Entre os mais influentes da web em Goiás pelo 12º ano seguido. Confira nossos prêmios.

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351

Sobre o Colunista

Eliane de Carvalho
Eliane de Carvalho

Jornalista formada pela UFG, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), onde mora há 5 anos / eliane@aredacao.com.br

Internacional

Indignação global

Movimentos eclodem em locais diversos | 09.10.11 - 21:17

Protestos, manifestações, descontentamentos. A mesma informação pode ser usada para descrever a atual convulsão social, em países de diferentes continentes. Se o foco está nos países árabes, a notícia vale para Tunísia, Egito, Líbia e Síria. Se me concentro na Ásia, a frase é válida para Índia e China. Se volto os olhos para a Europa, posso estar falando da Grécia, Espanha e Inglaterra. Se as atenções vão para o outro lado do Atlântico, me lembro das últimas notícias de Nova York. Pois esta indignação também está movimentando a nossa vizinhança, como Chile, a Bolívia, o Uruguai e já chegou até nós, o Brasil.

O que será que está acontecendo no mundo, que tem levado tanta gente, de lugares tão diferentes, às ruas para se manifestar ao mesmo tempo? Poderíamos recordar as rebeliões estudantis, que agitaram várias partes do planeta, em 1968, numa época em que ainda não se falava em globalização. O ano de 1989 também ficou marcado na história devido à queda do Muro de Berlim e às revoltas na Praça Tiananmen, na China. Talvez este seja o ano da indignação global!

A primavera árabe já derrubou os regimes da Tunísia e do Egito. Dois acidentes, numa fábrica e com um trem de alta velocidade, serviram de estopim social, na China. Centenas de indianos foram às ruas em apoio ao ativista social, Anna Hazare, que recorreu à greve de fome em defesa de medidas anticorrupção. A Europa está imersa na incapacidade de pagar dívidas públicas e os ajustes provocam protestos em boa parte do continente. Nos Estados Unidos, manifestantes bloquearam o principal acesso ao coração de Nova York, em protesto contra o aumento da desigualdade, a ameaça ao padrão de vida da classe média e o descontentamento com as elites política e financeira do país.

Insatisfação latina

Mas o que acontece nas bandas de cá? Será que os ventos da primavera árabe chegaram à América Latina? Já não se trata de um, dois e nem três exemplos de países, em que a população reage com protestos, quando vê seus direitos desrespeitados e não é atendida em suas reivindicações.

Vejamos o caso mais emblemático: o Chile. O país vive um excelente momento econômico. Em 2010, teve um crescimento de 5,2% e deve fechar 2011 com um desempenho de 6,5%. O Chile já é considerado um dos países com menos risco econômico, apresenta bons indicadores de desenvolvimento, emprego e uma renda per capta de 15 mil dólares, que levaram o país a integrar o seleto “grupo dos ricos”, como é conhecida a OCDE, Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Econômico.

Mas com tanta bonança, porque dezenas de milhares de estudantes, cada vez mais seguidos por seus pais, se mobilizam contra o presidente Sebastián Piñera e lhe conferem um baixíssimo índice de popularidade de 26%? O movimento já é considerado o maior e mais violento, desde o fim da ditadura, em 1989.

Os chilenos reclamam, principalmente, porque o país foi longe demais na privatização das universidades e, agora, exigem que o governo e Congresso reconheçam a educação como um direito fundamental, na Constituição do país. Dito de outra forma, cobram uma educação superior gratuita e de qualidade. A dura repressão do governo às primeiras manifestações gerou mais revoltas.

Repressão ainda mais violenta sofreram os indígenas da Amazônia boliviana, que se manifestam contra a proposta do governo de construção de uma estrada, que cortará o Território Indígena do Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS).

A estrada, além de desrespeitar um direito constitucional dos índios, corrói a imagem ecologista e indigenista de Evo Morales e evidencia que o presidente é, antes de mais nada, um líder sindical, muito mais preocupado em atender os interesses dos produtores de coca, a quem o projeto realmente beneficiará.  

A reação violenta do governo à marcha indígena levou à renúncia de dois ministros, pôs em risco o apoio dos dois terços parlamentares necessários para aprovar leis sem debate e minou a popularidade já desgastada de Morales, que contava com 36% de apoio, antes dos enfrentamentos.

Vale a pena lembrar os fenômentos políticos ocorridos no Uruguai e Peru, recentemente. O Peru foi o país da região com os melhores resultados econômicos, em dez anos. Cresceu quase 6% ao ano em média, reduziu a pobreza significativamente e diminuiu a desigualdade social histórica, ligeiramente.  No entanto, os dois presidentes responsáveis por esses avanços, Alejandro Toledo e Alan García, terminaram seus mandatos com índices de popularidade insignificantes.

No caso do Uruguai, também houve conquistas econômicas e sociais importantíssimas, na última década. O país mantém taxas de crescimento invejáveis, reduziu a pobreza consideravelmente e Montevideu vive um boom imobiliário. Mesmo assim, a Frente Ampla, a coalizão política de centro-esquerda que elegeu o atual presidente, está dividida, a popularidade de José Mujica estremece e predomina um ambiente de apatia e pessimismo, no país.

