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Pablo Kossa
Pablo Kossa

Jornalista, produtor cultural e mestre em Comunicação pela UFG / pablokossa@bol.com.br

O Blog

O perigo da memória afetiva

O risco de destruir nossas melhores lembranças | 18.10.11 - 11:22

Nada é mais traiçoeiro que a memória afetiva. Ela nos prega peças diárias e nos faz passar vergonhas que não estamos acostumados a encarar. Quando você age calcado na memória afetiva, vai com aquela expectativa, faz um baita comercial aos amigos, cria todo um clima e, na hora H, pimba!: não era nada daquilo como você se lembrava. Ou seja, você foi mais uma vítima da memória afetiva e será ridicularizado por todos nos próximos anos. Dica de brother: nunca confie em sua memória afetiva.

 

Se você não entende o significado do termo memória afetiva, explico agora com todo prazer, caro leitor! São aquelas lembranças que você tem dos bons tempos da infância. Tipo um quintal enorme da casa de seus avós em que você brincava, um doce que sua mãe lhe levava para comer em uma cidadezinha do interior, o bolinho de carne que sua avó fazia em dias especiais, a diversão de um dia no córrego de uma chácara... Enfim, são recordações nostálgicas e cheias de afeto que todos guardamos dos bons momentos da vida.

 

Ter essas vivências emolduradas com os mais belos sentimentos é corretíssimo. O problema é quando decidimos revivê-las. Aí mora o perigo. Provavelmente, o quintal em que você brincava não era tão enorme quanto sua memória guarda, o doce que sua mãe lhe dava não passa de uma paçoquinha vagabunda de esquina, o bolinho de carne da sua avó foi superado por aquele que você aprendeu fazer e o córrego onde você se divertia se trata de um filete d'água que não dá nem para molhar o joelho. Todos os mitos são destruídos em frações de segundo.

 

Aí bate a crise no indivíduo, pois percebe que todas suas referências sentimentais, na verdade, não são tão majestosas ou grandiosas quanto se aparentavam. E isso é completamente normal. Não há nada para se preocupar. Quando somos crianças, estamos naquela fase de descobertas onde um admirável mundo novo se abre a cada dia. Então, a pastelaria da esquina é a melhor pastelaria do mundo – afinal, você só conhece aquela. O quintal da vovó é o maior do mundo – afinal, você só conhece aquele. E assim por diante.

 

Não podemos exigir que tenhamos o mesmo encantamento de nossas experiências da infância décadas depois. O acumulado de referências que temos ao viver nos impede aquele deslumbramento pueril. E quando exigimos isso de uma vivência calcada na memória afetiva, a decepção é mais certa do que a chuva nesses dias de outubro em Goiânia.

 

Tento manter com todo carinho as coisas que vivi no lugar onde elas são mais legais: na minha cambaleada memória. Qualquer tentativa de revivê-las vai quebrar um mito que é caríssimo para mim e, sinceramente, não quero correr esse risco. Memória afetiva é bom demais. Desde que permaneça na memória. Com todo o afeto do mundo.


Comentários

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  • 16.09.2019 11:19 Juliana trinco

    Adorei seu texto, me descreveu e, vários momentos. Como é engraçado (ou cômico) ver que aquilo que pensávamos ser algo tão incrivelmente maravilhoso não se passava de apenas algo pequeno (hoje para nos que conhecemos o mundo e culturas e afins). Aproveito o ensejo para fazer uma breve percepção minha que, não sei se todos concordarão mas, penso que também essa memória afetiva que tanto falamos não deixa de ser parecido com aquelas vezes em que depositamos nossa expetativa encima de um produto/serviço muito bom que -por muitas vezes- não temos condições de adquirir e quando, finalmente, conseguimos ter, depois de um tempo - às vezes não muito tempo- perdem totalmente o significado que demos para aquilo. Isso me faz pensar que nossas memórias eram - de certa forma - ingênuas ou singelas - e que com tantos bombardeios de informações e empresas/pessoas dizendo quem você deve ser, o que vc deve comer, acabamos (re)criando um outro tipo de cultura, um outro tipo de personagem pra nossa existência. Personagem esse, que volta - vez ou outra- áquelas memórias afetivas gostosas de relembrar. Apenas de relembrar.

