Desembarquei em Pequim, sonhando em saciar a curiosidade de conhecer a Cidade Proibida e a Grande Muralha, dois importantíssimos legados dos tempos imperiais chineses. Quando o taxista me deixou no hotel, depois de me cobrar o dobro do que deveria, avistei a poucos metros dali, a Cidade Proibida. A vontade era de me livrar da mala e seguir, diretamente, naquela direção. Mas já era fim de tarde e as portas logo seriam fechadas.
Decidi dar um passeio pelo mercado de rua, quase em frente ao hotel. Uma festa gastronômica! Poucos metros de caminhada foram suficientes para descobrir o que realmente atraía os turistas: os espetinhos de escorpião! Dezenas deles disputavam o melhor ângulo para fotografar a iguaria, mas levei um tempo para flagrar um chinês comendo aquela coisa crocante!
Não que a cena tenha me despertado o apetite, mas já era hora do jantar e caminhei um pouco mais, até uma das principais artérias comerciais da cidade: a avenida Wangfujing. Entrei em um shopping center e ali provei o famoso pato laqueado, o prato mais divulgado para os turistas. Nada demais!
Começava a escurecer, mas mesmo sozinha, ainda podia aproveitar as próximas horas e conhecer a sede dos jogos olímpicos de 2008. No hotel, haviam me dito que o melhor era fazer o passeio à noite, quando estava tudo iluminado, e que o jeito mais fácil era pegar o ônibus, que passava na rua perpendicular, e seguir até o último ponto. Ali reconheceria facilmente o que buscava.
No começo do trajeto, estava tudo muito interessante. Observar a paisagem e a rotina dos chineses, que voltavam para casa, depois de um dia de trabalho. Mas depois de meia, uma, duas horas sem vislumbrar o meu destino, já era noite e comecei a me preocupar. Ônibus lotado e só eu de fisionomia ocidental. Quando tentei obter uma informação, percebi que não seria fácil encontrar alguém que falasse inglês.
O que me salvou, foi seguir à risca duas dicas de uma revista para turista: não sair sem o cartão do hotel e um mapa da cidade, escritos em inglês e mandarim! Na linguagem dos gestos, um rapaz me informou que meu ponto estava próximo. Dito e feito! Logo avistei a estrutura criada para as provas de natação, o Cubo de Água, e o estádio Ninho de Pássaro. Valeu a pena o esforço!
Ainda não sabia que voltar para o hotel seria outra epopéia. Me esqueci de marcar o ponto de ônibus da partida e foi impossível buscar o nome na memória. Decidi pegar um taxi, mas eles paravam, olhavam o cartão do hotel e, simplesmente, recusavam a corrida. Isso aconteceu durante quase uma hora, até que um deles decidiu me levar de volta.
Na disputa para sediar os jogos, a China teve que comprovar melhorias ambientais e desembolsar 15 bilhões de dólares em esforços para a despoluição do ar. Houve avanços, mas a cidade mais poluída do planeta, segundo o Banco Mundial, ainda tem sérios problemas com a má qualidade do ar e isso está estampado na cara dos chineses, que circulam de bicicleta por toda a cidade, com o rosto protegido por máscara.
A Grande Muralha
É preciso se afastar um pouco de Pequim para visitar a Muralha da China. Há cinco trechos próximos da capital e o mais perto deles está a 50 quilômetros. O acesso é bem fácil, através de excursões organizadas, transporte público e taxi. Filtro solar e água são indispensáveis ao passeio, no verão.
Eu estive em uma parte, em que para subir até a Muralha, era preciso pegar um teleférico e a volta era numa espécie de tobogã. Foram duas formas bem divertidas de admirar a paisagem. Ali, a Muralha está cercada de muito verde, restaurada, conta com torres de observação belíssimas e vistas de tirar o fôlego.
A Muralha possui dimensões impressionantes, que vão desde o deserto de Gobi, no oeste da China, até o mar, no leste. Já não é possível caminhar por toda a extensão original de 5 mil quilômetros, porque alguns trechos já não existem. Mas ainda há ruínas que datam do ano 221 a. C, quando ela começou a ser erguida, durante a dinastia Han.
Naquele tempo, as muralhas eram usadas para a defesa, mas a barreira nunca cumpriu o objetivo de evitar invasões. No entanto, serviu como uma importante via de transporte.