Os indignados do Brasil mostraram a cara no dia 29 de setembro, quando 30 mil pessoas foram às ruas de Brasília com o lema: “Um país rico é um país sem corrupção”. O movimento continua e o desafio, agora, é recolher assinaturas para acabar com o voto secreto, no Congresso e mostrar a insatisfação da sociedade com o projeto de retomar as listas eleitorais fechadas por parte dos partidos políticos, que passariam a decidir que candidatos ascenderiam ao poder.

Indignados entrelaçados

Existe uma link entre todos esses acontecimentos? É tentador dizer que essas manifestações estão ligadas por uma globalização que impulsiona a renda dos ricos ao mesmo tempo que cria um mercado internacional de trabalho, que achata os salários dos não especializados. É preciso ter cuidado com conclusões diante de eventos tão distintos.

Claro que há diferenças entre a ação de uma manifestante líbia que arrisca a vida por liberdade, um jovem espanhol que reivindica trabalho e um estudante brasileiro, que já não tolera a corrupção. Mas existem traços comuns nos movimentos dos indignados globais, ainda que alguns apresentem mais conexões entre si, que outros.

As redes sociais foram usadas, em quase todos eles, como instrumento de mobilização social e um potente multiplicador de informação sobre as conquistas resultantes dos protestos, em diferentes lugares do planeta.

Entre estas conquistas, está o prêmio Nobel da Paz à Tawakul Kerman, uma política e ativista de direitos humanos, que lidera o grupo de Mulheres Jornalistas Sem Cadeias de Comunicação, no Iémen, um dos países mais afetados pela revolução árabe. Kerman tem uma grande participação na mobilização de dezenas de milhares de mulheres, que cobertas por mantas negras, vão às ruas exigir o fim dos 30 anos de ditadura do presidente Ali Abdulá Saleh.

Nos países latinos, não há ditaduras como no Iémen, mas existe uma insatisfação, principalmente entre os jovens, em relação a um sistema de representação democrático, em que as pessoas não se sentem representadas e demonstram que não estão dispostas a cruzar os braços diante das evidências de corrupção.

Os resultados dos indicadores macroeconômicos são muito favoráveis, mas nem sempre se traduzem em trabalho para os mais jovens. Cidadãos comuns se sentem excluídos dos benefícios do crescimento econômico. A desigualdade social ainda é um dos graves problemas da região e, cada vez, menos tolerado.

O crescimento das classes médias latino americanas não foi acompanhado de uma adequação das instituições democráticas, dos sistemas educativos, da inserção dos jovens, no mercado de trabalho e acesso à cultura.

Brasil

E aqui, gostaria de abrir um parêntesis para o novo mapa social brasileiro, em que a classe média já representa 52% da população, é maioria na sociedade e capaz de decidir as eleições. Uma mudança pra lá de significativa e que está no centro do debate político nacional, depois que 30 milhões de pobres saltaram da pobreza à classe média baixa, nos últimos oito anos. Um novo universo, que ainda precisa se moldar à classe média tradicional, sacrificada economicamente e que não cresceu em proporção ao salto dado pelos pobres.

A América Latina viveu uma transformação social fenomenal, nos últimos 15 anos, que foi antecedida por transições políticas também importantes. Mas a região necessita novas estruturas políticas, de educação, acesso à cultura e diversão.


Comentários

Clique aqui para comentar
Nome: E-mail: Mensagem:
  • 26.10.2011 05:32 Amaia Elizalde, Barcelona

    Buen análisis económico y político del fenómeno de los indignados, que tanta relevancia está teniendo también en España con el movimiento del 15-M. Vale la pena establecer las relaciones que guarda esta ola global de indignación social entre los países, tal como analiza el artículo, para no perder la perspectiva de un fenómeno que con toda seguridad pasará a la historia del siglo XXI.

  • 26.10.2011 05:27 Amaia Elizalde, Barcelona

    Buen análisis económico y político del fenómeno global de los indignados, que tanta importancia está teniendo también en España. Vale la pena recordar las relaciones que guarda esta ola de indignación social entre los países, tal como analiza el artículo. Felicidades!

  • 18.10.2011 10:03 Savio

    Eliane, parabéns pelo texo.

  • 12.10.2011 01:30 Zé Miguel

    Cara Eliane, seu texto sempre tão enxuto e bem distribuido é, de fato, uma peça jornalística, mormente quando observamos suas fontes: especificamente informações oriundas de veículos de informação. E isto, hoje em dia, pode ser um grandessíssimo perigo. No caso em tela, foi.

  • 11.10.2011 03:10 Rosane

    Li, texto rico em informações e história, obrigada por nos presentear com palavras tão bem estruturadas. A correlação entre os diversos países é excelente e nosso Brasil não poderia ficar fora! Hora de mostrarmos nossa indignação nas eleições, em breve!!!

  • 11.10.2011 01:24 Ana Paula

    Parabéns, Eliane!! Seus textos são um alento... Informação de primeira e português com qualidade...

  • 10.10.2011 02:30 João Carlos

    Esta coluna, como sempre, trazendo excelentes textos. Parabéns, Eliane.

  • 10.10.2011 09:12 Sérgio Paiva

    Eliane, que grande texto! Excelente análise. Parabéns, aguardo os próximos.

Sobre o Colunista

Eliane de Carvalho
Eliane de Carvalho

Jornalista formada pela UFG, mestre em Relações Internacionais pela Universidade Autônoma de Barcelona (UAB), onde mora há 5 anos / eliane@aredacao.com.br

Envie sua sugestão de pauta, foto e vídeo
62 9.9850 - 6351