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Nádia  Junqueira
Nádia Junqueira

Nádia Junqueira é jornalista e mestre em Filosofia Política (UFG). / njunqueiraribeiro@gmail.com

Ora, pois!

O mundo que está deixando de existir

Sobre felicianos e domésticas | 10.04.13 - 23:23

Goiânia - Mudanças sempre causam dores. Elas incomodam porque é impossível que passem despercebidas. Elas retiram as pessoas do conforto, da irreflexão, da estabilidade. Exigem que nós mudemos também. Junto com as mudanças nasce a resistência. Mas há de se entender que não há resistência que vença mudanças que acompanham uma evolução. Gritem, protestem, xinguem, desçam o nível. O mundo mudou (ainda não o quanto desejava) e te incomode o quanto for, não há mais chances de andar para trás. Ou assim esperamos.

Entre sucessos, fracassos, ilusões e realidade das redes sociais como ferramenta de ação pública, me agrada bastante a possibilidade que oferecem de expressar opiniões. Fico me lembrando, num passado não muito distante, quando a gente sabia o posicionamento das pessoas em relação às coisas do mundo quando esse alguém era disponível o suficiente para mandar e-mail com um texto de alguma referência (Jabor ou Boff, que seja) ou a possibilidade era o tete-a-tete mesmo. As rodas de conversa e salas de aula. Hoje sei o que amigos, conhecidos, poucos conhecidos pensam pelas redes sociais. E como gosto de ver o que eles pensam.

Confesso que já pensei em dar unfollow em quem compartilha incessantemente frases, charges, montagens de posicionamentos morais e políticos absolutamente contrários aos meus. É a mesma sensação que faz mal ao meu estômago quando me dedico a ler comentários na internet em matérias e artigos sobre Daniela Mercury, Feliciano, empregadas domésticas e afins. Depois do estômago estar menos afetado pelo cérebro, vejo que vale a pena ler e ver tudo isso. Vale a pena ver o que as pessoas estão pensando. 

Assistindo a esse incrível show que mistura notícia, marketing, sensacionalismo, expressão de opinião (com boas ou péssimas argumentações e pouquíssimo respeito), conservadorismo e moral, cheguei a uma conclusão: empregadas domésticas, cotas, casamento gay, resistência a Feliciano e demonstração de amor homoafetivo de Mercury estão todos no mesmo balaio. A cada passo dado a frente rumo a uma dita, possível (quem sabe) igualdade, há sempre quem insista para que o mundo pare. Porque o caminho rumo a igualdade, de fato, não é fácil. Alguém, acostumado a privilégios, deve perder para que outros possam compartilhar dos mesmos direitos. 

Coerente com esse medo por mudança foi a capa da Veja que circulou bastante por aí. Achei que representou realmente os temores de quem leva essa revista a sério. Na capa, um homem engravatado, vestindo avental, lavando louça e com uma expressão triste. "Você amanhã" acompanhava a imagem. O típico temor de quem sempre teve uma empregada em casa pagando pouco por isso – achando que é, de fato, quanto vale o trabalho – ao receber a notícia de que agora os empregados domésticos serão como outros quaisquer e receberão FGTS. 

Mais de cem anos depois da escravidão ter sido findada, ainda estamos acostumados com ela. Com os negros com os rodos e enxadas nas mãos. Negro na universidade incomoda. No Judiciário e com estetoscópio pendurado no pescoço ainda mais. Incomoda que um serviço que sempre foi feito por pobres tenha status de outro emprego qualquer. Mas o mundo mudou. Parece que, finalmente, estamos nos distanciando de pelo menos uma das heranças da escravidão.

De fato, você amanhã (muito próximo) estará com um pano de prato no ombro. E é você, homem, como está bem estampado na revista. Sua mulher também trabalha fora e, já não há mais justificativa para ela ser a única responsável por toda tarefa doméstica. Amanhá será você limpando seu chão. Tirando o lixo. Fazendo o que a maior parte das pessoas no mundo inteiro faz: cuidando de sua própria vida sem ter alguém fazendo isso por você dormindo num quarto três vezes menor que o seu, ganhando, 10, 15, 20 vezes menos que você. 
 
Lembro de meu pai contar que em sua cidade no interior havia um homossexual quando eram criança e seus colegas jogavam pedra quando ele passava na rua e o xingavam. Era normal. Ninguém dizia que aquilo estava errado. Hoje isso ainda acontece. Mas se chama homofobia, é repudiada e caminha para uma criminalização. 

Discorde o quanto discordar, tente justificar como uma anormalidade com todas as armas científicas e religiosas: pessoas do mesmo sexo se amam, têm vontade, como todas as outras, de ficarem juntas com quem ama pelo resto da vida e de criar um filho. A lei já reconhece. Se falta reconhecimento entre todos, que não falte respeito a uma decisão que diz respeito tão somente ao indivíduo. 

A revolta pela presença de Marco Feliciano na presidência da Comissão de Direitos Humanos e Minorias é pelo simples fato de que ele preside justamente a comissão responsável por dar respaldo aos casos que ainda não atingiram igualdade. Casos que ainda passam ou devem passar por mudanças para que se atinja tal igualdade. E ele representa quem não quer mudanças. Quem não aceita ou compreende a igualdade. E, sim, há muita gente que não quer mudanças. Que não quer nem mesmo ver Daniela Mercury trocando um estável casamento hetero por um amor homo.

Imaginem quantos homens não aceitaram, em 1934, que mulher pudesse votar. Quanta gente não aceitou que negro fosse livre em 1888. Quantas pessoas não quiseram que fosse permitido, na década de 1960, o uso de contraceptivos. Quantos resmungos ouvimos quando um torneiro mecânico se tornou presidente e, em seguida, uma mulher. Tudo mudou, com toda resistência e insistência. O Brasil e o mundo continuam a mudar. 

Conteste, xingue, apele. Todo conflito é importante para estampar os problemas tão mascarados para que, enfim, possam passar por um caminho de mudança. O mundo em que serviços domésticos eram delegados a empregados cujas condições de trabalho eram miseráveis está deixando de existir. O mesmo mundo em que era normal assistir a homossexual apanhando na rua. Não há Feliciano que impeça o que já se caminhou e o que ainda há para acontecer. E, oxalá, ainda há muito para acontecer para que a igualdade não seja apenas artigo de constituição.        
  
     
 

Comentários

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  • 15.04.2013 22:40 Ramiro Maia

    Parabéns pela crônica!

  • 11.04.2013 17:09 Pablo Kossa

    Matou a pau no texto, Nádia! Parabéns!

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Nádia Junqueira é jornalista e mestre em Filosofia Política (UFG). / njunqueiraribeiro@gmail.com

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