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Nádia  Junqueira
Nádia Junqueira

Nádia Junqueira é jornalista e mestre em Filosofia Política (UFG). / njunqueiraribeiro@gmail.com

Ora, pois!

A terça-feira na Câmara e no Alemão

| 06.04.15 - 18:44
Brasília - Era uma terça-feira. Seguiram para o local de trabalho determinados a cumprir uma promessa de campanha. Determinados a não ouvir as dezenas de entidades civis que entoavam o coro contrário. Determinados a não ser convencidos por um discurso que indicaria a complexidade de algo que insistiam ser simples. Determinados a facilitar que a vingança fosse feita, já que a justiça. Bom, a justiça também é uma coisa mais complicada... Aprovaram a redução da maioridade penal na Câmara.
 
Nesse dia Eduardo Jesus deve ter descido o morro como todos os outros dias de semana para ir para escola. Desceu cruzando a realidade violenta e corriqueira que a ele e a tantas crianças e adolescentes é imputada diariamente. Gente acuada com tiroteio. Gente morrendo sem atendimento médico. Gente sem transporte público. Sem saneamento básico. O cenário de todo dia de quem desce o morro. O cenário de negações onde crescem as crianças.
 
O que os homens de terno decidiam aquele dia na Câmara não lhe interessava. Porque aquilo não interessa a uma criança que vai pra escola, quer voltar, brincar e ver novela com sua mãe. Se assistisse na TV o que aconteceu na Câmara, diria: isso não tem nada a ver comigo. Eu quero ser bombeiro. Não quero roubar nem matar.
 
Não importavam seus sonhos, Eduardo. Não importava quem você era. Assim como nunca importou quem eram Mateus ou Alan. Vocês, para eles, eram potenciais marginais. Suas vidas são matáveis. Não valem capa de jornal. Não valem votos de parlamentares. Não valem minuto de silêncio.  
 
Eles sabem que os jovens representam menos de 1% daqueles que cometem crime no país. Sabem que temos a quarta maior população prisional do planeta e que, ao mesmo tempo, os crimes só crescem. Sabem que o sistema carcerário é precário e ninguém sai melhor dali. Sabem que adolescentes vão conviver com profissionais do crime e saírem prontos para fazer coisa pior.
 
Sabem que o Brasil mata 72 jovens por dia. Mas eles não se importam. Como nunca se importaram com Eduardo. Nem em vida, nem em morte. Um crime foi cometido contra um de nós, cidadãos de bem, detentores de vida não-matável. Que haja punição. Que alivie nossa sede de vingança. A única lógica seca e cega que corta um emaranhado de fatores ignorados.  
 
Eles não estão se voltando somente contra o 1% de jovens entre os criminosos. Voltam as costas para crianças de dez anos que querem ser enxergadas como gente que tem sonho. Deixam de pensar em possibilidades positivas e políticas de inclusão para mantê-los à margem onde sempre estiveram.
 
Dão as costas aos 99% que gritam por desejo de ser humano. De ser bombeiro. De ser inseridos no consumo sem que tenham que roubar alguém. Nenhuma criança cresce com desejo de ser criminosa. Ela quer ser alguém. Quer ser como todo mundo. Como quem vê na TV. Como quem é respeitado onde mora. Que seja por bem ou por mal. Que a vida dure muito ou pouco, não se importam.
 
Quem tem pouco, perdeu muito, não teme por muita coisa. Quem assiste ao vizinho de dez anos ser assassinado, quem perde seus amigos antes dos 20 anos mortos pelas mãos da polícia ou de traficantes não teme ser preso aos 16. Não teme ir para cadeia. O inferno já é um lugar conhecido.
 
Se ali na Câmara, longe das periferias, longe dos morros, aqueles que têm nas mãos o poder de deliberação e de voltar o olhar para os jovens, os abandona; os que carregam fuzis e têm como ofício o encarceramento, não temerão se enrijecer. Na Câmara, eles dão o recado: a gente não quer salvar, quer excluir. Que encarcerem os de 16. Nas periferias, o recado ecoa: estamos legitimados. Nem os de terno querem os salvar. Que morram os de 10.
 