  • 04.06.2019 21:30 Maria

    Nossa! É exatamente isso. Dá até uma tristeza descobrir que nada era como pensávamos! Lembro do sorvete de suco que tinha na sorveteria perto de casa. Eu achava aquilo maravilhoso, uma delícia. Encontrei outro dia uma máquina igual e não pensei duas vezes. Fui experimentar. Que decepção! Minha infância destruída ??

  • 11.09.2014 14:10 Lêda Monteiro

    Estava a procura de um texto sobre memória afetiva, e este me caiu como luva. Recentemente resolvi visitar o sítio onde fui criada e, a cada passo, fui me encolhendo. Tudo era tão menor do que eu me lembrava. O lago imenso era só um poço, o abacateiro não era tão alto... Sem mencionar o sentimento que muda, a emoção de estar ali não é mais a mesma porque você não é mais o mesmo.

  • 09.06.2014 21:18 Fabiano Wallace

    Tem coisas que realmente tem que ficar somente nas lembranças.Ao se ter uma nova perspectiva, perde-se a magia.

  • 07.11.2013 11:47 Johnnie Lustoza

    A mais pura verdade. No meu caso, que escrevo para um blog de cervoturismo ( www.destinocervejeiro.com )e viajo a procura de cervejas, cervejeiros, pubs e etc, minha memória afetiva fica ainda mais comprometida, já que a chance de fazer "melhores amigos", conhecer os "melhores pubs" e a "melhor cidade" a cada gole é grande, mesmo bebendo responsavelmente. Este será um post para ser lembrado toda vez que o coração falar muito alto na hora de escrever. Obrigado

  • 22.10.2011 04:53 Flávia Cristina

    Falou tudo...

  • 18.10.2011 05:16 Guilherme Santana

    Muito claro e limpo o texto. Também entendo que a memória afetiva é pessoal e intransferível. E como o próprio nome diz, deve ser tratada de maneira afetuosa, mas somente na memória. E viva a balinha chita que vendia na cantina do Agostiniano!!!!

  • 18.10.2011 03:04 Ariene

    É bom saber que mais gente compartilha desse idéia. Vivi uma parte da infancia em Fortaleza. Fase muito marcante, porem não tenho coragem de voltar lá. Tenho medo que a memória nova, tome lugar das lembranças. Sei que minha casinha não vai estar mais igual, a rua, a vizinhança... Muito bom o texto Pablo!

  • 18.10.2011 01:47 Tatiana Mendes

    Pablo, adorei o texto!! Mas acredito que para os que vivem só da razão... ele é perfeito! Já para os que vivem entre a razão e a emoção como eu... não é tão fácil assim. Fechar as memórias afetivas num departamento de "acesso exclusivo" dento da cabeça!! A memória afetiva faz parte de nós... o que somos... o que sentimos... ela nos constrói!! Não é fácil deixá-la de lado quando trabalhamos com arte!!! Quando o assunto é GASTRONOMIA, fazemos uso da memória efetiva para se conectar com as pessoas. E assim construímos a nossa identidade como cozinheiros! Outro dia li um texto da chef Roberta Sudbrack e depois tive a oportunidade de assistir um programa de TV no qual ela falava da importância de transportar base emocional para a cozinha! Depois de tantos FOODS... fastfood, slowfood, darkfood, livefood... "nasceu" (ressurgiu) o CONFORTFOOD... aquela comidinha que jamais vamos esquecer e deixar de gostar! Resumindo... MEMORIA AFETIVA + CONFORTFOOD... é igual a COMIDA DE VÓ ou de MÃE!!! rsrsrs Tem quem resista... ou não goste??? Bjos Tati Mendes

  • 18.10.2011 01:11 matsui

    Todo mundo tem memória afetiva. E através dela que podemos relembrar o passado, pelo menos os bons momentos. Adorei a matéria.

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