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Jornalista, produtor cultural e mestre em Comunicação pela UFG / pablokossa@bol.com.br
Goiânia - Na última sexta-feira (17/10), a apresentação em conjunto de Zélia Duncan e Zeca Baleiro me fez pensar sobre a necessidade atual do artista ser criativo não só na parte artística, o que seria elementar, mas também nos formatos de shows que apresenta ao público. O conceito da tal da economia criativa se materializa e cresce aos olhos mais do que nunca.
Cheguei a conclusão que a crise do disco empurrou os músicos para fora da zona de conforto em relação aos shows. Agora eles precisam bolar novos produtos que levam para o palco e que visem garantir a continuidade do interesse de quem paga ingresso para suas apresentações e, por conseguinte, seu ganha-pão.
Precisamos fazer uma recapitulação do que era a indústria musical entre as décadas de 1970 a 1990 para entender melhor esse fenômeno. Nesse período de ouro, a lógica de funcionamento da carreira de um artista era completamente diferente do que observamos hoje.
Durante essas três décadas, a banda gravava um disco e pegava a estrada para divulgar e vender o novo trabalho. O grosso do faturamento de um artista vinha da venda de discos e os shows serviam prioritariamente para potencializar a comercialização do produto físico.
O mundo de hoje é outro. A maior fatia do orçamento de um artista vem do palco. O disco físico serve agora para que ele justifique mais shows e a turnê que garante a sua sobrevivência. Além da turnê de carreira, inventar shows tributos, parcerias e apresentações de álbuns clássicos tocados na íntegra vêm sendo sadias (e lucrativas) reinvenções do formato ao vivo.
Zélia Duncan e Zeca Baleiro sabem que pouco provavelmente fariam essa turnê conjunta em outra circunstância da indústria musical. Essa interessante parceria talvez ficasse só no campo das ideias em outro momento comercial da música mundial. O comodismo talvez impedisse esse pulo fora da certeza.
É claro que se trata de mero exercício especulativo. Mas a escolha da música Pássaro de Sá e Guarabyra, que explica um pouco do ofício de músico e sua lide com a verdade do palco, para abrir o show talvez seja uma forma de justificar o encontro. Um ponto a favor de ambos é que os dois já mostraram interesse nesse tipo de experiência: Zeca Baleiro com Raimundo Fagner e Zélia Duncan com os Mutantes. Isso deixa o projeto com mais legitimidade. Mas vamos seguir com o show.
Independente de ser ou não produto de um novo momento da indústria, é inegável que Goiânia teve a bela oportunidade de ver artistas que já construíram uma obra sólida isoladamente cruzar repertórios e canções lado B que os influenciaram.
Essa opção por músicas desconhecidas deixou o público sem grande participação. Melhor que assim ficasse, pois quando o mesmo se manifestava era com a mania chata de gritar gracejos para os artistas. Em teatros, que exige alguma liturgia no comportamento do público irritava. E mais que isso: revelava um comportamento imbecil. E, por que não dizer, alguma jequice.
A primeira que ganhou o público de verdade foi Mulheres de Martinho da Vila. Poucos hits próprios estiveram no show de 1h45 minutos de duração: Alma nova, Quase nada, Nos lençóis desse reggae e, no bis, as mais esperadas pelo público de bom número no Teatro Rio Vermelho do Centro de Convenções, Telegrama e Catedral. O ponto negativo foi a performance ruim de Zeca ao violão: inseguro, disperso e errando muito. Mas isso não prejudicou o conjunto da obra.
E que a crise do disco faça com que mais projetos interessantes para os palcos, como esse encontro de Zélia e Zeca, sejam criados. O público interessado em artistas que arrisquem, comigo incluso nesse rol, agradece.