Colocam um contra o outro, como diz os dados da Anistia Internacional. Morre um policial. Matam quatro jovens. Para pobreza que cresce, marginal que se prolifera, aumenta-se o número de tropas. Que se matem. Eles também não se importam com quem está de farda. Dizem se importar com a violência que nos deixa em pânico e, é verdade, é problema sério de todo mundo. Mas não se dispõem a pensar em resolvê-la.
 
Não ousam se aproximar de soluções que vão às raízes. Compram uma bandeira que não resolve o problema, mas afaga a opinião pública. Ressoa bem em discursos. Então aprovam a redução. Seguem para casa para professar sua fé e rezar pelo pobre que, não tinha culpa, e foi morto injustamente. Mas ele não era Eduardo. Com ele não se importam.  

Comentários

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  • 09.04.2015 13:50 Jorge

    Acabei de saber que esse 1% não existe. Foi mais uma invenção da esquerda. Leia a coluna do Leandro Narloch para descobrir que tal estatística foi simplesmente fabricada.Buá buá.

  • 08.04.2015 08:22 Jorge

    As universidades são todas recheadas de professores marxistas e a favor dos direitos dos "manos". Engraçado quando vocês viajam para o exterior, assim tipo EUA, vocês adoram a organização e o cumprimento das leis, aí depois voltam e continuam com a mesma latinidade de sempre. O comentário aqui sobre os professores universitários só reforça isso. As universidades são um lixo.

  • 07.04.2015 22:50 Wagner Souza

    Brilhante Nádia! Aprendi muito com o grande professor Alberto, no curso de Pedagogia, a respeitar os direitos humanos e compreendê-los dentro de uma lógica solidária que vai de encontro à hipocrisia e ignorância da sociedade em geral. Reduzir a maioridade penal está longe de ser solução para os nossos problemas sociais tenebrosos construídos por um processo de exclusão histórica e aniquilador da inocência humana. Nesta manhã, no curso de Filosofia, conversando com o professor Dr. Cristiano Novaes de Rezende, um debatedor aprofundado desta causa e inteligentemente contrário a redução da maioridade penal, foi possível perceber como há uma distorção dos fatos e uma inquisição causada por injustiças sociais, massacrando jovens das camadas mais populares, em sua maioria negros, tornando a aprovação dessa lei algo absurdo que macula ainda mais a imagem do poder legislativo em nosso país. Abraço! Meu blog ainda é o mesmo: http://vozesdilacerantes.blogspot.com.br/

  • 07.04.2015 15:33 Marta

    1 - Policiais brasileiros são os que mais morrem no mundo. 2 - não é a pobreza que faz a índole da pessoa, se fosse assim todo pobre seria bandido ou bandido em potencial. Cadê o PT maravilhoso que iria acabar com a pobreza que vc coloca aqui como fator de introdução para a criminalidade? 4 - se pobreza fosse fator para criminalidade como se explica os ricos bandidos, ou pessoas bem nascidas que cometem crimes como Suzane Richthofen? 5 - quais seriam as soluções que vão às raízes? Texto ridículo.

  • 07.04.2015 11:59 Heitor Boskov

    Lúcia Vasconcelos nela!!! É triste ver como nosso idioma é martirizado por aqueles que deviam promover sua guarda. O comunicador deve, no mínimo, saber escrever o português correto. Não adiante ser bonitinha, pagar de intelectual, ter "boas idèias" se não teve leitura. Antigamente nossos comunicadores cometiam erros raros. Hoje é raro o comunicador não errar. Não exijo perfeição, mas o mínimo que se espera, é o respeito ao português. QUer ser colunista com qual bagagem? Se quer formar opiniões, aprenda a utilizar o meio de forma correta. Lúcia vasconcelos resolve.

  • 06.04.2015 20:38 Jorge

    Só para sua informação, se a lei for aprovada (e deve) quem vai pra cadeia são os bandidos de 16 anos e não todos os adolescentes de 16 anos, como vocês tentam pregar. Parecem um bando de histéricos que, claro, ficam bem longe da periferia mas bem próximos das trouxas de maconha que os adolescentes entregam nos bairros da classe A. Com certeza vocês querem proteger os entregadores do bagulho.

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Nádia Junqueira é jornalista e mestre em Filosofia Política (UFG). / njunqueiraribeiro@gmail.com

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