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Sarah Mohn
Sarah Mohn

É jornalista graduada pela UFG e especialista em Comunicação Empresarial e Publicidade Estratégica. Nesta coluna, escreve artigos de opinião / sarahmohn@gmail.com

Meias Verdades

Não me chame de balzaquiana

| 14.07.16 - 18:35

Sarah Mohn
 
Goiânia – Honoré de Balzac fez um belo serviço à humanidade quando escreveu, em meados do século 19, o clássico “A mulher de 30 anos”. Na obra, o autor francês rompe com paradigmas ao explicitar ao mundo o vazio de aparências em que vivia a maior parte da sociedade europeia, especialmente as mulheres que se mantinham durante toda a vida aprisionadas em casamentos arranjados.

O livro é útil, foi e continua sendo um importante instrumento de crítica social. Mas o termo “balzaquiana” foi distorcido. Talvez por desconhecimento de quem nunca abriu aquele livro, a expressão se tornou termo para adjetivar qualquer mulher que completa 30 anos de idade. Só que essa generalização é equivocada. Há quem se enquadre no perfil de Julie d'Aiglemont, a personagem principal da trama. Mas para mim essa expressão soa mais como ofensa.
 
Acabei de completar três décadas de vida e decidi escrever esse texto após tanto ouvir e ler amigos e conhecidos me parabenizando por meu aniversário e me chamando de balzaquiana. Em todas essas situações, eu enchi o peito para corrigi-los: com muito orgulho, eu não sou balzaquiana. Por favor, não me chame assim.
 
Repito, à parte o conteúdo crítico do livro ser de fundamental importância tanto para a literatura, quanto para a revisão de costumes sociais, a vida que viveu a personagem da obra mais famosa e popular de Balzac foi nada menos do que uma vida medíocre. Uma vida vazia, frágil e covarde. E se não é Julie d'Aiglemont, a verdadeira balzaquiana, quem se orgulha de sua biografia, não caberia a nós esse papel.
 
Em um breve resumo, a história redigida por Balzac começa quando Julie rejeita os conselhos de seu pai e decide se casar com um rico e respeitado general da tropa de Napoleão Bonaparte, mas por quem não nutria amor verdadeiro. Isso por volta de seus 20 anos. Daí em diante, é só ladeira abaixo. Por medo e covardia, Julie transfere a raiva que desenvolve por seu marido para a filha e acaba renegando-a.
 
Tempos depois, ela se apaixona por um médico, que literalmente morre de frio ao se esconder de um quase flagra do marido de Julie. O pior é que Julie amou esse homem sem que ele se tornasse seu amante, pois sequer contato físico houve entre eles. Sim, meu texto contém spoiler.
 
E assim caminha a história. Covarde que foi, Julie não rompeu o casamento para viver um amor verdadeiro. Permitiu que sua paixão morresse e depois foi se isolar em uma fazenda da família para se alimentar do luto pelo amor não vivido. Quase digna de pena. Só que não.
 
Assim que completa 30 anos, Julie se apaixona por um jovem e, ao longo de anos, mantém um relacionamento extraconjugal com ele. O livro deixa subentendido, inclusive, que com ele Julie teve dois filhos. Do outro lado, o marido de Julie também vive um relacionamento paralelo com uma amante. E, sob o véu da hipocrisia, os dois nunca desfazem o casamento falido.
 
Para piorar a situação de Julie, já por volta de seus 50 anos de idade, viúva e com apenas a filha mais nova viva, a balzaquiana opta por continuar abdicando de sua vida, mas de uma nova forma: agora, para viver em função dos caprichos da caçula. Filha essa que a humilha e a maltrata, rotineira e friamente. No fim das contas, Julie morre e o livro leva a crer que seu fim foi de completo desgosto.
 
Então, eu pergunto: cadê a virtude de ser balzaquiana?
 
Há quem defenda que para o autor a mulher de 30, mais madura e consciente, se insurgiu contra o status quo da época ao escancarar sua angústia matrimonial e se permitir viver um romance extraconjugal. Defendem que seu posicionamento foi até mesmo revolucionário contra as imposições sociais da época. Eu discordo. Neste cenário, só vislumbro abnegação.
 
Julie d'Aiglemont representa todo o retrocesso e atraso contra os quais a maioria das mulheres tanto luta. Julie é a antítese da plenitude. É uma dinamite entre os tijolinhos de empoderamento que tentamos arduamente levantar dia após dia. É a maior representação de omissão e negligência femininas. Julie é uma fraude.
 
Se isso é ser balzaquiana, eu dispenso o título. A quem deseja me elogiar por meus 30 anos, diga que estou magra, sem rugas, mais madura e confiante. Qualquer coisa nesse sentido. Mas não anuncie seu completo desconhecimento sobre o termo que define, completamente, o que eu mais repudio em uma pessoa: a covardia.

Comentários

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  • 08.01.2022 14:17 Michel Jean

    Foi um deleite ler essas mensagens. Me parece que o feminismo é forte nessa causa, acusar as mulheres fracas. Por outro lado, uma mulher fraca e suscetível a suas próprias vontades também não vai pra frente. No final das contas a crítica foi boa, não fosse denunciar que a jornalista também está empurrando pra frente essa ideia de ser balzaquiana. Todo(a)s somos!

  • 09.12.2021 17:13 comedor de balzacas

    kkkkkkkkkk para as balzacas é só leitada e ghost.

  • 02.06.2021 09:55 Hique

    Os comentários aqui são os piores. Haja paciência...