Hoje, é um dos monumentos mais conhecidos do mundo e dizem que é a única obra humana que se vê da Lua.
A cidade em extinção
Mas em terra firme, ainda há muito mais para visitar em Pequim, como os hutongs. São becos, com casas de um andar e um pátio interior, com um poço de água no centro. Os hutongs datam da fundação de Pequim, como capital, durante a dinastia Yuan, no século XI.
No início, em cada hutong, viviam várias gerações de uma mesma família. Hoje, já não é assim e dos três mil que existiam, restaram mil, que aos poucos dão lugar à cidade moderna. Foi um dos passeios mais interessantes que fiz por Pequim, porque é onde se pode ver como é o dia a dia dos chineses.
O melhor é se deixar perder por esses becos e observar cada detalhe. O ambiente é bem familiar e conta com banheiros públicos limpos. Visitei uma das casas, onde moravam avó, filho, nora e netos. Uma família de mestres de kung fu! No bate-papo com o avó, lhe perguntei, qual era a mudança mais significativa que ele havia observado em seu país, nas últimas décadas? E ele me respondeu: “para mim, o mais importante, é que já não há fome”.
Nos tempos do império
No dia seguinte, fui andando até a Cidade Proibida, não sem antes caminhar no entorno para admirar o Mausoléo de Mao, onde está o corpo embalsamado de Mao Tsé-Tung, o líder comunista que fundou e comandou a República Popular da China, a partir de 1949; o Grande Pavilhão do Povo, sede do Congresso Nacional; e a emblemática Praça Tiananmen.
Também tinha muito interesse em conhecer de perto esta praça, que marcou a história da China. Cheguei ao país no dia 5 de junho, exatamente um dia depois do aniversário de 22 anos do protesto, na praça Tiananmen, em Pequim, conhecido como o massacre da Praça da Paz Celestial. Foram várias manifestações lideradas por estudantes chineses contra a corrupção, repressão, inflação e desemprego, entre abril e junho de 1989. O exército chinês reprimiu duramente os protestos, que resultaram em 7 mil mortos civis, segundo a Cruz Vermelha. Uma imagem ficou na história: a de um estudante, totalmente desarmado, que conseguiu parar um tanque de guerra.
Num percurso, em taxi, por Pequim, perguntei à guia que me acompanhava, como havia sido as manifestações para lembrar o massacre, mas a moça de apenas 19 anos de idade e que nem era nascida no ano dos protestos, não sabia do que se tratava. Perguntou à taxista, que respondeu em mandarim, que o tema não interessava ao governo e aí morreu a conversa. Felizmente, o que foi abafado ali, repercutiu muito na internet.
A vista da praça para a Cidade Proibida é impressionante. Aquela sensação, comum à muitos viajantes, que se decepcionam ao constatar que o monumento é muito menor do que aparece nos livros de história, não se repete no caso da cidade imperial. Ela é grandiosa por dentro e por fora, além de muito bem conservada.
Chama a atenção uma foto enorme do rosto de Mao Tsé-Tung, logo na entrada da Cidade Proibida. O quadro está fixado na grande muralha que contorna a Cidade. Uma muralha púrpura, a cor dos Deuses, que proibia o acesso e separava a Cidade do mundo real.
O maior palácio do mundo ocupa 72 hectares e chegou a abrigar seis mil pessoas, entre familiares, concubinas, eunucos e funcionários, no auge do período imperial. As obras começaram na dinastia Ming, em 1406, e envolveram quase um milhão de pessoas e cem mil artesãos, em 14 anos de construção.
A Cidade Proibida é formada por muitos pavilhões, usados nas cerimônias imperiais, e por palácios, como o que servia de residência para o imperador.
Há muitas curiosidades, como por exemplo, os edifícios estarem orientados para o sul e terem a estrutura regida pelo yin e yang, segundo a filosofia de Confúcio, o grande ideólogo chinês, que viveu no século V a.C. Outro detalhe usado para proteger a Cidade do mal e expulsar os maus fluidos: um canal de água, que corta a Cidade ao sul e desemboca no oriente.
Interessante notar, que um imperador tão preocupado com os preceitos de Confúcio, deixasse de aplicar um dos grandes ensinamentos do mestre: “A água que sustenta um barco, também pode virá-lo”, um alerta para que os dominantes não se afastassem dos interesses do povo.