem em determinado contexto, como é o caso de Sagrada Família." (Agência Brasil)
 
 

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