  • 15.03.2021 22:38 Simone

    Ha pessoas que encontram beleza na vida, vai criticar a garota de ipanema tambem? Que era mebor de idade paquerada por cantores mais velhos e barrigudos? Faz favor, combata sua tpm não a beleza das mulheres de 30, melhor época da minha vida.

  • 04.03.2021 00:14 Bruno

    Balzaca revlamona!!! Kkkkkk , deve ser uma pêlo na teta É BALZACA SIM!!!

  • 24.12.2020 01:44 texticulos cronicos

    Muito bom esclarecimento. Excelente texto. E quem não gostou, não entendeu. Ou é burro.

  • 26.09.2020 16:12 Klark Quente

    Por que esse azedume? Está encalhada? Ou num relacionamento frustrado como a adúltera do livro?

  • 20.09.2020 14:06 Márcio Freitas

    parabéns Sarah Mohn, excelente reflexão e aplicação no seu texto!!!

  • 04.08.2020 16:55 TAMIRES FREIRE

    Estou prestes a fazer 30 anos, estava pesquisando sobre o termo para saber o significado dele. Estava perplexa com as coisas que li aqui e me sentindo uma idiota por ter cogitado me intitular com tal, Mas quando cheguei ao final e tive que ler que "magra e sem rugas" é o elogio que queres receber, percebo que todas as palavras anteriores são vãs. Se você se sente empoderada por ofender as mulheres que fogem do padrão de merecer elogio e isso te faz diferente de uma balzaquiana, eu prefiro ser balzaquiana.

  • 09.03.2020 12:47 Leonardo Bernardo

    A sua opinião é muito lúcida. Perfeitamente correta. O contexto da obra define a mulher de Balzac. Trechos fora desse contexto é apenas pretexto. Frases pinçadas, esperança frustada. Algumas máximas da hermenêutica textual. Alguns preferem o engano a verdade. Isso vale para todos os conteúdos. O público em geral não confronta nada. Apenas aceitam com intuito de fazerem parte de rodas e grupos "sociais". De forma geral a mulher balzaquiana é moralmente falida e não teve vida plena em nenhum aspecto. Quem quiser ser balzaquiana que seja, o empoderamento feminino inclusive é isso, ser o que quiser ser inclusive escolher frustrações pessoais ao invés de plenitude de vida. Parabéns pela crítica e leitura sincera do livro, sem amarras e sem cabresto de modinhas.

  • 19.02.2020 19:34 Laís

    Tava muito boa a crítica e o ponto de vista, porém a frase "Diga que estou magra e sem rugas..." Me fez discrer de tudo!

  • 04.12.2019 13:19 Thayse

    Entendi seu ponto mas não posso concordar com ele. O termo "balzaquiana" remete à Balzac, o autor da obra. E segundo o autor: ‘Uma mulher de trinta anos tem atrativos irresistíveis. A mulher jovem tem muitas ilusões, muita inexperiência. Uma nos instrui, a outra quer tudo aprender e acredita ter dito tudo despindo o vestido. […] Entre elas duas há a distância incomensurável que vai do previsto ao imprevisto, da força à fraqueza. A mulher de trinta anos satisfaz tudo, e a jovem, sob pena de não sê-lo, nada pode satisfazer’." Logo,acredito que a definição de balzaquiana se dá pelo autor e não pela trajetória da personagem principal, até porque a trajetória da personagem Julie estava sujeita aos costumes da sociedade da época. Fosse esse livro escrito num cenário mais atual a trajetória seria diferente. E comentário da Raquel Oliveira aqui embaixo foi ótimo, 100% apoiada.

  • 18.07.2019 12:09 Raquel Oliveira

    Estava indo muito bem até que: "diga que estou magra, sem rugas". Apenas uma "Julie d'Aiglemont" moderninha. Não se submete ao casamento falido, mas se submete a outras imposições, desde que essas lhe pareçam bem.

  • 13.08.2018 20:20 Marcelo Ricardo

    Meus parabéns pelo seu texto. As pessoas vivem repetindo termos e frases sem sequer saber o significado. Não há virtude nenhuma na verdadeira história da mulher Balsaquiana. Você poderia fazer um vídeo para divulgar. Até mesmo um canal ou livro Muitas mulheres hoje em dia buscam independência e se esquecem de ser apenas mulher, criadas por Deus com tantas virtudes. Edificar sua casa, ajudar, aconselhar, beleza natural e sabedoria em tudo que faz. A independência pode andar junto com tudo isso. Não nivelar por baixo, como aconteceu na história ao buscar um relacionamento extraconjugal. Ela agradou o pai, que na época era desta forma, mas acabou com a vida dela e das filhas. Deus abençoe.

  • 29.06.2018 19:53 Altamiro Franco

    Boa tarde. Tenho hoje 53 anos e ouvi o termo balzaquiana pela primeira vez por intermédio de minha mãe, que foi e é uma mulher completamente oposta e de situação oposta da personagem do romance. Sendo assim, sempre tive esse termo balzaquiana como elogioso, pois quando digo que uma mulher é uma balzaquiana, refiro-me à beleza interior e exterior que uma "trintona/quarentona" pode ter. Em minhas andanças nunca fui repreendido por nenhuma mulher por usar esse termo, talvez o motivo seja o fato de nunca ter estado na presença de uma mulher inteligente e "estraga prazeres" como você. Continuarei com minhas desprovidas de cultura, porque também não à tenho. Forte abraço.

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